A experiência nas buscas por vítimas em Mariana após o rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, fez do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) uma das corporações mais bem preparadas para enfrentar um cenário de catástrofe como aquele que varreu o Rio Doce e matou 19 pessoas, uma delas desaparecida até hoje. E foi depois de ter adquirido essa experiência, forjada em obstáculos na lama e dificuldades desse terreno movediço, que o capitão Leonard de Castro Farah conseguiu vislumbrar uma forma de agilizar os resgates de corpos e aprimorar o trabalho dos militares em campo. Comandante da Companhia Operacional de Busca e Salvamento do Bemad (Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres), Farah, ao se deparar com o rompimento da Barragem 1 da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, teve a ideia de pedir a um ex-colega de corporação e atualmente desenvolvedor na área digital que ajudasse a fazer um aplicativo para facilitar as buscas em campo.
O sistema foi então desenvolvido pelo cientista Thiago Coutinho e distribuído logo nos primeiros dias de buscas. Agora, cada militar em campo dispõe desse aplicativo, seja um socorrista de Minas Gerais ou dos outros estados que enviaram reforços. “A gente fez esse aplicativo para facilitar o lançamento de coordenadas de corpos e de objetos que encontramos na missão. Antes, os militares tinham de ir a campo, anotar manualmente a coordenada, passavam via rádio e tinham de reunir fotografias”, conta o capitão. “Com esse aplicativo no celular, os bombeiros batem a foto no ambiente do aplicativo e a imagem com suas informações de coordenadas é lançada automaticamente no mapa”, afirma o comandante de buscas e salvamentos. Mesmo sem internet no local de trabalho, no meio da lama, a fotografia com as informações de localização é registrada e o aplicativo lança isso imediatamente no mapeamento assim que tiver novamente sinal.
Com isso, as buscas ganharam agilidade, que é fundamental, sobretudo caso ainda fosse possível encontrar sobreviventes no ambiente devastado. “Com essas informações , podemos traçar estratégias mais precisas. Por meio de um estudo do fluxo de detritos do rompimento da barragem, a gente tem conseguido prever onde se encontra a maioria dos corpos. Isso facilitou muito”, afirma o capitão dos Bombeiros. Essa ferramenta tem sido fundamental também nessa fase em que os trabalhos de busca se encontram, sendo que a maioria dos corpos que estavam na superfície dos rejeitos despejados já foram encontrados. “Entramos numa fase mais difícil, porque precisamos de saber onde estavam os corpos anteriormente, se na pousada ou na comunidade. Isso, é uma coisa que nos faz depender de terceiros, não é informação do Corpo de Bombeiros, mas de civis. Essas informações são cruciais para a gente planejar onde serão concentradas as buscas. E a gente concentra as buscas nas manchas de calor, onde a gente encontra mais objetos e indícios”, afirma.
Um dos grupos de bombeiros de São Paulo se mostrou admirado com a utilização da ferramenta de buscas desenvolvida em Minas Gerais. Sem permissão do comando para conceder entrevistas, um oficial descreveu as vantagens enquanto instruía sua tropa de como proceder em campo, no Córrego do feijão, antes de serem lançados por helicópteros da Força Aérea Brasileira (FAB). “É uma construção de consciência de situação praticamente instantânea. A gente encontra um caminhão, lança no aplicativo. Isso vai para o mapa. Os companheiros que vierem depois ao chegarem na área já saberão que aquele caminhão já foi marcado e partirão para outras buscas. Ao mesmo tempo, sabendo onde o caminhão estava na mina, antes de ser levado, poderá ser reproduzido o sentido dos rejeitos que o empurraram. O mesmo ocorre com os corpos.”
Terreno traiçoeiro desafia equipes
Mesmo passado mais de um mês desde o rompimento da Barragem 1 da mina da Vale em Brumadinho, o terreno enlamado, profundo e traiçoeiro ainda é um desafio para as equipes de resgate que buscam pelos desaparecidos. Contudo, há ainda locais que nem bombeiros e máquina conseguem chegar. “Ainda há muitos locais onde a lama está muito fluida e que são impossíveis de os bombeiros chegarem até lá. Nem mesmo as máquinas conseguem trabalhar nesses ambientes. Isso fica muito evidente após o local que chamam de ilha, onde ocorreu um espraiamento maior da lama, após a pousada e o pontilhão, quase no Rio Paraopeba”, afirma o capitão Leonard de Castro Farah, comandante da Companhia Operacional de Busca e Salvamento do Bemad (Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres).
O comandante afirma que existem, ainda, locais mais profundos e que podem comportar mais corpos. Outra ajuda é o emprego dos cães. “Eles têm ajudado muito, porque o faro deles é muito apurado. Nos ajudam a descartar áreas onde não detectam a presença de vítimas, eliminando esforços em locais desnecessários”, disse o oficial.
O emprego de maquinário, como escavadeiras, carregadeiras tanto de esteiras simples quanto no formato anfíbio tem sido largamente usado para chegar às profundidades mais desafiadoras onde as vítimas podem estar. “As buscas, agora, são por meio de máquinas, porque a terra está mais sólida, mais compactada. Isso possibilitou a utilização de maquinário mais pesado para tentar encontrar esses corpos”, afirma o capitão Farah. (MP)