A necessidade de evacuação de mais 125 pessoas em Nova Lima, na Grande BH, e em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, pelo risco associado a barragens da mineradora Vale levou o estado ao cenário de quase 1.200 pessoas retiradas de suas casas, seja pela destruição das moradias pela passagem de onda de lama, como ocorreu em Brumadinho, seja pelo risco de novo tsunami de rejeitos varrer zonas consideradas vulneráveis em outras localidades. Desde que a avalanche de sedimentos devastou uma área rural ao longo do Córrego do Feijão e alcançou o Rio Paraopeba, matando 171 pessoas e deixando outras 139 desaparecidas, a Vale chegou ontem ao número de sete barragens em que o fator de segurança aumentou de 1 para 2, exigindo a evacuação imediata de quem vive na chamada zona de autossalvamento – área em que as pessoas precisariam escapar por conta própria em caso de desastre, já que não há tempo para ação do poder público.
E a mancha do risco, que já afetou as cidades de Barão de Cocais, Nova Lima (em dois pontos) e Ouro Preto, que sediam estruturas da Vale, e Itatiaiuçu, onde há um complexo da ArcelorMittal, pode continuar se expandindo. Ontem, a Coordenadoria de Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec) informou que a aceleração do processo de descomissionamento de represas levou a Vale a alterar o fator de segurança nos casos mais recentes de Nova Lima e Ouro Preto. E acrescentou que vistorias estão sendo feitas por seus técnicos em todas as barragens de montante – método mais barato e arriscado – que serão descomissionadas no estado. A Cedec adianta que haverá evacuação nas vizinhanças dessas estruturas sempre que algum risco for detectado. Ao todo, o estado tem 50 barramentos desse tipo, o mesmo dos que se romperam em Mariana e Brumadinho, e todos serão desmontados. Eles se distribuem por 16 cidades, com a maioria concentrada em Ouro Preto (veja quadro).
Ontem, nessa última cidade, 25 pessoas moradoras de uma zona rural a 15 quilômetros da comunidade de Engenheiro Correia e na rota de eventual onda de rompimento de quatro barragens já tiveram que abandonar suas moradias. Em Nova Lima, 100 moradores de áreas de risco associadas à Barragem de Vargem Grande também tiveram que deixar suas casas. “Para que isso (o descomissionamento das barragens) aconteça de forma segura, (houve) a necessidade de retirar essas pessoas, que poderiam sofrer algum tipo de dano em caso de rompimento”, disse o tenente-coronel Flávio Godinho, da Cedec, com base em explicação da Vale. O representante da Defesa Civil também destacou que só a mineradora detém informações sobre possíveis novas retiradas de pessoas em virtude de alteração no fator de risco de outras represas de rejeitos, e por isso não apontou mais locais onde evacuações podem ocorrer.
A própria Vale informou, em 29 de janeiro, que paralisaria as atividades em uma série de locais para descomissionar 10 barragens com alteamento a montante que já não recebiam rejeitos, como é o caso da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. Porém, em resolução conjunta publicada em 30 de janeiro, o governo de Minas anunciou o descomissionamento de 50 barragens de mineração com alteamento a montante, sendo 19 delas estruturas da mineradora Vale. A partir dessa lista, ainda restam estruturas da empresa nas cidades de Itabira (8), Ouro Preto (1), Rio Acima (1) e Mariana (2). O prazo dado para a reintegração da área dessas estruturas à natureza termina em janeiro de 2021.
DESENCONTRO E PROTESTOS Ontem, a Vale chegou a anunciar uma entrevista coletiva às 11h, para explicar as novas evacuações, que começaram a retirar mais 125 pessoas de suas casas. Momentos depois, adiou em uma hora o início do encontro com a imprensa, e depois o desmarcou, sob argumento de que um diretor da mineradora estava ocupado vistoriando as áreas de retirada de famílias. Segundo o tenente-coronel Flávio Godinho, ontem a empresa desenvolveu uma ação diferente da que ocorreu, por exemplo, nas remoções de 215 pessoas no distrito de São Sebastião das Águas Claras, conhecido como Macacos, em Nova Lima. Lá, sirenes foram tocadas no último sábado à noite, deixando moradores desorientados e sem saber qual atitude tomar. Ontem o aviso foi dado antes, seguido de um anúncio de que as sirenes tocariam às 16h, marcando o prazo-limite para a saída das famílias.
Esse cenário de remoção de moradores de suas casas motivou protesto de cerca de 70 habitantes de Macacos, no início da manhã de ontem. Os manifestantes bloquearam a entrada da Mina Mar Azul e também impediram a saída de trabalhadores da Mina Capão Xavier, na rodovia AMG-160, às margens da BR-040, principal acesso para o distrito. Mães de alunos da Escola Municipal Rubem Costa disseram que não têm tranquilidade para deixar seus filhos estudarem na instituição de ensino, diante do temor de rompimento da Barragem B3/B4.
A arquiteta Vera Lúcia Rodrigues, de 32 anos, era uma dos que cobravam esclarecimentos. “Precisamos que a Vale converse com a comunidade e nos dê informações sobre o tamanho do risco. Não queremos nossos filhos em um lugar onde eles possam ser vítimas de uma tragédia”, diz ela. A secretária de Educação de Nova Lima, Viviane Matos, e o coordenador da Defesa Civil da cidade, Marcelo Santana, garantiram aos pais que não há risco na instituição, conforme laudos que indicam o tamanho da mancha de inundação da Barragem B3/B4 e também atestados de estabilidade de outras barragens. Moradores montaram uma comissão de seis pessoas para conversar com a mineradora e ouviram da Vale a promessa de um encontro no centro comunitário de Macacos, hoje, às 14h.