A lama de rejeito que vazou da barragem B1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, provocou um rastro de destruição ao longo do Rio Paraopeba, elevando o nível de metais pesados na água do manancial, que ficou imprópria para o consumo. É o que aponta o relatório daexpedição da Fundação SOS Mata Atlântica, que percorreu 2 mil quilômetros de estrada, ao longo de 21 municípios, para analisar a qualidade da água em 305 quilômetros do rio afetados pelo rompimento da Vale, logo após a tragédia, ocorrida em 25 de janeiro. Até ontem, 180 corpos já haviam sido resgatados e 130 pessoas continuavam desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros.
Os técnicos e especialistas da organização não governamental (ONG) realizaram a expedição no período de 31 de janeiro a 9 de fevereiro, quando percorreram a extensão do Paraopeba que vai desde o Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, até a Usina de Retiro Baixo, em Felixlândia. Os resultados do levantamento serão apresentados na manhã de hoje, na Câmara dos Deputados (Auditório Nereu Ramos), em Brasília.
“A lama de rejeitos de minério e contaminantes mudou drasticamente a geografia e a paisagem na região do Alto Paraopeba. Enterrou nascentes e cursos d’água, ceifou vidas humanas, fauna e flora, devastou florestas nativas da mata atlântica e a vegetação natural e tingiu de cor de sangue um dos mais importantes mananciais da Grande BH, formador da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, diz o documento.
Os participantes da expedição lembram que “a região do Alto Paraopeba, estratégica para a manutenção dos recursos hídricos da bacia e do Rio São Francisco, foi justamente a mais impactada com o despejo de 14 milhões (na verdade, 13 milhões) de toneladas de rejeitos de minério sobre as áreas”.
RIO MORTO O relatório aponta que no trecho inicial da expedição pelo Rio Paraopeba, entre os municípios de Brumadinho e São Joaquim de Bicas, “a turbidez era extremamente elevada e os baixos níveis de oxigênio dissolvido medidos na coluna d’água, a partir de dois metros de profundidade, ultrapassaram limites definidos na legislação nacional e internacional para qualidade da água”. Nesse trecho, “pode-se dizer que o rio se encontrava morto, sem condição de vida aquática” constatam os especialistas.
Segundo os integrantes da expedição, a grande quantidade de sólidos em suspensão, a turbidez e a cor intensa da água no trecho “deixaram o rio semelhante a uma massa de bolo de chocolate – como os moradores ribeirinhos descreveram – e impediram que parâmetros físicos, químicos e biológicos fossem medidos em cinco campos de coleta nos municípios de Brumadinho, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Betim. Eles relatam ainda o registro de peixes e animais mortos na região e prejuízos aos índios pataxós no município de São Joaquim de Bicas.
“Esperamos com este relatório contribuir para o aprimoramento de políticas públicas no sentido de evitar que eventos trágicos como esse se repitam, tendo como base o fortalecimento do arcabouço legal e institucional brasileiro, com participação da sociedade na tomada de decisões” afirma Malu Ribeiro, especialista em recursos hídricos dafundação.
METAIS O documento da expedição revela ainda concentração metais no Rio Paraopeba bem acima dos níveis permitidos. Em alguns pontos, foi verificada a presença de mais de 4 mg/l de cobre, enquanto o limite permitido é 0,009 mg/l. O manganês, cujo limite é de 0,1mg/l, chegou a até 3 mg/l em alguns locais. Já a concentração de ferro, em diversos pontos, passou de 6mg/l. O teto é de 0,3mg/l.
Os metais pesados podem provocar diversos danos à saúde humana. Náuseas e vômitos podem ocorrer após consumo livre de cobre, mesmo em pequenas quantidades. A ingestão de manganês pode levar a rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza.
“Os metais presentes na água nessas quantidades são nocivos ao ambiente, à saúde humana, à fauna, aos peixes e aos organismos vivos. Eles são reconhecidamente poluentes severos e podem causar diversos danos aos organismos, desde interferências no metabolismo e doenças, até efeitos mutagênicos e morte“, afirma Marta Marcondes, professora e coordenadora do Laboratório de Análise Ambiental do Projeto Índice de Poluentes Hídricos (IPH), Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).