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Estado de Minas

Moradora de Brumadinho e funcionário da Vale se tornam vítimas ao tentarem salvar vidas

A solidariedade em meio à iminente tragédia cruza a história da líder comunitária Sirlei de Brito e do operador Diego Oliveira, mortos em Brumadinho


postado em 03/02/2019 06:00 / atualizado em 03/02/2019 09:13

Edson Luiz Albanez (à dir., de branco) conduz o corpo da esposa, Sirlei de Brito Ribeiro, para o sepultamento, em Brumadinho, na última quarta-feira. 'Ela queria abraçar todos os problemas do mundo'(foto: FOTOS: Paulo Filgueiras/EM/D. A Press)
Edson Luiz Albanez (à dir., de branco) conduz o corpo da esposa, Sirlei de Brito Ribeiro, para o sepultamento, em Brumadinho, na última quarta-feira. 'Ela queria abraçar todos os problemas do mundo' (foto: FOTOS: Paulo Filgueiras/EM/D. A Press)

Brumadinho - “Para ter inimigos, não é preciso declarar guerra, basta que se diga a verdade.” Era assim que Sirlei de Brito Ribeiro, de 48 anos, se definia no status do WhatsApp. A mulher inquieta, incisiva e muito inteligente sempre se empenhou ativamente nos trabalhos pela comunidade do Córrego do Feijão e foi uma das vítimas do rompimento da barragem da Vale tão próxima do local em que mantinha sua militância social. Vinte e um anos mais novo, Diego Antonio de Oliveira, empregado da Vale, também perdeu a vida que a lama dos rejeitos de ferro levou. Os destinos de Sirlei e Diego se cruzaram justo na corajosa decisão de salvar outras vidas no momento em que se deram conta da catástrofe, mas faltou tempo para que eles conseguissem.

Os animais eram como filhos de Sirlei. Ela tinha dezenas deles na grande casa em que vivia com o marido, o engenheiro geólogo Edson Luiz Albanez, de 64. Pavão, marreco, cachorro, papagaio, arara e galinhas ornamentais eram alguns dos que ocupavam o jardim que foi tomado pelo mar de lama em 25 de janeiro. A principal hipótese para a morte de Sirlei é que ela teria corrido e ligado a caminhonete, mas voltou para buscar Bibi – cadelinha da raça Lhasa Apso, pela qual a professora era apaixonada.

O Corpo de Bombeiros a encontrou abraçada com o animalzinho. Diego também foi identificado pelos bombeiros, graças aos documentos que carregava no bolso. O pai dele, o operador de instalações Carlos Antônio, o Carlinhos, que sobreviveu à tragédia, está convencido de que o filho foi ao restaurante do complexo da Vale na esperança de avisar os companheiros sobre o desastre e tentar salvá-los, mas não teve tempo para isso.

Carlinhos deu seu emocionado depoimento ao Estado de Minas: “Era pra ele estar no meu lugar, eu tenho quase certeza que ele foi pro refeitório para tentar avisar o pessoal e salvar mais gente, mas foi muito rápido”. O pai de Diego conta que estava de pé do lado de cima do refeitório. “Passaram dois caras da central por mim, passou o Laércio, ele bateu no meu ombro e me chamou pra almoçar. Nesse intervalo meu filho chegou, a gente ainda brincou com o Rangel, que trabalhava lá com a gente e os dois desceram. Eu sentei no lugar dele no carona, o Gleisson ainda brincou e falou: O Diego arruma cada uma. Ele estava com um óculos que tinha ganhado, olhou pra mim e saiu rindo: Era a despedida dele”, lembra emocionado.


Até entender que a barragem estava se rompendo, Carlinhos diz que se passaram menos de cinco minutos. Ele e o supervisor Gleison, que dirigia a caminhonete usada para salvar cerca de 30 pessoas, saíram em direção a outra área da mina e ainda cortaram caminho, para chegar ao ponto de destino mais rápido, mas a lama os obrigou a mudar o caminho. “Em vez de ir no retorno, ele foi só na metade do caminho, passou pela contramão e subiu. Quando chegamos na cancela, onde tinha que apresentar o crachá, eu vi um poste caindo longe. Eu falei: Caiu um poste ali, será que foi um caminhão que bateu nele? Ele respondeu: Uai, Carlinhos, esquisito, né?”.

O diálogo entre os amigos continuou com a surpresa de ver outro poste cair. “A gente pensou, quando um poste caiu, puxa o outro, né? Mas Deus ajudou e um britador subiu numa altura, voltou e deu umas três sacudidas e eu falei: Gleison, é a barragem que estourou, é a barragem. Nisso, ele ficou frio, e mesmo com o barro vindo, ele virou a caminhonete pra gente descer. Eu falava: Gleison vira, vira, vamos embora, o barro, o barro.”

O drama de Sirlei Ribeiro não foi diferente. O marido dela, o engenheiro geólogo Edson Luiz Albanez, conversou com o EM sobre o último dia de vida da mulher e registrar o trabalho de Sirlei na comunidade. Ela colocou nomes em ruas e lâmpadas em postes e mediava, junto a empresas mineradoras, melhorias para os moradores da região.

