Jornal Estado de Minas

Vivendo quase 100% do turismo, Macacos sente a fuga dos visitantes no carnaval

Locadora de quadriciclos foi uma das mais afetadas após o alerta de rompimento da barragem na comunidade - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Passado o período considerado mais forte do ano para pousadas, restaurantes, passeios turísticos e demais tipos de comércio de São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima conhecido como Macacos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, empresários do vilarejo amargaram um prejuízo desanimador. Apesar da estimativa de que o movimento do feriado prolongado seria ruim, ainda assim as ruas completamente esvaziadas quando o normal seria as ladeiras lotadas deixou todos extremamente angustiados quanto ao futuro que vem pela frente depois que a Vale ligou o alerta de rompimento para a barragem B3/B4, da Mina Mar Azul, e gerou fuga imediata dos visitantes. Como a comunidade vive quase que 100% do turismo, a vila de Macacos foi severamente impactada.

O carnaval é o momento do ano que é mais esperado pelo empresário Luiz Carlos Rodrigues Filho, proprietário de um complexo que conta com pousada, camping, bar, casa noturna e o famoso restaurante Planeta Macacos. Depois de seis anos de obras e adaptações, ele esperava de fato fazer a inauguração de todo o complexo neste carnaval, finalizadas todas as pendências. “Meu projeto foi adiado não sei para quando. Eu não tive um cliente no carnaval. Meus 12 funcionários estão de aviso-prévio e é muito provável que eu feche no fim do mês”, diz.

Ele conta que a mineradora reservou todos os 11 quartos que tiveram as reservas canceladas para o carnaval, mas nenhum hóspede ocupou as acomodações, mantendo o vilarejo vazio. “A Vale esvaziou completamente o turismo de Macacos”, afirma Luiz.
Para o empresário, o turismo só volta quando a mineradora concluir 100% do descomissionamento da barragem. “Enquanto for essa assombração, não vai ter jeito. É uma situação deprimente, todas as pessoas estão sem horizonte e o carnaval que deveria ser uma época de alegria ficou desse jeito”, completa.



Quando se fala em Macacos, uma das principais referências é o restaurante Acervo da Carne, que já funcionava na chegada ao vilarejo há 25 anos. Funcionava porque desde 16 de fevereiro, quando a sirene da Vale alertou a população do risco com a barragem B3/B4, o estabelecimento foi fechado. “Meus funcionários entraram em pânico e ninguém quer trabalhar. Todos os 30 estão de aviso-prévio para que eu possa ganhar um tempo”, diz o empresário Oldrich Dusanek Júnior, que comanda o Acervo junto com a irmã.

Em 2001, ele passou pela mesma situação quando houve o rompimento da barragem da mineradora Rio Verde e já sabe o que fazer para tentar evitar que o Acervo da Carne seja fechado para sempre. “Naquela época precisei fazer a demissão de 28 dos meus 45 funcionários.
Por enquanto optei por encerrar temporariamente para não comprometer toda a estrutura, mas como já enfrentei esse problema acho que o retorno do turismo será a médio e longo prazo”, afirma.

ERA O MOMENTO
O prejuízo com o fechamento total no carnaval vem no momento em que Macacos certamente compartilharia o aumento do movimento com a festa em BH. “Não tenho dúvidas que com BH bombando no carnaval, Macacos também seria um destino bastante procurado. É nossa melhor época do ano, a gente trabalha dia e noite praticamente 10 dias ininterruptos. O carnaval é nosso 13º, 14º salário. Momento em que a gente coloca as contas em dia”, diz Oldrich.

O restaurante Acervo da Carne está em um ponto mais baixo da vila, mas segundo o proprietário não seria impactado pela possível passagem de uma onda de lama, conforme informações que ele recebeu da Vale. De qualquer forma, ele não vê nenhuma condição para abrir. Porém, o vizinho de frente, Kleber Ribeiro, está na rota de um possível rompimento. Kleber é dono de uma locadora de quadriciclos para passeios, outro setor severamente impactado pela fuga dos turistas.

