"Assim não vale. Transformar a vida em lama e fazer com que ela se espalhe". O trecho do samba criado pelo compositor Rodrigo Soares, morador do condomínio Pasárgada, em Nova Lima, entoou a manifestação dos moradores do distrito de Macacos, na mesma cidade, realizada ontem. A mobilização teve como objetivo demonstrar a união de São Sebastião das Águas Claras em meio à evacuação de 215 pessoas no último dia 16, quando sirenes tocaram diante da ameaça de rompimento da Barragem B3/B4 do complexo Mar Azul, da Vale, situada no mesmo município.
Na tarde de ontem, a comunidade local se reuniu na Capela de São Sebastião em um abraço solidário a toda São Sebastião das Águas Claras, principalmente aqueles que foram retirados de suas casas. "Queremos dizer que a vida aqui continua. As pessoas estão vivas e a gente é uma comunidade unida. Não queremos convocar enormes massas para vir pra cá, mas sim para dar uma demonstração de vida. Vamos chamar atenção para nossa causa de maneira pacífica e com muita alegria", diz o presidente da associação comunitária de Macacos, o músico Raul Franco, de 36 anos.
Na mesma linha, a captadora de clientes Lílian Miranda Costa, de 43, destacou que a convocação para a mobilização tem o objetivo de acolher a comunidade. “A gente precisa se unir e se fortalecer, porque todos se sentem muito afetados com os crimes de Brumadinho e Mariana. Ontem (sexta-feira). A gente conseguiu uma vitória na Assembleia, com a aprovação do Projeto de Lei. Este PL desarma uma bomba atômica que já está armada há muito tempo”, salienta.
A iniciativa também contou com uma passeata de moradores do Bairro Capela Velha. O ato aconteceu devido à evacuação de uma escola da localidade e reuniu diversas mães preocupadas com a transferência das crianças para uma unidade de ensino improvisada, nas proximidades da Igreja do Santo Daime, ainda em Macacos. “Para ir à escola, eles vão tem que passar pela área de risco, dentro da mancha vermelha (informada nos mapas da Vale). Então, a gente sugeriu essa caminhada, porque não conhecemos o trajeto. Queremos saber as condições de segurança para as crianças”, explica Mislânia Coelho, de 47 anos, avó e tia de menores prejudicados pela mudança. Passeata de mães e responsáveis até a escola provisória nas proximidades da Igreja Santo Daime - Foto: Gabriel Ronan/EM/D.A Press
Além disso, o dia teve uma roda de contação de histórias ministrada pela professora e escritora Vanessa Corrêa. Crianças da região ficaram espalhadas sobre lençóis no gramado da Capela de São Sebastião, onde coloriram desenhos, brincaram de bola e ouviram as narrativas ministradas por Vanessa. “Eu moro em Belo Horizonte e recebi um convite para contar histórias aqui, por causa do evento de semana passada. Eu logo disse: 'claro, eu preciso'. A história mexe com as emoções e os sentimentos. Cultura é tudo”, afirma.
Comércio
Apesar de a mobilização desta tarde não ter objetivo de incentivar o consumo em Macacos, comerciantes locais continuam reclamando do quanto o movimento caiu desde a ação preventiva da Vale e da Defesa Civil. Dono de uma pousada local, Ronaldo Rodrigues, 52, foi o responsável por hospedar parte dos evacuados. "O movimento esperado para o carnaval, infelizmente, acabou. A gente quer mostrar para toda a população de BH e do Brasil que não existe perigo em Macacos. Se houvesse, os órgãos públicos não estariam aqui, eu não estaria aqui e a própria Vale não estaria aqui. Continuamos nossas atividades", ressalta.
Filhos dos proprietários do restaurante Ninho da Coruja, em Macacos, Breno Batista deposita a queda das vendas nas notícias falsas. "Em Belo Horizonte, tem gente dizendo para não vir pra Macacos, se não quiser morrer. Não tem nada disso. Vocês (imprensa) precisam nos ajudar a divulgar que a situação continua a mesma aqui", conta.
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