Secretária municipal de Desenvolvimento Social de Brumadinho, coordenadora do curso de direito da Faculdade Asa e advogada, Sirlei era casada e não tinha filhos. Nasceu em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas cresceu no Córrego do Feijão – onde o pai trabalhava na área de mineração. Levava uma vida muito simples na zona rural. “Ela queria abraçar todos os problemas do mundo”, contou o marido, que a conheceu há 13 anos.

Desde jovem, passou a lutar inquietamente pelos direitos dos moradores do local onde viveu e pelo qual era apaixonada. Reorganizou a Associação de Moradores e brigou por melhorias na estrutura da cidade. “Revitalizou o cemitério, a igreja e o campo. Além do mais, colocou nome nas ruas – que até então não eram identificadas - e lâmpadas em poste. O propósito era mostrar para as pessoas que aquilo que elas não viam como opção era possível”, contou o marido. Sirlei promovia festas na comunidade e ainda foi uma das responsáveis pela mobilização para a criação de um time de futebol no município.

E ela fazia isso tudo com muita garra. Seja pelos caminhões que colocavam as pessoas do Córrego do Feijão em risco por conta da velocidade com que transitavam em vias rurais ou pela poeira que afetava a saúde da população, ela buscava diminuir o impacto da mineração na cidade que tanto amava. “Era uma mulher dura., mas amiga do representante da mineradora para assuntos comunitários. Choramos juntos em seu enterro”, lembrou. Ele contou que o casal não tinha medo e não fazia ideia do risco de rompimento da barragem. “Não existia um temor rondando o ambiente. Todos estavam muito tranquilos.”

A LAMA TOMOU CONTA Sirlei morava com o Edson, há cerca de sete anos, na Vila Ferteco – em uma casa de oito quartos na mata, a poucos metros do pátio de operações da Vale na Mina do Feijão. Na última sexta-feira, Edson contou que saiu de casa, por volta das 11h, para uma reunião de trabalho em Belo Horizonte. Sirlei, que ainda estava de férias do trabalho e retomaria as atividades na próxima semana, estava em casa. Edson perguntou se ela gostaria de acompanhá-lo: “Não quis ir. Tinha afazeres”, lembrou o marido. Lá, ficaram Sirlei, o jardineiro e uma empregada da casa.

“Que barulho é esse?”, perguntou Sirlei ao jardineiro. O funcionário, que trabalha há mais de 10 anos com o casal, contou a Edson que ouviu Sirlei perguntar, tirou os protetores de ouvido que usava enquanto aparava o jardim e viu as árvores se movimentando. Em disparada, saiu correndo. Já a faxineira, que estaria na sala, teria ouvido os gritos da patroa e dito: “Corre, doutora, corre!” O jardineiro e a doméstica fugiram juntos. Correram cerca de 500 metros. Sirlei ficou. E a lama veio rápido:.

Na fuga do operador Carlinhos e do amigo Gleison, encontrar um ponto mais alto para fugir da lama foi a salvação deles e de muitos outras pessoas que ajudaram. Segundo Carlinhos, Gleison deixou as pessoas que estavam a salvo e decidiu voltar para tentar ajudar mais pessoas e em seguida os dois conversaram pelo rádio. “Eu chamei ele no rádio e perguntei como estava lá e ele perguntou: Carlinhos, você tem condição de me dar um apoio? Agora é só eu e você aqui. Eu falei: Tenho sim. Ele disse: Esquece, eu sei que você está pensando no seu filho que está lá, mas desce que tem muita gente precisando. Aí eu peguei a caminhonete, eu estava tremendo bastante ainda, e fui descendo pra encontrar ele na portaria. Encontrei criança, mulher grávida passando e fui recolhendo aquele povo”, diz emocionado.

O operador lembra que se juntou ao pessoal e encontrou um saco de ração vermelho e amarelo que começou a sacudir, na esperança de que os helicópteros de buscas os avistassem. “Quando o helicóptero passou, quando um cara chegou lá, eu fiquei mais aliviado. Mas mandaram a gente ficar quieto ali, porque corria risco de a barragem do Menezes estourar também. Eu tava com medo e perguntando, aqui é seguro? Aí a carregadeira da Vale veio fazendo uma estrada pra tirar a gente dali, mas ela veio quebrando o mato e todo mundo começou a gritar, porque o barulho era igual ao da barragem. Mas aí a gente viu que eram eles para tirar a gente de lá”, completa.

Edson Albanez, o marido de Sirlei, só tem as roupas do corpo com as quais saiu de casa, no dia do rompimento da barragem, para uma reunião de trabalho. “Encontrei um assessor de comunicação da Vale e disse: ‘o que vai ser da minha vida?’, ‘para onde eu vou?’. Depois disso que a empresa providenciou o quarto em uma pousada. Até então não havia nos procurado, assim como não procurou as famílias dos funcionários”, lamentou. Ele acredita que esse tipo de tragédia ainda pode se repetir se a mentalidade da sociedade não mudar: “Nós vamos sim nos mobilizar, mas nada vai mudar de imediato. Precisamos de mais pessoas conscientes para enxergar a outra face da vida. Não é só dinheiro, eu gastei milhões em uma casa e sai só com a roupa do corpo”, ponderou.


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