Léo Heller, relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário, pesquisador da Fiocruz-Minas e professor voluntário da UFMG
Minas Gerais é o estado com o maior número de barragens no país, as quais são portadoras da ambiguidade própria do desenvolvimento: o pêndulo benefícios-riscos. As duas tragédias mais recentes revelam que o pêndulo tem sido excessivamente deslocado para o extremo dos discutíveis “benefícios”, favorecendo interesses particularistas, equilíbrio do caixa público, financiamento de campanhas eleitorais ou a corrupção em seu estado mais bruto. E os riscos? Estes ficam subsumidos à ideia de que tudo justifica os propalados benefícios.
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Os relatores das Nações Unidas para os direitos humanos apresentaram várias advertências ao governo brasileiro e às empresas envolvidas desde o rompimento de Fundão em 2015, reiterando que os direitos humanos das vítimas estavam sendo negligenciados. Fundão desvenda que o tempo é aliado dos violadores de direitos humanos e que mecanismos preventivos disponíveis – classificação de riscos, licenciamento ambiental, fiscalização – têm sido abstrações sem efetividade. Com a inaceitável tragédia em Brumadinho, vê-se que as lições não foram aprendidas e a lógica perversa permanece.
O momento atual é grave e os esforços imediatos requeridos são de identificação das vítimas, apoio a seus familiares e prevenção de novos efeitos. Mas também é tempo de exigir que autoridades tratem esta tragédia a partir do marco dos direitos humanos.
Aos governos Bolsonaro e Zema cabem condoídas desculpas, por terem cogitado relaxar a política ambiental, visando “agilizar o progresso”... para poucos.