Brumadinho, Nova Lima, Itabirito e Congonhas – Diante da tragédia que provocou o rompimento da Barragem 1 da Vale em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, moradores das regiões mais afetadas pelo vazamento da lama de minério fazem planos para deixar suas casas, o que pode representar uma debandada nas comunidades próximas ao complexo de mineração.
O desejo de partir de Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira se mistura à decepção de quem já havia colocado imóveis à venda e, agora, percebe que terá ainda mais dificuldade de achar quem os compre. O medo de que a catástrofe se repita leva à mesma decisão de sair de perto das barragens moradores de Nova Lima, também na região metropolitana da capital, e Congonhas, na porção Central do estado.
Os preços de imóveis em Congonhas chegaram a despencar a menos da metade nesses bairros, nos quais a barragem está bem ao alcance dos olhos. Com o cuidado de não se identificar, moradores ouvidos pelo Estado de Minas disseram que, mesmo com a desvalorização imobiliária, faltam interessados na compra. A crise no mercado de imóveis alcança, inclusive, o segmento de médio padrão. Casas avaliadas em R$ 250 mil estão sendo oferecidas por pouco mais de R$ 110 mil, redução de 56%.
Cercado de montanhas e de um verde bucólico, de um lado; e por barragens do complexo Maravilhas, da Vale, de outro, o condomínio de luxo Vale dos Pinhais, em Nova Lima, também passou a enfrentar o dilema da desvalorização imobiliária. Lotes à venda não chamam a atenção de compradores como antes, e os proprietários bem-sucedidos na empreitada se viram forçados a aceitar proposta de compra de lotes de 2.300 metros quadrados com desconto de pelo menos 25% em comparação aos valores pagos no ano passado.
Terrenos ofertados a R$ 180 mil em 2018 foram arrematados nos últimos meses por R$ 135 mil. Em outubro do ano passado, ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu a retirada de moradores dos condomínios Vale dos Pinhais e Estância Alpina, além de outras medidas em favor das comunidades. A justificativa dos promotores é que as famílias não teriam tempo hábil para sair de suas casas em caso de rompimento das barragens do complexo Maravilhas, da Vale.
De 157 lotes do condomínio Vila dos Pinhais, há cerca de 60 casas construídas e em obras, das quais 30 ocupadas por pessoas que vivem no local. A outra parcela é de proprietários que usam os imóveis nos fins de semana. A síndica Maria do Carmo Ferreira diz que os condôminos tentam negociar uma saída. “Temos cinco ou seis casas grudadas nas barragens. Por que a tecnologia não chegou a uma relação mais sustentável da exploração, sem as barragens?”, questiona.
SEM CONDIÇÕES
Em Congonhas, moradores têm medo de se expor e revelam, sob condição de anonimato, já ter visto vizinhos fecharem a casa e ir embora. Caminhando pelas ruas Alfredo Félix Melion e Maria José C. Barbosa, as mais próxima do impressionante maciço riscado por alteamentos (a elevação dos níveis de armazenamento da barragem), já é possível observar imóveis fechados. Uma dona de casa que desde o vazamento de lama em Brumadinho só consegue dormir à custa de remédios conta não ter condições financeiras para deixar o imóvel no qual mora, no Bairro Cristo Rei. “Nem adianta tentar vender. O vizinho da frente está se mudando para cair no aluguel, mas eu não tenho a mesma condição”, afirmou à equipe do EM.
A depender do imóvel e do local, aluguéis de padrão popular em Congonhas estão na faixa de R$ 500 a R$ 800 por mês. Outra moradora da cidade, que se mostra convicta de estar a salvo de uma tragédia como a de Brumadinho e Mariana, confessa: “Não compraria um imóvel aqui”, referindo-se ao Bairro Cristo Rei.
"Acabou a graça do Feijão"
É geral o sentimento de tristeza com a perda da qualidade de vida de que desfrutava a população nos distritos de Brumadinho afetados pela tragédia do vazamento de lama da Vale. O comerciante Odilon Alves, de 61 anos, mora há 10 no Parque da Cachoeira, bairro que acumula a maior quantidade de danos materiais pela passagem dos rejeitos da Mina Córrego do Feijão. Dono de uma loja de material de construção, ele viu as vendas praticamente caírem a zero e agora pretende se mudar para o interior. “Saí de Belo Horizonte em razão da violência e agora, aqui, acabou o sossego. Se aparecer um valor perto do que eu acho que minha casa vale vou esticar para o interior, para resgatar a tranquilidade, que não volta mais”, diz ele, que vive com a esposa e a filha.
Com a casa à venda desde o ano passado, a faxineira Norma Auxiliadora, de 56, já tinha a intenção de sair do Parque da Cachoeira, mas agora o desejo de se mudar o mais rápido possível cresceu. “Depois que estourou a barragem, aí que fiquei mais doida. Minha casa trincou e agora desvalorizou. Perdemos a confiança nisso aqui. Pode haver contaminação, a gente não sabe. Aqui tinha uma lagoa onde a gente pescava e uma cachoeira pequena. Agora está tudo debaixo da lama”, conta ela. Mesmo com a perda do valor, ela quer vender depressa o imóvel. A intenção é seguir para o Norte de Minas, para viver perto da filha.
Em Córrego do Feijão, o sentimento de muita gente é semelhante. O carpinteiro João Edivo da Silva, de 67, diz que desistiu de viver na comunidade. Por isso, pretende vender o terreno de 3 mil metros, que abriga uma casa simples e seria transformado em um sítio. “Acabou a graça do Feijão. Minha mulher desanimou. O cemitério está cheio de corpos de amigos e além disso, muita gente trabalhava na Vale. Como vai ser o futuro?”, indaga João.
Nascida no Córrego do Feijão, Adneia Vieira, de 31, está vendendo a casa que é dela e das irmãs, onde morava a mãe, já falecida. “Antes eu ainda gostava muito de passar o fim de semana. Mas agora, com tudo destruído, eu não tenho nem coragem de ver como ficou. Eu perdi uma sobrinha que trabalhava na Nova Estância (pousada soterrada pela lama) e o padrinho da minha filha. Choro o tempo todo. Não há clima para voltar e não sei se alguém vai querer comprar a casa num lugar desse”, diz ela.
“Minha esposa trabalhava na Nova Estância e saiu ao meio-dia para dar almoço ao nosso filho. Por 28 minutos, ela estaria morta”, diz o técnico em mecânica Maurício Ornelas Novais, de 32. A situação abalou emocionalmente a mulher, que deseja recomeçar a vida longe do Córrego do Feijão. “Nós não temos mais expectativa de vida no Feijão. O psicológico dela está abalado e meu filho, assustado. Trabalho em Itabirito e agora ela não tem emprego. Portanto, pretendo me mudar. Se aparecer uma proposta interessante, vendo a casa”, afirma Maurício Novais.