Jornal Estado de Minas

Casa de JK, em Diamantina, fecha as portas por problemas financeiros

"Minha sogra estudou aqui em Diamantina, quando jovem, e disse que não poderíamos deixar de vir" - Mário Dias, engenheiro, de Uberlândia, com a mulher, Vanessa Amorim, e os filhos Guilherme e Mariana - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 22/1/19

Diamantina – Grande perda para a cultura de Minas, a memória do país e o lazer de moradores e visitantes. Depois de 35 anos em funcionamento, a Casa de Juscelino, no Centro Histórico de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, vai fechar as portas amanhã. O imóvel histórico guarda parte da história de Juscelino Kubitschek (1902-1976), ex- presidente do Brasil (1956-1961), ex-governador do estado (1951-1955) e ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945). “A situação aqui está crítica. Funcionamos a duras penas. Além do atraso no repasse de verbas pelo governo do estado, tivemos o nome bloqueado no Sistema Integrado de Administração Financeira de Minas Gerias (Siafi), pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC), o que nos impede de receber verbas de convênios”, lamenta Serafim Jardim, presidente da entidade sem fins lucrativos que administra o monumento, localizado na Rua São Francisco, 241, no Centro Histórico da cidade, reconhecida como patrimônio da humanidade.

Declarando-se sem alternativas, Jardim ajuizou, no mês passado, ação na Vara da Fazenda Pública Estadual da comarca de Belo Horizonte, para que fosse determinado o desbloqueio da Casa de Juscelino, construção de mais de 150 anos com muito para se ver e curtir no museu, biblioteca, bar e praça de eventos. “Os prejuízos são grandes, estamos numa luta de décadas. Temos um projeto aprovado pela Lei Rouanet para manter o funcionamento, mas não podemos receber os recursos devido a essa situação”, afirma, com indignação, o homem que foi amigo de JK durante 9 anos, desde o retorno do ex-presidente do exílio na Europa, e sempre orgulhoso da intimidade com o conterrâneo ilustre.
“Alguns até me chamavam de ‘secretário’”, lembra o autor do livro Juscelino Kubitschek – Onde está a verdade?, sobre a morte misteriosa do presidente, num acidente de carro na Via Dutra, em Resende (RJ), em 22 de agosto de 1976.

O movimento no casarão sempre foi constante e o entra e sai de turistas no equipamento cultural prestes a fechar deixa Jardim, de 84 anos, com uma ponta de satisfação em meio à decepção com as autoridades. “Em janeiro, recebemos cerca de 1 mil visitantes. Só numa manhã, foram mais de 50 pessoas”, revela, com a certeza de quem cuida de um patrimônio único. “A Casa de Juscelino exerce a função pública de manter íntegro e preservado o rico acervo sobre a vida de JK, a quem Minas e o Brasil devem tanto. Nesse sentido, as leis estaduais reconhecem isso por meio do financiamento público da instituição, que é uma sociedade civil sem fins lucrativos.”



De posse de uma série de documentos, o conterrâneo de JK relata os problemas que se agravaram a partir de 2013, culminando em 2017, quando o governo estadual ficou 22 meses sem fazer os repasses de verbas, no valor anual de R$ 140 mil. A SEC celebra o Termo de Fomento com inúmeras casas culturais, institutos e museus em Minas, e um desses compromissos se refere à instituição em Diamantina. Para evitar o pior, ele pediu ajuda ao vice-governador, Paulo Brant, “natural de Diamantina pela mercê de Deus”.
No dia 15, Brant visitou a Casa de Juscelino e pediu a Serafim para procurar o recém-nomeado secretário de Estado da Cultura, Marcelo Matte – o que foi feito, embora ainda sem resposta.

“O atraso gerou a quebra do fluxo de caixa, sendo que, no ano passado, ao serem liberados os recursos, não foi possível seguir nosso plano de trabalho”, revela Jardim. Diante da alegação do governo anterior de que havia pendências na prestação de contas de 2012, ele se defende: “Houve uma indevida análise extemporânea da prestação de contas, mas foi esclarecida. Por isso, essa questão foi objeto de processo judicial, a fim de resgatar a capacidade da Casa de Juscelino, para receber recursos públicos indispensáveis para a função relevante que, a duras penas, executa”.

QUARTO DO PRESIDENTE Pintada de branco, com janelas e portas azuis, aonde se chega subindo uma ladeira pavimentada com pedras capistranas, típicas de Diamantina, a Casa de Juscelino está bem conservada. E sempre em movimento, com grupos de seresta se apresentando no interior e na calçada. Para abrigar todo o acervo, está dividida em duas partes, interligadas pela Praça Seresteiro Boanerges Meira. Nesse espaço, fica uma jabuticabeira, na qual o menino Nonô, apelido de infância de JK, se deliciava com a fruta preferida. Com o tempo, a árvore morreu e, para não ficar na saudade, Jardim decidiu conservar o tronco, o qual foi envernizado, em vez de substituí-la por outra. Ficou parecendo uma escultura.

