O mar de lama de Brumadinho arrastou vidas, mas levou também sonhos, metas, histórias. Mulheres e maridos se viram, de uma hora para outra, com a missão de falar sobre a morte a seus filhos. Avós e tios se depararam com o dever de declarar a ausência de pais e mães. A todos eles, restou o papel de explicar o inexplicável aos órfãos da tragédia. Na voz de muitas crianças, o papai ou a mamãe virou estrela. Ser pai e mãe ao mesmo tempo se tornou tarefa súbita para quem ficou com a responsabilidade da criação e educação de um número ainda desconhecido de bebês, crianças e adolescentes.
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Carlos pegaria serviço às 16h no dia do desastre. Estava na casa da mãe quando uma sobrinha ligou perguntando se a barragem havia rompido. Ligou para a esposa, cujo telefone já dava desligado. E para mais dois colegas. “Menti para minha filha mais velha, dizendo que tinha conseguido falar com minha mulher.
“A parte difícil foi contar para minha filha pequena.
O aniversário de 15 anos de Gabriela seria comemorado numa viagem a Cancún, sonho de Lenilda e da filha.
SEM FESTA Era quinta-feira, aniversário da enfermeira Mirléia Carla da Silva Machado, de 30 anos. O marido, Ramon Júnior Pinto, de 34, tirou folga de seu posto de analista da Vale para comemorar com a mulher. No fim de semana, a festa estava programada para ser ainda maior, pois a filhinha do casal, Milena, completava 5 anos na terça-feira seguinte. Mas a festa tão esperada e vários outros planos foram interrompidos de maneira abrupta. Ramon, que deveria estar de férias desde 21 de janeiro e mudou de planos na última hora, é uma dos 186 mortos identificados na tragédia do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. “A Milena viu a movimentação estranha em casa, perguntava pelo pai que não chegava e por que não teve a festa. Dois dias depois, falei a verdade. Ela é madura, e não quis mentir para não descobrir em outra situação. Contei que a lama tinha coberto tudo e que até então não tinham encontrado o papai”, relata Mirléia.
“Agora, tenho a responsabilidade de ser pai e mãe. Serão muitas crianças assim.
SEM AMPARO No Tejuco, no Parque da Cachoeira, em Córrego do Feijão, não importa o bairro ou a localidade, histórias devastadoras se repetem. Bebês gêmeos perderam mãe e pai, que se conheceram na Vale. Mãe, ainda desaparecida, deixou filho de apenas 4 meses. Quarenta e um dias depois da tragédia e apesar de ter feito o registro das famílias para o recebimento das doações, a Vale ainda não sabe informar quantos são os órfãos.
Enquanto isso, famílias inteiras têm que lidar com a dor e prover o amanhã para essa quantidade de crianças que perderam o amparo e o direito de crescer ao lado de pais e mães. Na casa de César Almeida, a mãe dele, dona Conceição, perdeu quatro netos na tragédia: três homens e uma mulher, filha de César. Técnica de enfermagem, Letícia Mara Anízio de Almeida, de 28 anos, estava no refeitório da empresa quando ocorreu o rompimento da barragem. Ela deixou o marido e um filho pequeno de 1 ano e meio. O bebê fica agora aos cuidados dos pais e dos avós.
Emocionado, César, que também é funcionário da Vale há 16 anos e no dia do desastre pegaria serviço às 16h, se recorda da alegria de quando a filha entrou para a empresa, há sete meses. “Passei um rádio para meus colegas, dizendo para dar uma força para ela, que estava começando na empresa naquele dia. Foi um orgulho muito grande para mim”, diz. Agora, é cuidar do netinho que, segundo vizinhos, ainda amamentava e passou dias chamando pela mãe. “Agora ele está melhor. Já dorme à noite e está mais tranquilo.”
Cães no radar
Os cães se tornaram a peça-chave dos trabalhos de buscas em Brumadinho, que completam hoje 41 dias. Ninguém entra em campo e nenhuma máquina é ligada antes de eles darem o sinal verde. Os bombeiros de quatro patas fazem o reconhecimento do terreno e, diante de alguma indicação, o maquinário pesado é acionado para aumentar a amplitude da saída, de forma a viabilizar a entrada da equipe de resgate. Ontem, 109 militares e oito cães atuaram em 20 frentes de trabalho e contaram com 79 máquinas e um drone.
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