Cristiano Otoni – Mata nativa densa, com árvores, arbustos espinhentos e cipós, protege em Cristiano Otoni, a 118 quilômetros da capital, uma parte vital do Rio Paraopeba que continua viva, a salvo das agressões da mineração: a nascente cristalina do afluente do São Francisco golpeado pela contaminação de metais após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH. Quem vê agora as águas escuras e espessas transportando a lama de rejeitos de minério desde 25 de janeiro, custa a acreditar que se trata do mesmo manancial. O pior é que, a apenas sete quilômetros de seu berçário, o Paraopeba já começa a sofrer duros revezes, com o lançamento de esgoto in natura no leito que segue rumo ao Lago de Três Marias, em Felixlândia, na Região Central.
Hoje, a principal nascente do Paraopeba, que fica em uma fazenda, vai ganhar mais proteção, de acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), ligado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). O diretor-geral da instituição, Antônio Malard, adianta que o proprietário concedeu autorização para o fechamento da área na qual está a origem do rio, devendo ser assinado, na oportunidade, um termo de compromisso. “A medida é essencial para a preservação, pois impede a entrada de animais e outras ameaças à nascente”, diz Malard.
Sobre a proteção à nascente, com cerca, enquanto o rio é considerado morto a partir de Brumadinho por ambientalistas que o percorreram, o diretor-geral do IEF sustenta que o Paraopeba pode ser recuperado com uma série de ações, o que torna fundamental a conservação do local onde brotam suas primeiras gotas, para garantir a produção e a qualidade da água. Ele afirma que na Bacia do Paraopeba estão em andamento 60 trabalhos semelhantes, no mesmo sistema, na região de Jeceaba. “Estruturamos a atividade e entregamos ao proprietário os insumos (mourões, arame farpado, pregos e grampos) e monitoramos”, contou. Em Minas, há outros programas nesse sentido, incluindo a Bacia do Rio Doce, que foi devastada a partir do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015.
A equipe do Estado de Minas esteve na nascente do rio que se tornou cenário de centenas de mortes e desaparecidos e de devastação ambiental desde a catástrofe da Vale. Localizada na comunidade de Cana do Reino, a principal nascente fica numa propriedade que desenvolve a pecuária de leite, e tem difícil acesso: é preciso caminhar cerca de um quilômetro e atravessar o pasto. Mais 30 passos no mato e chega-se à água cristalina que corre tranquila e é “totalmente potável”, conforme assegura Itamar Teixeira Neves, de 59 anos, que conhece a região como a palma da mão e se orgulha do tesouro escondido no meio do verde na propriedade.
Bem pertinho da nascente, Itamar põe as mãos em concha e bebe do líquido sem turbidez. “O proprietário da fazenda cuida muito bem. Não há captação aqui dentro, ela é bem preservada e o acesso é difícil. Há outra nascente, mas temos esta como principal”, afirma. Logo depois, ele guia a equipe até a lagoa formada pelo riacho. Dali em diante, as águas seguem o curso do Paraopeba e o homem nascido na “roça” de Catalão Caranaíba, no município vizinho de Caranaíba, se lembra da situação em Brumadinho. ”Tudo isso que aconteceu deixa a gente muito triste. Acabaram com o rio.”
POLUIÇÃO Já no Centro de Cristiano Otoni, município de 5,3 mil habitantes cortado pelo Paraopeba e às margens da rodovia BR-040, é possível ver que o brilho da principal nascente é apagado pela matéria orgânica in natura que chega das casas, comércio e outros estabelecimentos. “Todo o esgoto da cidade vai para dentro do rio. Olha naquele canto ali, você pode ver o cano despejando a sujeira”, diz o chefe de gabinete da prefeitura, Gérson Luiz de Souza Lima, ao mostrar a água se contaminando cada vez mais.
Olhando o rio de uma ponte perto da prefeitura, Gérson Luiz dá uma informação que poderá melhorar a saúde da população e mudar a qualidade da água do castigado rio. “Estamos em processo de dispensa de licitação para assinatura do contrato com a Copasa para a construção de uma estação de tratamento de esgoto (ETE)”, explica. “O fornecimento de água já é da Copasa, mas de poço artesiano. E é curioso, pois temos as nascentes do Paraopeba e o abastecimento não vem dele.”
Mais curioso é notar que, num paredão que margeia o rio ainda estreito, há uma placa com o aviso: “Jogar lixo no rio é crime ambiental”. O que vê, no entanto, são sacos de detritos, pneus de bicicleta e objetos que deveriam estar em outro lugar. “Temos coleta seletiva quatro vezes por semana, mas nem assim deixam de lançar resíduos”, afirma Gérson, lembrando que até cachorro morto pode ser encontrado no leito. Em nota, a Copasa informa que “as tratativas com o município de Cristiano Otoni para que a empresa assuma os serviços de esgotamento sanitário foram finalizadas. No momento, estão sendo providenciados os documentos necessários, e o contrato redigido em sua versão final, para assinaturas e publicação”.
Em Cristiano Otoni, a Copasa atuará nos serviços de esgoto, em conformidade com o Plano Municipal de Saneamento aprovado pelo município. Já na Bacia do Paraopeba, a estatal detém a concessão do serviço de esgotamento sanitário em 17 cidades do total de 48 municípios, 35 dos quais à beira do rio que tem a extensão de 510 quilômetros Hoje, o trecho considerado impróprio compreende desde a confluência do Paraopeba com o Córrego Ferro-carvão até Pará de Minas, na Região Centro-Oeste. O governo de Minas chegou a divulgar uma nota pedindo para ninguém usar a água bruta em qualquer finalidade, até que a situação seja normalizada.