Jornal Estado de Minas

Conheça os bombeiros que aparecem em foto viral das buscas em Brumadinho



Barbacena – Era fim de tarde, três dias depois da catástrofe que comoveu o mundo, quando eles se sentaram, exaustos e cobertos de lama, no chão do posto avançado da comunidade do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH. A segunda-feira começara às 5h para Márcio José Brück, o tenente Brück, de 43 anos, Heberth José de Melo Afonso, o cabo Melo, de 35, e Márcio Afonso de Miranda, o cabo Márcio, de 33, mergulhados até o pescoço na tentativa de salvar vidas, resgatar corpos e buscar desaparecidos no meio do lodaçal no qual se transformou a região após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro. O flagrante do fotógrafo Gladyston Rodrigues, do Estado de Minas, viralizou na internet e faz parte da memória da grande tragédia socioambiental como registro da atuação dos 227 bombeiros de Minas, 110 de outros estados, 27 voluntários e 64 da Força Nacional envolvidos nas operações de socorro.

Na manhã de terça-feira, na sede da 2ª Companhia Independente de Bombeiros Militares, em Barbacena, na Região Central de Minas, os três falaram sobre os seis dias de trabalho em Brumadinho, para onde foram destacados logo depois do estouro da barragem. No sábado, nas primeiras horas na chamada “zona quente” no Córrego do Feijão, uma surpresa. O tenente e os dois cabos localizaram, enterrada na lama, uma carregadeira tendo ao volante o corpo de um homem. “Em poucos segundos, o telefone celular tocou dentro da mochila da vítima. Deixamos tocar, não atendemos em sinal de respeito”, recorda-se o cabo Melo.

A partir do momento da convocação, os militares da 2ª Companhia, que inclui pelotões de São João del-Rei, Congonhas e Conselheiro Lafaiete, seguiram para Brumadinho, chegando às 5h do sábado. Nenhum dos três tinha atuado em Mariana, na Região Central do estado, onde ocorreu o rompimento da Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, na tarde de 5 de novembro de 2015, ou em outro episódio semelhante.
Mas nada os intimidou. Rastejaram na lama como guerreiros em luta, “nadaram” como peixes, embora desta vez fora d’água, enfrentaram chuvas torrenciais de granizo e vento forte sem se abater, e muitas vezes se atolaram nos terrenos traiçoeiros deixados pelos rejeitos de minério.

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press - 28/01/19

- Foto: Arte EM

SEM CONTATO Foram muitos os momentos de dificuldade, e outros tantos de extrema delicadeza, mas em nenhum deles os militares choraram. “As famílias estavam ali esperando notícias dos parentes, a sensibilidade intensa, não podíamos deixar a emoção transbordar. Era preciso cuidado e tranquilidade e respeito aos familiares. Também não mantivemos, nesses dias, qualquer contato com a família, esposa, filhos, enfim, ninguém”, afirma o tenente. “É fundamental manter o foco”, acrescenta cabo Márcio.

A convivência com os militares de Israel, que chegaram a Minas para ajudar nas operações, se tornou muito positiva, inclusive no aspecto cultural, destaca o cabo Melo. “Cada vez que um corpo era encontrado, eles ficavam em silêncio alguns instantes, em oração.
Eu só pensava que cada pessoa merecia um enterro digno.” Seguindo o lema “quando o corpo não aguenta, o moral sustenta”, tenente Brück diz que a “zona quente” se traduz também por um campo minado, cheio de perigos e armadilhas. Além de vagões retorcidos e encobertos, há muito vidro quebrado e espinhos. “Os coqueiros ficaram deitados, então os espinhos são enormes. Um deles enfiou na minha perna e, por sorte, consegui tirá-lo inteiro. Além disso, o barro gruda nos cabelos do braço e dói na hora de limpar”, revela.



ROUPAS MOLHADAS 
A missão diária se estendia até quase 22h, quando então os militares se recolhiam ao alojamento coletivo, na escola, para descansar. Cobertos de lama e usando roupas de neoprene, os bombeiros chegavam ao local e recebiam um jato de água para limpar o excesso. Só depois tomavam banho no chuveiro, embora, na madrugada seguinte, tivesse que usar a mesma roupa molhada. “Quando o sol saía, ficava melhor.
Somos acostumados com o fogo, a água e, agora, a lama”, diz o cabo Melo.