Serafim explica que JK nasceu na Rua Direita, 106, e morou na casa que hoje leva seu nome dos 3 anos aos 19.
Para Jardim, preservar a casa é mais do que uma missão, pois, 13 dias antes de morrer, JK lhe pediu que comprasse o imóvel, então em poder de uma família, e zelasse por ele. O visitante pode ver o pequeno quarto onde JK dormia na infância e uma foto de quando ele, já adulto, a revisitou e sentou na cama. Na parede, foi instalado um quadro com uma frase pinçada de seus escritos: “Meu quarto era acanhado. Não comportava mais que a cama, uma minúscula mesa, feita em caixote, com a respectiva cadeira arranjada não sei onde. E aí, de fato, às seis horas da manhã, eu começava a estudar”.

Perto dali, há um armário, sem um prego, só com encaixes, doado pela ex-primeira dama Sarah Kubitschek (1909-1996) e feito pelo bisavô de JK, o marceneiro Jan Nepomusky Kubitschek, conhecido como João Alemão e natural da região da Boêmia, na República Tcheca. Em outras partes da residência há, nas paredes, desenhos a lápis, do arquiteto modernista e urbanista Lúcio Costa (1902-1998), datados de 1924, e outros com esboços de Brasília. Chamam a atenção o belo retrato da mãe, a professora Júlia Kubitschek (1873-1971) e a cozinha com o fogão a lenha e utensílios domésticos. “As pessoas entram no quarto de Juscelino e ficam muito tempo sentadas na cama. Algumas ficam comovidas”, conta Jardim. No casarão, trabalham cinco funcionários, e o pagamento em dia eleva as preocupações de Serafim, “e, muitas vezes, não tive como pagá-los, sendo obrigado a fazer vales”.
Impossível não destacar a importância do monumento.
Um giro pela casa permite descobertas. No anexo, nos fundos, construído em 1994, está o primeiro consultório de JK, formado na Faculdade de Medicina da UFMG em 1927, na capital. Num canto, um aparelho de anestesia, de 1930, doado por um particular de São Paulo; no outro, o equipamento para eletrocardiograma, do mesmo ano; e, pendurado, um jaleco branco. Na sala ao lado, estudantes e pesquisadores têm espaço para estudar em obras doadas pela ex-primeira-dama.

Na biblioteca, pode ser visto ainda um retrato de JK, a óleo, pintado por Di Cavalcanti (1897-1976), que apresenta uma curiosidade. “A obra foi feita em 1952, quando Juscelino ainda era governador de Minas. Mas ele já traz, no peito, a faixa de presidente da República, o que soa como premonição”, diz Jardim. O quadro foi doado à instituição em 2001 pelos irmãos Walduck Wanderley e Saulo Wanderley e por Sinval de Moraes.

NOTAS ESCOLARES De férias, o designer Wagner Campelo, morador do Rio de Janeiro, diz que gosta de conhecer as cidades coloniais mineiras e elogiou a preservação do imóvel. “É muita boa a disposição dos ambientes, um patrimônio a ser mantido.” Na volta da viagem a Porto Seguro (BA) para Uberlândia, na região do Triângulo, uma família fez questão de percorrer com bastante calma a Casa de Juscelino. “Minha sogra estudou aqui em Diamantina, quando jovem, e disse que não poderíamos deixar de vir”, revelou Mário Dias Maurício Neto, engenheiro civil, ao lado da mulher, Vanessa Amorim Maurício, e dos filhos Guilherme, de 14, e Mariana, de 8.

Curiosos, Guilherme e Mariana se surpreenderam diante da vitrine com as notas escolares do menino Nonô. “Olha só o que eles estão olhando: as notas baixas de Juscelino”, brincou Vanessa, lembrando que essa parte não era exemplo para estudantes.
Perto dali, Serafim explicou que se tratava de uma prova de álgebra. Vanessa contou que a mãe dela, Maria do Carmo Amorim, costumava se sentar com os colegas na porta do casarão e cantar. “Ela fala sempre com muito carinho desta cidade.”

Em resposta, a assessoria da vice-governadoria informa que “em 2014, 2015 e 2016 foram assinados outros instrumentos jurídicos e efetuados os repasses, sendo que se encontra vigente o termo de fomento referente ao período de 2017/2018 até 22/3/2019”.

AMEAÇAS À CULTURA A ameaça de fechamento de museus mineiros – primeiro o de Cabangu, em Santos Dumont, na Zona da Mata, e agora o de Sant’Ana, em Tiradentes, no Campo das Vertentes, e o do Oratório, em Ouro Preto, na Região Central – aumentou a preocupação na Casa de Juscelino, no Centro Histórico de Dimantina, no Vale do Jequitinhonha. Mantido por três instituições – Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), Fundação Casa de Cabangu e Prefeitura de Santos Dumont, o Museu de Cabangu ficou dois dias fechado, voltando a funcionar em 16 de janeiro. Em nota, a prefeitura, que mantém convênio para pagamento de subvenção mensal de R$ 12,6 mil, informa que foram feitos os repasses no valor de R$ 50,4 mil e depois de R$ 38,2 mil. E mais: existe a possibilidade de inclusão do Instituto Federal (Ifet) de Santos Dumont no próximo convênio, por oferecer cursos de turismo e história, elaborar projetos e explorar o museu para melhor comodidade dos visitantes. Na antiga Fazenda Cabangu nasceu Santos Dumont (1873-1932), chamado de Pai da Aviação.

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