Brumadinho – Os trabalhos de buscas comandados pelo Corpo de Bombeiros avançam com a localização de mais corpos soterrados na lama que vazou da barragem da Vale que se rompeu em Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho. Oito corpos foram transportados ontem para o centro de operações montado em Córrego do Feijão. No total, haviam sido encontrados 142 mortos e 194 pessoas estavam desaparecidas. Mas, além do impacto ambiental e das vidas perdidas, muitos moradores da região ficaram sem sua liberdade, seu sustento e sem moradia digna, conquistada depois de muitos anos de trabalho.
Esse foi um dos pontos abordados pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, que informou ter apresentado ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal da mineradora pedido de “imediata destituição da Diretoria Executiva” e a convocação de assembleia geral extraordinária. O movimento denuncia que ainda há pessoas sem resposta à perda de suas casas, 12 dias depois do rompimento da barragem. “Elas permanecem em situação de improviso”, disse o advogado Danilo Chammas, um dos representantes do grupo.
Gente como Mauro Tadeu Soares, engenheiro mecânico aposentado, que estava viajando com a mulher e os dois filhos, gêmeos de 11 meses, no dia da tragédia da Vale. Em sua casa, no Parque das Cachoeiras, estavam sua mãe, Manoelina, de 88 anos, uma de suas irmãs e o cunhado. Na hora do desastre, os três almoçavam nos fundos, onde passava o Córrego do Feijão. “Eles viram uma mangueira caindo, meu cunhado achou que o trem tinha descarrilhado, mas na hora a minha mãe foi mais atenta e disse: ‘O trem nada, foi a barragem que estourou’. Ela pegou a bengala e saiu correndo”, contou. Desde então, a casa de Mauro foi interditada pela Defesa Civil. Segundo ele, 80% da sua chácara foi tomada pela lama da barragem. “Tive que procurar a Vale, não foram eles que me procuraram. A sorte é que tenho outra casa em Belo Horizonte. Meu pomar, que tinha de tudo, está debaixo do barro. São mais de 15 metros de lama aí pra baixo, não sobrou nada”, disse.
O aposentado conta que a família comprou o terreno no local em 1985 e que o valor sentimental era grande. “Tínhamos cinco fontes de água aqui, fora a Copasa. Agora, acabou tudo. Quando tive que ir até a Estação Conhecimento para reclamar que não conseguia entrar na minha casa foi que me mandaram fazer um cadastro. Falaram que vamos receber R$ 50 mil pelos danos materiais, mas não quando. Mandaram-me ficar ouvindo rádio, que eles vão anunciar a data. Será que não podem entrar em contato nem para isso?”, questionou. Na tarde de ontem, Mauro começou a levar seus pertences para um guarda-volumes em BH. “Cobrei e pelo menos isso eles pagaram. Mas não tenho lugar pra colocar na minha casa. Tive que alugar um local. Disseram que vão arcar com os custos”, afirma.
Mauro diz que está feliz por não ter perdido nada além dos bens materiais e diz saber que a espera por uma indenização pelas perdas pode demorar anos. “Esses R$ 50 mil que prometeram pode até ser que saia rápido, mas a indenização pelo que eu perdi, eu sei que vai demorar e sei que não vão querer me pagar o valor que meu terreno valia, que era R$ 350 mil. Agora, ele não vale nada”, lamenta.
Além da doação de R$ 100 mil para familiares de vítimas mortas ou desaparecidas, a Vale anunciou doações para pessoas afetadas indiretamente: R$ 50 mil para famílias que moravam na zona de autossalvamento, anteriormente reconhecida pela empresa em seu plano de emergência, e R$ 15 mil para quem não morava nessa região, mas desenvolvia alguma atividade rural ou comercial previamente cadastrada. Entretanto, causa preocupação no movimento internacional dos atingidos o fato de haver necessidade de cadastramento prévio. “O cadastramento prévio é desconhecido da sociedade em geral e é critério para a efetivação dessa doação”, completou o advogado, Danilo Chammas
RACHADURAS E CORPOS A dona de casa Marlene Gonçalves Ferreira, de 56 anos, mora há 18 no Córrego do Feijão, na zona rural de Brumadinho, e também é uma das vítimas indiretas do desastre. O ritmo de pousos e decolagens levando e trazendo bombeiros, intenso no gramado da igrejinha, fez com que parte do seu telhado se quebrasse. “A lama não chegou, mas atingiu, sim, minha moradia. O dia inteiro o helicóptero está em cima da minha casa. E todo dia uma telha se solta”, contou ela, mostrando que todas as portas e janelas da construção têm rachaduras.
Até a semanada passada, a lavagem dos corpos resgatados era feita na divisão entre o terreno de Marlene Ferreira e a igrejinha. “A água que estava sendo usada da para lavar os corpos das vítimas caiu direto na minha horta. Os bombeiros disseram que não posso mais colher”, lamentou. Na propriedade, uma plantação extensa de salsinha, couve, tomate, jiló, orégano, ora-pro-nóbis e morango está perdida. “É meu sustento”, completou.
Marlene é um dos “invisíveis”, que não devem ser contemplados por nenhuma das duas doações previstas pela Vale, mas seus danos são irreparáveis: “Estamos desamparados. E, todo dia, eu tenho crise de choro com o movimento dos helicópteros. Não consigo dormir e, qualquer tipo de ruído já acordo com medo da barragem de água ter estourado”, contou.
Questionada pela situação, a Vale informou que o atendimento psicossocial para a comunidade atingida segue o planejamento desenvolvido pelo Comitê de Operações de Emergência em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde.