“É um desespero. Eu tenho 33 anos de macacos, nunca imaginei passar por isso, nunca. De ter na porta alguém mandando eu pegar a bolsa e sair de casa”. A declaração é de Eloísa Cardoso, chef de cozinha proprietária de uma pousada e um restaurante no distrito que pertence a Nova Lima, na Grande BH. Na noite deste sábado, cerca de 200 pessoas precisaram abandonar suas casas após um alerta quanto à estabilidade de uma barragem da Mina Mar Azul, da Vale.
Eloísa afirma que somente os comerciantes de Macacos foram alertados inicialmente. Os moradores com quem ela falou não receberam ligações. “Os moradores são invisíveis. Eles avisaram aos comerciantes porque sabem que o prejuízo maior é dos comerciantes. Morador ali em Macacos é invisível, como foi em Maria e Brumadinho”, declara, comentando que também teme por outros amigos e vizinhos que não deixaram a cidade.
Os moradores já temiam a situação, que foi tema da uma reunião na semana passada. A chef de cozinha diz que, no fim de 2018, as placas dos estabelecimentos de Macacos instaladas ao longo da estrada do distrito foram retiradas pela prefeitura. Ela entrou com uma contestação no Executivo municipal. O motivo da retirada, segundo ela, foi revelado em novembro. “Tivemos uma reunião com a Vale informando que estávamos em área de risco, que implantariam 200 placas. Então elas foram retiradas por isso. Disseram que instalariam uma sirene”, afirmou.
Eloísa foi voluntária em Brumadinho e viu de perto os impactos do desastre. Quando falava com a reportagem do Estado de Minas, aguardava uma pessoa que levaria a medicação para ela. A empresária disse que sua pousada está lotada com reservas para a próxima semana, quando a movimentação do carnaval começa a se intensificar. “Eu não falo por mim como comerciante. Eu fui à casa de um senhor lá que se negou a sair de casa. Eu implorei para ele sair. Eles não avisaram aos moradores”, enfatizou.
“MEU CORAÇÃO ESTÁ DISPARADO” Turistas que estavam no distrito para curtir o fim de semana relataram correria em pousadas no momento do alerta. A estudante Fernanda Gabriela Lima de Faria, de 22 anos, estava desde a sexta-feira em Macacos e teve de deixar às pressas o local após ser informada por funcionária de pousada. “Estava descansando no momento. Na hora, todos apavoraram e o trânsito agarrou. Tinha policiais militares tentando resolver e não conseguiam. Deixamos o carro e subimos para o ponto de apoio”, relatou ao EM. “Estou achando muito perigoso, meu coração está disparado. É uma coisa que a gente nunca imagina pela qual passaria”, desabafou.
O comerciante Paulo Gonçalves de Melo, dono de uma distribuidora de gás e moradorde Macacos há 40 anos, disse que depois do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, a população local começou a ser informada pela Vale sobre eventuais alterações em barragens. “Agora é que eles estão passando para a população uma coisa que estão escondendo há muitos anos: de que existe o perigo”. Ele foi transferido de táxi para um dos hotéis de BH reservados para os moradores. “Minha raiz está aqui, minha família e meus amigos estão aqui e ter de sair de uma hora para outra é triste”, desabafou, emocionado.
VALE Por meio de nota, a Vale confirmou que acionou o nível 2 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), que indica alerta. “A decisão é uma medida preventiva e se dá após a revisão dos dados dos relatórios de análise de empresas especializadas contratadas para assessorar a Vale. Cabe ressaltar que a estrutura está inativa e essa iniciativa tem caráter preventivo”, diz a mineradora.
A Vale afirma que cerca de 200 pessoas serão retiradas das 49 edificações, entre residências e comércio em Macacos, que fica a 25 quilômetros de Belo Horizonte. “As pessoas evacuadas estão sendo acolhidas e registradas no centro comunitário, onde receberão informações adicionais”.
“Foi solicitado pela Defesa Civil de Minas Gerais à Agência Nacional de Mineração (ANM) uma vistoria técnica in loco nas barragens, estando disponível todo o aparato logístico que se fizer necessário para celeridade da ação”, informou a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, por meio de nota enviada nesta noite. “As barragens se encontram com nível de emergência classificado com o grau 2 e, por este motivo, em caráter preventivo e a fim de buscar a redução do risco de desastres no local, está ocorrendo a evacuação da área do mapa de inundação (dam break - possível área de alagamento na hipótese de rompimento das barragens)”, pontua o órgão.
BR-040 FECHADA O Corpo de Bombeiros informou que, por conta da evacuação dos moradores, a entrada do distrito de Macacos pela BR-040 está fechada. Segundo o tenente Pedro Aihara, o objetivo é reduzir o fluxo de entrada na comunidade para diminuir os impactos de uma eventual retirada de emergência ou da própria evacuação. Até as 23h13 não havia previsão para liberação do trecho.
Questionada sobre as afirmações da primeira moradora, a Vale disse que realizou reuniões para apresentar o Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) à comunidade no ano passado. “A última reunião aconteceu em 28 de novembro, com cerca de 60 membros da comunidade, onde foram apresentados os locais de instalação das sirenes e discutidas as rotas de fuga”, disse a Vale. “O simulado a ser realizado pela Defesa Civil Estadual e pela Defesa Civil de Nova Lima, com apoio e participação da Vale, estava previsto para junho deste ano”, informou. A empresa não respondeu a questão sobre a retirada das placas.