“Desde o momento em que tocou a sirene, Macacos virou uma cidade-fantasma.” A frase do dono de pousada David Fajardo, de 40 anos, resume bem a situação da população que mora e vive do comércio em São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima popularmente conhecido como Macacos, que amarga a incerteza e a angústia desde que a Vale acionou as sirenes da Barragem B3/B4, indicando a necessidade de saída imediata de cerca de 315 pessoas de suas casas.
Se de um lado o transtorno atingiu em cheio os moradores obrigados a deixar a chamada zona de autossalvamento, aquela onde o risco é mais crítico, de outro as informações sobre risco de rompimento do reservatório de rejeitos de minério fizeram com que turistas desaparecessem, cancelando hospedagens e esvaziando restaurantes. A situação gerou uma mobilização de moradores e comerciantes, que pedem socorro e tentam se envolver no maior número possível de frentes para cobrar o resgate da situação anterior ao alarme seguido de evacuação.
Nesse contexto de busca por ajuda de qualquer frente possível, a peregrinação de moradores e comerciantes ontem começou com o encontro com defensores públicos de Minas Gerais. Donos de negócios no vilarejo pediram ajuda para cobrar da Vale uma solução que traga de volta o turismo aquecido na região. “A gente não via esse cenário (de fuga de turistas) desde 2001, quando sofremos com o rompimento da Mineração Rio Verde, que interditou nossa estrada por muito tempo. Na época teve comerciante que quebrou, muita gente foi mandada embora e a comunidade custou a se levantar de novo. Agora, por causa de uma sirene Macacos morreu”, acrescenta David Fajardo.
''Desde o dia 16 a sirene tocou e a parte do turismo acabou. A gente não está tendo público em Macacos. As pessoas estão com medo. Tem comércio de amigos nossos que está fechado, e eu mesma tive que dispensar dois funcionários''
Geruza França Brasileiro, 37 anos, comerciante
Ele tem uma pousada com dois chalés, que renderiam R$ 4 mil de pacotes para o carnaval, mas as duas reservas foram canceladas. “A pousada é minha única fonte de renda. Tenho 40 anos e não tenho condição de sair procurando emprego numa hora dessa. Por mais que a Vale fale e apresente 10 laudos comprovando que não tem risco de estourar, são poucos os que irão para Macacos. Isso vai demorar a se normalizar”, completa Fajardo.
Dona de um bistrô no vilarejo, Geruza França Brasileiro, de 37, enfrentou um ano de obras para adaptar o restaurante antes de abrir o espaço que ela já comanda há 12 meses. “Desde o dia 16 a sirene tocou e a parte do turismo acabou. A gente não está tendo público em Macacos. As pessoas estão com medo. Tem comércio de amigos nossos que está fechado, e eu mesma tive que dispensar dois funcionários”, conta ela.
Todas essas queixas foram passadas à Defensoria Pública de Minas Gerais. O defensor Antônio Lopes de Carvalho Filho, coordenador do Núcleo de Vulneráveis, disse estar estabelecendo linhas de diálogo com a Vale para tentar resolver o problema sem necessidade de recorrer à Justiça. “Tenho tido conversas com todos os setores. Não vou dizer que vamos conseguir sempre 100% do que demandamos, mas extrajudicialmente a Defensoria Pública tem demonstrado um grau de êxito muito bom. São danos imensos que modificam toda uma estrutura de vida. As pessoas tiveram perda de renda, e precisamos pensar como que essa renda vai ser recomposta”, afirma.
Transporte e compensação
Mais tarde, na Câmara de Nova Lima, nova reunião da comunidade de Macacos. Entre as demandas direcionadas à Vale, os presentes solicitaram a abertura adequada da Estrada Campo do Costa, pavimentada e sinalizada, devolvendo a conexão ao município de Nova Lima. Outra cobrança é sobre moradia imediata para a população desalojada, além de aporte financeiro para os atingidos indiretamente. Os moradores também pedem a redução imediata do volume das represas Capão da Serra e Taquaras, para posterior esvaziamento, e possíveis toques de sirene apenas no período diurno, com aviso prévio. As demandas incluem ainda cuidados para evitar pânico desnecessário, elaboração de mapas de inundação de todas as barragens em Macacos e o reforço das ações assumidas pela empresa quando houve o alerta.
De acordo com o vereador Fausto Miquini (PSD), presidente da Câmara de Nova Lima, estiveram presentes moradores de Raposos, Rio Acima e Nova Lima. As demandas foram repassadas para quatro representantes da Vale que estiveram no encontro. “Os funcionários não souberam dizer nada. Ficaram de levar respostas para a população em 13 de março, quando teremos uma audiência pública na cidade. Foram criados 15 tópicos para cobrar da mineradora”, afirmou o vereador.
Questionada sobre as demandas da população de Macacos, a Vale se limitou a responder que “vem mantendo diálogo constante com as comunidades e autoridades locais, a fim de avaliar e discutir as ações de mitigação e reparação a serem realizadas no curto, médio e longo prazos”. Ainda segundo a mineradora, a Defesa Civil, em níveis estadual e municipal, está autorizando o retorno de moradores de Nova Lima que vivem fora das zonas de autossalvamento das barragens de Vargem Grande e B3/B4, e que foram retirados de suas casas preventivamente. “As famílias estão sendo comunicadas por meio de cartas oficiais e presencialmente, por equipes da Vale e da Defesa Civil de Nova Lima”, informou a companhia, acrescentando que fará os esclarecimentos necessários para tranquilizar quem tenha dúvidas sobre a segurança e que “não arcará, a partir deste momento, com despesas daqueles que não estão em áreas de risco reconhecidas”.