No fim da conversa, impossível não falar mais uma fez sobre a foto que viralizou na internet, cobertos de barros, os três militares lembram os guerreiros do exército de terracota de Qin Shi Huang, o primeiro imperador da China. O tenente Brück gosta da comparação, e deixa sua lição sobre Brumadinho. “Não pode haver outro. Quando houve o rompimento em Mariana, pensei: basta. Mariana foi um aviso”, afirma. E vem a pergunta derradeira: O que vocês pensavam no momento de descanso, cobertos de lama? “Sede! Muita sede!”, os três responderam em sincronia.

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press

Comemorações são adiadas


Curiosamente, ao contrário do que os três militares imaginavam, o fim de semana seguinte à tragédia seria de festa em família: enquanto o tenente Brück comemoraria o aniversário do filho caçula em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o cabo Melo já estava soprando, em casa, as 35 velinhas do bolo, em Barbacena, e o cabo Márcio celebraria seis anos de casado em São João del-Rei, no Campo das Vertentes. “Meu aniversário foi naquela sexta-feira, e ainda tive que internar minha mãe no hospital, com pneumonia. Uma correria”, conta o cabo Melo, lembrando, ao lado dos colegas, sem perder o humor, que as comemorações foram adiadas para este fim de semana.

Depois de posar para uma foto com o cabo Bicalho e os sargentos Wellington e Cimino, da 2ª Companhia, Brück, Melo e Márcio se voltam para Brumadinho. Para chegar ao local de buscas, os bombeiros se deslocam em helicópteros e aí começa realmente a prática na lama. “O local é movediço, os pés vão agarrando, então é preciso agir em segurança.
Somos treinados para as missões, então ficamos tranquilos. Na hora, só pensamos mesmo em salvar vidas, mas, para isso, precisamos preservas as nossas”, diz o tenente Brück, que afasta o título de heróis que os bombeiros ganharam da boca do povo desde a tragédia. “Herói é meio pesado, soa como indestrutível. Somos humanos, homens e mulheres que desempenham seu serviço em prol da comunidade.”

Depoimentos



FORÇA

“Nos dias que passei em Brumadinho, senti que a dor das pessoas que perderam seus entes queridos na tragédia nos tornava mais fortes para continuar a missão. Os bombeiros não são heróis... fica parecendo que somos indestrutíveis. Somos humanos, homens e mulheres treinados para fazer o serviço da melhor forma possível, prontos parar salvar vidas e preservar a nossa. Numa situação dessas, sempre penso que podemos localizar alguém vivo, pois, para Deus, nada é impossível. O pior dia em Brumadinho, sem dúvida, foi durante a chuva de granizo e vento muito forte. Parecia que a lama ia nos engolir, mas fomos recolhidos por um helicóptero de São Paulo.
A melhor lição de Brumadinho é que isso não ocorra nunca mais”

Tenente Márcio José Brück, de 43 anos, casado, pai de dois filhos e bombeiro militar há 20 anos


DETERMINAÇÃO

“A cada instante no Córrego do Feijão e outros lugares da chamada ‘zona quente”, pensava na importância de se valorizar a vida. Numa missão como essa, colocamos em prática tudo o que aprendemos, então é fundamental manter a tranquilidade a fim de salvar e resgatar pessoas. É preciso também ter preparo físico, pois tem hora que as pernas afundam na lama, impedindo a locomoção. No dia da partida para Brumadinho, era meu aniversário e, pior, tive que internar minha mãe, no hospital, pois ela estava com pneumonia. Foi uma correria danada e agora está tudo bem. No dia a dia, enfrentamos calor, temporais, lama e espinhos de coqueiro, que penetram na pele e causam muita dor. Não tivemos contato com a família durante os seis dias”

Cabo Heberth José de Melo Afonso, de 35 anos, casado, pai de um casal de filhos e bombeiro militar há 15 anos


VOLUNTÁRIOS

“Uma das lições mais bonitas em Brumadinho está na ação dos voluntários, pessoas da localidade ou que vieram de todo canto para ajudar, da forma que puderem. Acho que esses são os verdadeiros heróis. Sou católico e acho fundamental pensar sempre nas pessoas, pois o mundo precisa mesmo é de mais humanidade. Poder atual numa missão como a de agora aumenta minha fé em Deus. Já no nosso trabalho, tenho certeza de que foco é fundamental para conseguir os objetivos que é tentar encontrar pessoas vivas e resgatar os mortos. Em momento algum, pode bater um desespero, mesmo nos momentos em que temos que rastejar na lama, ‘nadar’ e seguir em frente”

Cabo Márcio Afonso de Miranda, de 33 anos, casado e bombeiro militar há 9 anos.