Ele tinha o costume de fazer 32 passeios por dia de carnaval, com base em folias passadas.
“Fiz sete durante todo o carnaval de 2019. Tive que sair do lugar onde fica minha base e coloquei todos os quadriciclos na praça. Mesmo aumentando a exposição, eles ficaram vazios. Além disso, os trajetos dos passeios tiveram que ser modificados, porque boa parte deles incluía áreas consideradas de risco pela projeção da mancha de inundação da barragem. “A passagem pela trilha da Matinha era a parte que as pessoas mais gostavam, mas agora não podemos mais fazer”, diz ele.

No restaurante Evolução da Gula, do empresário Wellington Vaz Ferreira, que fica na rua principal de Macacos, ele não vendeu 10% do que esperava para o carnaval. “Tive que dispensar seis funcionários entre freelancers e fixos e ficamos apenas eu, minha mãe e meu irmão. Se a Vale não fizer nada para modificar a imagem de Macacos, não temos previsão de recuperar o que foi perdido. Eu só não fechei pois estou recebendo o pessoal que está trabalhando para a empresa, mas diminuí bastante a margem de lucro para fazer esse atendimento. Nós sempre vivemos aqui do turismo, nunca da mineradora. Talvez seja a hora de a empresa fazer algo pelo vilarejo de Macacos”, afirma.

O empresário Luiz Carlos Rodrigues Filho não teve clientes no carnaval e acredita que o turismo só vai será retomado em Macacos com o descomissionamento da barragem da Vale - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Justiça dá prazo para pagamentos

A Justiça intimou a mineradora Vale a apresentar um relatório parcial de pagamentos aos atingidos pelo rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

A decisão foi tomada em audiência de conciliação na 6ª Vara da Fazenda Estadual de Belo Horizonte, pelo juiz Elton Pupo Nogueira. O prazo estabelecido é até 4 de abril. Também ficou acordado que cada núcleo familiar do Córrego do Feijão e do Parque da Cachoeira vai receber uma cesta básica por mês, durante 12 meses.

Se a Vale não apresentar o cronograma, o juiz vai liberar o dinheiro retido. “Só não dá para fazer agora porque não sabemos quantas pessoas vão receber o valor. Mas, assim que soubermos, o juiz precisará disponibilizar o dinheiro já bloqueado pela Justiça”, explicou André Sperling, representante do Ministério Público de Minas Gerais.

A Vale concordou em receber até hoje o cadastramento coletivo das famílias, e em usar os documentos juntados pelas comunidades do Córrego do Feijão e do Parque da Cachoeira, entregues ao Ministério Público e à Defensoria Pública. De acordo com o Tribunal de Justiça, o material passará por análise para início dos pagamentos.

Também ficou designada audiência de conciliação para o dia 21, data em que a Vale se comprometeu a apresentar a análise da documentação individual dos atingidos e a demonstrar que não haverá falta de água ou como será suprido seu fornecimento nas cidades que dependiam da captação do Rio Paraopeba.

Na mesma data, a mineradora deverá demonstrar ainda a atuação nos acessos públicos atingidos pelo rompimento da barragem, incluindo a ponte da Fazenda José Linhares. O Ministério Público manifestou preocupação com a possibilidade de haver um acidente no local.

A fim de garantir celeridade na adoção das medidas emergenciais e evitar dificuldades na tramitação dos autos da ação judicial, a Vale e o estado de Minas Gerais celebraram acordo para que a contratação de produtos ou serviços necessários seja feita extrajudicialmente, bem como as despesas emergenciais relacionadas ao rompimento. O valor de R$ 1 bilhão continua como garantia, sendo R$ 500 milhões depositados em juízo e os outros R$ 500 milhões, que poderão ser substituídos por garantias com liquidez corrente, fiança bancária ou seguros.

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