No quintal de casa em meio a árvores, flores e plantas, Sebastião Gomes, de 54 anos, descansa sentado debaixo de uma sombra. Homem de fé, tem em mãos a Bíblia, sua companheira desde a infância. O clima é de paz junto à seus bichinhos de estimação – três cachorros e dois gatos. Sebastião não os ignora e trata todos como se fossem filhos. Quem o vê sereno dessa forma nem imagina que há sete dias ele correu o risco de morte. Ele é um dos sobreviventes do crime ambiental que ocorreu última sexta-feira na Barragem Mina Córrego do Feijão. Casado e pai de três filhos, ele mora no Bairro Jardim das Alterosas, em Betim, na Grande BH, há mais de 20 anos e trabalha na Vale há nove.
Era um dia normal, quando ele e o amigo Elias de Jesus Nunes terminaram de almoçar e saíram do refeitório às 11h20. Eles pegaram a caminhonete e subiram para continuar o serviço. Foi nesse momento que escutaram um forte barulho. “Só escutamos um estrondo, que não tem como explicar a força. Foi muito violento. Quando olhamos para o lado vimos muita lama. Só deu tempo de correr para caminhonete. Estava procurando por um abrigo com medo de entrar no carro. Mas o Elias me disse: 'não Sebastião, entra na caminhonete, se não você vai morrer'. Só deu tempo de entrar no veículo. Tratores descendo, ferro distorcido por todo lado, e em frente se via um raio enorme de rejeitos. Nesse momento começamos a rezar o Pai nosso muito alto.”
Sebastião e Elias não sabiam direito o que estava acontecendo. Foi então que perceberam que a barragem havia rompido. Elias virou e disse: “Sebastião, não tem jeito.” Logo depois, seu colega soltou o volante e a onda de lama envolveu o veículo. “Ficamos à deriva. A lama levou a gente para lá e para cá. De repente, houve um silêncio, tudo parou. E nossa caminhonete, ali virada dentro da lama, olhei para os lados e vi seu Antônio, motorista de um dos caminhões que conseguiu sair com vida”, disse.
Eles ficaram parados dentro da caminhonete, não tinha entendido o porquê de o veículo ter parado. Depois pôde verificar que os vagões que desciam pela onda de lama fizeram uma espécie de barreira entre o carro e o tsunami de rejeitos de minério, isso impediu que algo mais grave pudesse ocorrer com eles. Para Sebastião, o que os salvou foi 'a mão de Deus'. “Veio um silêncio, parece que a natureza calou. A gente era acostumado a ouvir passarinhos, mas naquele momento não havia nada para se ouvir”, explicou.
Quando conseguiram sair do carro, começaram a procurar outros sobreviventes e se depararam com um rapaz preso em um trator todo coberto de lama. No desespero, os dois amigos, junto com Antônio, começaram a escavar com as mãos a lama dentro do trator na tentativa de salvar a vida do homem identificado apenas como Leandro. “Nós tiramos ele e entramos em desespero, pois nós precisávamos de socorro”, revelou Sebastião.
SOCORRO O primeiro helicóptero a chegar no local foi o de uma TV. Quando Sebastião avistou a aeronave, começou a fazer sinais pedindo por socorro. Foi então que ele pegou seu celular sujo de lama e pediu que os bombeiros fossem ao seu auxílio. “Tentei ligar para minha filha. Ela já estava na sala vendo tudo, e minha esposa, que toma remédio antidepressivo, estava desesperada e chorando muito. Consegui falar com minha filha, que pediu socorro. ‘Dei sua referência pai, os bombeiros já estão indo aí’.”
Depois do resgate, os sobrevivente foram conduzidos para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Sarzedo, também na Grande BH. “Estou muito triste por ter perdido vários amigos soterrados, mas, ao mesmo tempo, estou feliz porque estou vivo. Agradeço a Deus.”
Falta de aviso sonoro
O funcionário da Vale explica que a empresa fornece treinamentos de emergência caso alguma barragem viesse a se romper. Mas destacou que não houve aviso sonoro. Ele reforça que todas as mineradoras que utilizam esse tipo de barragem devem parar imediatamente. Chegando ao fim da entrevista, Sebastião Gomes deixou um recado. “Eu gostaria de falar para todas as famílias que estão sofrendo com seus entes desaparecidos, para que Deus abençoe o coração de cada umas delas. Porque não é fácil. Você sai para trabalhar e não sabe se volta. Quando eu saio, beijo cada um dos meus filhos, desde que eles eram pequenos. Um beijo neles e na minha esposa, por que eu não sei se daquele portão pra dentro eu retorno, desde de um assalto na rua ou até mesmo numa tragédia como essa, temos que ter fé.”
Sebastião Gomes
Sebastião Gomes entrou na Vale no ano de 2000. Começou a fazer o curso de graduação de engenharia ambiental em 2011, e mesmo depois de ter trancado a faculdade duas vezes, conseguiu encerrar o curso no final de 2018, e vai colar o grau em maio de 2019.
No próximo domingo, Gomes tem uma prova marcada para concorrer a uma vaga na Polícia Rodoviária Federal, em Goiânia-GO, mas ainda não sabe se terá condições de comparecer. Além de funcionário da Vale, atua na Igreja Católica como ministro da eucaristia, que auxilia na celebração de missa no bairro onde mora.
Sebastião tem a vida envolvida com a arte. Artista plástico desde os 22 anos, pinta quadros e já participou de algumas exposições. Também é atleta, já correu a São Silvestre e diversas vezes a volta da Pampulha. Em 1992, chegou até a correr a maratona promovida pelo jornal Estado de Minas. Além, disso também se mostrou escritor, pois está trabalhando em um livro biográfico sobre a sua mãe dona Lourdes.
*Sob supervisão do subeditora Regina Werneck