Jornal Estado de Minas

Moradores temem tragédias em barragens de Paracatu


Aurum no latim significa “brilhante” e dá nome ao metal que produziu colonizações e encantou impérios. O ouro ainda tem alto valor monetário, mas sua exploração pode provocar danos físicos e ambientais irreparáveis. A 234 quilômetros da capital federal, na cidade de Paracatu (MG), a Kinross Gold Corporation explora a maior mina de extração do metal a céu aberto no Brasil. Depois da tragédia de Brumadinho (MG), o medo tomou conta da cidade. Há três anos, depois do desastre de Mariana (MG), o receio já tinha aumentado. Isso porque a mineradora atua a apenas 300 metros da cidade. Autoridades procuram confortar a população com audiências e vistoria na empresa, mas as redes sociais estão fervendo de comentários e rumores.

O medo vai além de algum rompimento das duas barragens da região, Santo Antônio e Eustáquio. As pessoas temem falar sobre a empresa.
Abordadas pela reportagem, cidadãos de variadas funções e idade, rejeitaram com receio de que algo pudesse “desagradar” à empresa, como deixaram claro. Um motoboy, 62 anos, que não quis se identificar, lembrou um ditado popular ao avaliar o cuidado da população: “Em boca fechada, não entra mosquito”.

A contadora Zenite da Costa Santana, 55, nasceu em Paracatu e jamais saiu da cidade. Conta que o clima ficou mais “tenso” depois do recente desastre. Contudo, diferente de muitos, ela diz não acreditar em um eventual rompimento da barragem, mas lamentou que a mineradora não oferece uma “contrapartida” à sociedade. “Muitos são empregados da Kinross; então, não falam, mas existe uma questão ambiental preocupante. Já temos crise hídrica, porque, para produzir esse ouro, as nascentes foram afetadas”, declarou.

Risco iminente

Mesmo com água disponível no município, a contadora esclareceu que parte da população consome água mineral de fora. Entre elas, a gerente de uma sorveteria no centro da cidade Maria do Socorro, 55.
Questionada se tinha comprovação de que a água é contaminada, disse não ter certeza, mas que preferia não arriscar. Há cinco anos em Paracatu, Maria do Socorro está apreensiva. “Essa mineração é perigosa, corremos risco iminente. Isso é brincar com fogo em nome do dinheiro. Será que o tanto que já recolheram não basta?”, questionou. “Ninguém é contra o ouro, mas vidas estão em jogo. Os chefes da empresa não moram aqui, estão longe. Nem os parentes estão aqui.
Nós é quem somos afetados”, afirmou.

O funcionário público Urubatan dos Santos, 63, lamentou a falta de proteção. Para ele, “nada garante” que a barragem não ceda e, se isso ocorrer, “não dará para a população fugir”. “Paracatu pede socorro. É uma mineradora praticamente no meio da cidade”, exclamou. Os rumores da sociedade chegaram à Câmara dos Vereadores de Paracatu. Ontem, 10 pessoas se reuniram no Legislativo, incluindo o presidente da Casa, vereador Wilson Martins (PSB). Ele contou que ficou decidido a fazer uma visita à empresa na próxima sexta-feira às 13h30. “Estamos preocupados e decidimos solicitar um laudo técnico de uma empresa externa. O intuito é tranquilizar a população”, afirmou.

A expectativa é de que, na visita de sexta, o engenheiro da empresa forneça os esclarecimentos necessários. O objetivo é ir as duas barragens controladas pela empresa canadense.
Eustáquio é a mais recente e, em 2015, tinha mais de 70 milhões de metros cúbicos de rejeitos. No entanto, a barragem de Santo Antônio, que está desativada há três anos, preocupa mais os vereadores. Possui rejeitos acumulados desde 1987, que somam mais de 420 milhões de metros cúbicos. “Essa é o perigo. A outra é nova e tem um sistema de segurança atual”, enfatizou.

Além da visita, a comissão de Meio Ambiente da Câmara já planeja convocar uma audiência pública para que a Kinross Gold Corporation preste informações à população. Segundo ele, a importância da mineradora para Paracatu faz com que todo ano haja, ao menos, um diálogo com a comunidade. “A cidade é dividida, uns acham que é benéfica (a empresa); outras acham que não, já que pode afetar a saúde. Por isso, promovemos esses debates”, explicou.

Outro lado

Procurada, a Kinross Gold Corporation de Paracatu informou, por meio de nota, que “trabalha com as melhores práticas na construção de barragens e possui procedimentos rigorosos de manutenção e monitoramento”. O documento também ressalta que a empresa “possui um plano de emergência sempre atualizado. Em novembro de 2017, a Kinross realizou, em parceria com a Defesa Civil Municipal, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar, treinamentos com comunidades vizinhas à barragem.
A ação, que integra o plano de emergência da Kinross, visou a repassar ao público informações sobre como proceder em situações de emergência”, discorre a nota.

A companhia destacou também que, para reforçar a transparência de sua operação, ampliou o Programa de Visitas e incluiu a barragem dentro do roteiro para que os visitantes possam conhecer e tirar dúvidas com relação à operação. “Em 2018, mais de mil pessoas visitaram a Mina Morro do Ouro”, destacou. “Em 25 anos de história, a Kinross nunca teve qualquer evento de rompimento da barragem em suas nove operações ao redor do mundo. Todas as nossas instalações são projetadas, construídas e mantidas com os mais altos padrões de engenharia. A segurança e integridade física, incluindo a capacidade de resistir a tempestade e eventos sísmicos, são algumas das nossas principais considerações”.
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