Brumadinho – A lama já estava pelo nariz. Para não afundar, os bombeiros praticamente deitavam no lamaçal quase líquido para aumentar a sua superfície e evitar o afundamento. Para o tenente Vinícius Márcio José Vieira e o cabo Herbert José de Melo Afonso, ambos do Corpo de Bombeiros de Barbacena enviados para ajudar na tragédia, a primeira hora de retorno aos trabalhos de resgate no Córrego do Feijão, ontem, foram intensas e extenuantes. Os dois localizaram junto com bombeiros civis de Belo Horizonte e dois fazendeiros o primeiro corpo depois de as buscas terem sido suspensas desde as 5h30 de ontem, quando a barragem B6 do complexo minerário apresentava risco iminente de rompimento e soou suas sirenes de alarme.
Foi um trabalho lento e extenuante que a reportagem do Estado de Minas acompanhou até o fim, culminando com os dois bombeiros desabando sobre o pasto, completamente estafados. Quando o corpo foi localizado, os bombeiros se lançaram num rio de mais de 60 metros de largura formado pelo desastre. Esticavam as pernas e braços para conseguir se manter na superfície, mas, ao chegar no corpo inerte, perceberam que não seria possível o resgate sem auxílio. “Não havia estabilidade alguma para a gente remover o corpo. Não conseguíamos ficar de pé e mover o corpo. Se a gente tentasse ficar de pé, afundava. Tínhamos de fazer um grande esforço para não afundar”, disse o tenente Vinícius.
Nesse momento, o rombo que foi aberto pelo desastre, como se fosse um rio, foi povoado por seis helicópteros dos bombeiros de Minas e do estado do Rio de Janeiro, da Polícia Militar, do Exército e da Polícia Civil. Em menos de duas horas, quatro corpos foram encontrados. As aeronaves tentaram prestar apoio aos socorristas, fazendo voos rasantes e uma comunicação direta, pairando muito próximos aos bombeiros. Pelos rádios da corporação, a reportagem constatou um fato que vem sendo recorrente ao longo de toda a operação: socorristas reclamam de falta de cordas com comprimento suficiente para alcançar os pontos mais distantes dos cursos d’água onde estão os corpos, bem como um comunicado de rádio dos socorristas pedindo por “baskets”, que são as cestas de resgate.
UNIÃO Enquanto isso, os bombeiros se arrastavam pela lama, tentando levar o corpo até a margem. Dois fazendeiros com um quadriciclo tentavam ajudar. Com um facão, partiram a própria fiação elétrica que estava desligada para emendar a corda de resgate. Ao unir a corda ao cabo metálico, foi possível resgatar o corpo com o quadriciclo. Enquanto isso, os bombeiros, no meio da lama, iam sendo resgatados pelos helicópteros, um a um, recebendo um caloroso abraço de seus colegas que estavam na aeronave. “Parabéns”, foi o que os dois bombeiros ouviram do colega do helicóptero que os recebeu quando conseguiram, a muito custo e quase se arrastando, embarcar na aeronave.
“A vítima estava muito para dentro do curso d’’água, então era impossível levar ela na cesta, graças a deus a gente teve o auxilio dos fazendeiros que emendaram os cabos para nos ajudar a tirar de era uma situação perigosa ate para o helicóptero. disse o tenente. segundo ele, ao receber o abraco caloroso do colega do helicóptero, o amigo apenas disse “parabéns”, enquanto abraçava os bombeiros fraternamente.
O fazendeiro Ronaldo Castro, de 35 anos, ajudou a resgatar três corpos e também auxiliou no resgate de outras vítimas na margem do Córrego do Feijão. “O que a gente mais quer é ajudar. Temos muitos amigos mortos nesse desastre e não vamos desanimar nem parar”, disse. Foi o corpo de uma mulher, não identificada até o fechamento desta edição, que estava praticamente no meio da lama do curso de lama e rejeitos formados em torno do antigo leito do Córrego do Feijão.
Incansáveis
As centenas de bombeiros militares, civis, brigadistas e voluntários que atuam na tragédia provocada pela barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale, em Brumadinho, na Grande BH, enfrentam situações adversas e momentos de grande emoção que surpreendem até mesmo os profissionais mais bem preparados para enfrentar desastres. O Corpo de Bombeiros tem mais de 200 integrantes trabalhando na região afetada pela lama e conta com o auxílio de outros 300 profissionais. Cerca de 14 aeronaves, fornecidas pela própria corporação, Polícia Militar, Polícia Civil, Força Aérea Brasileira e o governo do Rio de Janeiro, estão em uso para auxiliar as equipes.
Um dos momentos de grande comoção entre famílias de vítimas e dos próprios bombeiros foi a retirada, no meio da tarde, logo após as buscas terem sido retomadas devido ao alerta de um novo rompimento de barragem, de um corpo soterrado. Os militares estavam muito emocionados e esgotados com a operação, ocorrida em uma área de difícil acesso.
Presos na lama desde a sexta-feira, sem água e alimento, duas vacas resistem, sob chuva e o sol que eleva as temperaturas acima dos 30°C. Ontem, uma equipe formada por cerca de 30 socorristas e voluntários tentou resgatar os animais dos rejeitos. Depois de uma equipe abrir acesso por uma área de mata fechada, fechada por cipós e espinhos, e outra deslizar sobre troncos e a lama para alcançar os bovinos, foram feitas várias tentativas de retirá-los do rejeito. A ameaça de uma barragem com água de mineração se romper interrompeu os esforços. Antes de sair do local, deixaram água e pastagem para as vacas.
Em outra região de Brumadinho, veterinários voluntários trabalharam ontem na retirada de animais domésticos das casas evacuadas no Parque da Cachoeira. De lá, foram levados para uma fazenda disponibilizada pela mineradora. Além de cachorros e gatos, eles também trabalham na retirada de animais de maior porte, como vacas e cavalos.