Além de todas as marcas visíveis e físicas deixadas pela tragédia, moradores de Mariana e Brumadinho enfrentam um drama menos aparente, mas que os marcará pela vida. Carga pesada demais, especialmente para crianças e adolescentes. O acompanhamento das famílias atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão, há três anos, é feito pela Rede de Atenção Psicossocial de Mariana. Em janeiro de 2016, foi criada a equipe Conviver para atender às especificidades das demandas, com a população tendo acesso a um grupo multiprofissional formado por terapeutas ocupacionais, psicólogas, assistente social, arteterapeuta e psiquiatra.
Marcela Alves de Lima Santos, referência técnica da Rede de Atenção Psicossocial, afirma que as crianças e adolescentes atingidos viveram alterações importantes dos modos de vida, sensação de pertencimento e território. “Além das perdas, houve o deslocamento forçado dos distritos rurais para a área urbana da cidade. Famílias foram hospedadas em casas de aluguel em diferentes bairros da cidade, se distanciando das redes de suporte afetivo, familiares e de amizades. Esse distanciamento ocasionou situações de isolamento, alteração no brincar e limitou os encontros e a liberdade que vivenciavam na área rural”, avalia.
Especificamente para os adolescentes, Marcela Santos alerta que “ocorreu distanciamento ainda mais importante entre os pares na área urbana, especialmente após a entrada para o ensino médio, quando precisaram se matricular em diferentes escolas na sede urbana do município, afastando-se das redes de amigos. Alguns preferiram retornar às escolas nos distritos rurais para manter os elos de amizade”.
Marcela Santos explica que a maioria dos atendimentos a esse público ocorre em unidade básica de saúde específica, criada para atender a população atingida, com apoio da equipe multiprofissional de saúde mental, que faz buscas ativas e atendimentos domiciliares junto às agentes comunitárias de saúde e grupos terapêuticos. Apenas os casos mais graves são encaminhados para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi).
INTERVENÇÕES Maíra de Almeida Carvalho, referência técnica da equipe Conviver, afirma que as intervenções ocorrem em atendimentos individuais na unidade básica, no contato com as famílias por meio de visitas domiciliares, acompanhamentos nas escolas municipais ou no referenciamento da equipe e discussões de casos nas escolas, bem como intervenções terapêuticas coletivas em espaços públicos da cidade. “É importante que crianças e adolescentes tenham uma rede de proteção e suporte social, envolvendo familiares, sociedade e poder público. No caso de familiares e amigos, é necessário construir ambientes em que a criança ou adolescente sinta acolhimento e proteção, onde possa conversar e expressar seus sentimentos e ideias”.
Outro obstáculo na vida das crianças e adolescentes de Mariana, alerta Marcela Santos, é que com o rompimento da barragem da Vale m Brumadinho, elas revivem a tragédia do Fundão. Por isso, ela enfatiza, a saúde mental do município está atenta às questões que podem ser novamente enfrentadas pelos atingidos em Mariana. “A equipe tem intensificado as buscas ativas e a realização de atendimentos para acolher os atingidos diante dessa nova demanda. Cada desastre é vivido dentro de um contexto, seja pela análise a partir do número de mortes, do impacto social, patrimonial e ambiental ou pela estrutura de cada município. A experiência em Mariana mostra a importância da intervenção e atuação constante do poder público em seus diferentes setores e esferas. Os atingidos precisam de atenção, cuidado, apoio e garantia de acompanhamento, seja para elaboração de luto, para reconstrução de suas vidas ou para a garantia de direitos.”
Apoio indispensável
Desenvolvida em 2001 após os ataques terroristas de 11 de setembro em Nova York, nos EUA, a cartilha Suporte a crianças após traumas, catástrofes e morte – Guia para pais e profissionais foi produzida pelo corpo docente e funcionários do Centro de Estudos Infantis da Universidade de Nova York, e, entre outras conclusões e diretrizes, comprovou que crianças, quando submetidas a um estresse emocional, normalmente se voltam para adultos ou seus pais em busca de apoio. A evolução dos pequenos é muito afetada pelo modo como suas referências reagem antes, durante e depois de um desastre como o de Mariana ou o de Brumadinho. Os problemas monetários, o realojamento e as relações sociais podem retardar a recuperação e a retomada de comportamentos apropriados para lidar com a situação. Confira formas de ajudar:
1 – Mantenha as rotinas e as atividades habituais
A criança consegue lidar melhor com situações traumáticas quando se sente em um ambiente seguro e previsível. Manter rotinas e as atividades normais, sempre que possível, é muito importante. No caso de realojamento ou de mudança de local, estabeleça uma rotina temporária e tente programar atividades extracurriculares. Contudo, para as tarefas domésticas e para os resultados escolares, as expectativas devem ser redefinidas durante o período de readaptação e de recuperação.
2 – Peça às crianças para ajudar
Dar às crianças a oportunidade de ajudarem auxilia para que elas construam seu sentido de eficácia e controle durante períodos de estresse. Peça ajuda em casa e na comunidade. Contudo, não se esqueça de ter em conta a idade, a maturidade e o desenvolvimento emocional ao estabelecer tarefas.
3 – Forneça informação clara
Fale com a criança clara e diretamente sobre o desastre, usando linguagem que ela possa entender. Seja verdadeiro, mas tenha sempre em conta a adequação à idade. Não deixe que a criança forme uma ideia distorcida sobre o episódio, baseada, por exemplo, naquilo que ouviu de outras pessoas.
4 – Seja paciente
Durante a fase de estresse, a paciência em adultos e crianças é muitas vezes posta à prova. É muito importante que pais e educadores sejam pacientes com as crianças numa situação de desastre. As crianças precisam que adultos lhes transmitam segurança em períodos de estresse e ansiedade e permanecerão calmas e seguras se sentirem atitudes de controle
sobre a situação.
5 – Limite a exposição midiática depois do desastre
Depois de um desastre, tanto adultos quanto crianças podem se sentir ansiosos, assustados e vulneráveis. Para os que perderam casas e parentes ou amigos, a recuperação pode ser lenta. É especialmente importante controlar a exposição à mídia. A criança pode voltar a sentir ansiedade se exposta a imagens dos acontecimentos. Além disso, a recuperação psicológica poderá sofrer se for confrontada com imagens de pessoas feridas ou diretamente afetadas pela catástrofe.
6 – Ajude a criança a se adaptar
Algumas sugestões incluem encorajar a criança a procurar um novo hobby/passatempo e a empenhar-se em atividades agradáveis, incentivá-la a se socializar com seu grupo e ajudar outros por meio do voluntariado. Procure ajuda profissional se uma criança tiver dificuldades em se recuperar. Pais e educadores devem prestar atenção aos sentimentos, emoções e comportamentos dos pequenos. Se uma criança não é capaz de, lentamente, ir se adaptando e recuperando nas suas atividades diárias, deve receber auxílio de profissional.