Ernando Luiz de Almeida - bombeiro hidráulico que escapou da tragédia
Foram quatro anos trabalhando num sítio do Córrego do Feijão. Por causa do serviço bem-feito, mesmo depois de se tornar funcionário da Prefeitura de Brumadinho e responsável pelo sistema de abastecimento da comunidade, os donos da propriedade continuaram contando com o bombeiro hidráulico Ernando Luiz de Almeida, de 50 anos. Depois do expediente ou nos fins de semana, era ele a cuidar do lugar. No dia 25 de janeiro, precisou ir lá mais cedo, porque a casa estava sem água. Pensou se tratar de entupimento no filtro. O barulho começou de repente, de caminhão tombado na estrada, pensou. De repente, viu apenas a escuridão, acompanhada de ventania. Como num filme, paus e pedras rolavam, árvores de grande porte se revolviam.
INÍCIO DO PESADELO
Foi Deus. Foi Ele que me tirou. Tinha saído na sexta-feira para trabalhar, quando uma pessoa do Córrego (do Feijão) me ligou dizendo que estava sem água. Ele havia me ligado no dia anterior, eu conferi o sistema da rua, estava tudo normal. Resolvi que ia filmar para mostrar a ele. Passei em casa antes, onde estavam minha filha, de 14 anos, e minha esposa. Minha menina me falou que a dona do sítio (a advogada e secretária municipal de Desenvolvimento Social de Brumadinho, Sirlei de Brito Rodrigues, uma das vítimas da tragédia, dona da propriedade com o marido, Edson Luiz Albanez), estava ligando, porque também estava sem água. Não tinha lógica, pois o sistema estava normal.
CORRIDA
Gritei para a Sirley e para a Lita, a empregada, saírem correndo, porque era terremoto.
MORRO ACIMA
Saímos no portão e uma árvore caiu em cima da Lita, que foi para o chão, arrastou os joelhos e se machucou toda. Da minha cabeça, não saía que eu ia morrer. Saímos e pegamos a estrada no sentido da Santinha/Serradão. Minha intenção era correr morro acima, pois com água é assim. Fogo é que se foge morro abaixo. Encontramos um cara num carro, meio dormindo, perguntando o que estava acontecendo. Eu entrei de um lado, Lita de outro, falei para ele subir. Nunca passou por mim que era barragem. Achei que fosse terremoto. A lama gastou de cinco a 10 minutos para dar a volta e fechar tudo embaixo.
DEVASTAÇÃO
Quando chegamos em cima, era um desespero total. Falaram para esperar o resgate. Eu só queria voltar para casa. Um segurança falou que eu não podia entrar na área da Vale. Disse a ele que uma coisa era ele falar, outra, era me impedir. Oito pessoas vieram comigo, mas começaram a ‘molengar’, então, deixei todo mundo para trás. Cortei tudo a pé e, só então, pude de fato ver o que tinha acontecido. Na hora, pensei que a Sirlei tinha se salvado e pensei nas minhas filhas de 6, 14 e 25 anos e na minha mulher. Cheguei à instalação de tratamento de minério, pedi uma caminhonete, falaram que dali ninguém entrava, ninguém saía. Então continuei caminhando.
REENCONTRO
Às 16h, saí na rua principal. Meus cunhados e meu genro estavam doidos, achando que eu estava debaixo da lama. Fui para Casa Branca com minha família. Voltei mais tarde e fiquei trabalhando no restabelecimento de água da comunidade até as 3h.
SOLIDÃO
Fui para casa sozinho, sem luz, tomar banho frio e pensar onde eu estava e como saí dali. Não consegui dormir nem comer. Minha família voltou uma semana depois. Às 6h30, voltei para a rua, para continuar mexendo na água e só parei no dia 12. Se parar, é pior. Do que a Vale matou e deixou vivo, está todo mundo sofrendo por causa dela. Gente que perdeu parente, amigos, está com a casa destruída ou debaixo da lama. E ainda acha lei que cobre os erros dela. Isso é o que mais machuca. Se eu viver mais 40 anos, serão mais 40 anos de sofrimento. .