Jornal Estado de Minas

'O pesadelo voltou': moradores de Congonhas relatam medo após ordem de evacuação por barragem

- Foto: Arte EM


Abaixo do maciço de 84 metros de altura que represa 21 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, uma população de milhares de pessoas passou o dia de ontem inquieta, buscando informações, imaginando formas de escapar e até falando em revolta e vandalismo. Assim foi o dia tenso dos 4,8 mil habitantes dos bairros Cristo Rei, Eldorado, Residencial Gualter Monteiro e Royal Park, depois que o Ministério Público de Minas Gerais, na comarca de Congonhas, expediu recomendação para que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) providencie moradias provisórias para habitantes de aproximadamente 600 casas, onde vivem cerca de 2,5 mil pessoas diretamente ameaçadas pela Barragem Casa de Pedra, da CSN, considerada uma das maiores represas em área urbana do mundo. Caso a advertência do MP seja cumprida, a remoção de moradores será mais de duas vezes maior que a soma das seis evacuações feitas em seis localidades desde a tragédia de Brumadinho (cerca de 1,2 mil pessoas).

Desde 2017 o Estado de Minas denuncia a situação alarmante da estrutura (leia ao lado), que passou a despertar mais preocupação após o rompimento da represa de rejeitos da Vale na cidade da Grande BH. “O pesadelo voltou. Tinham dito que a barragem estava segura. A gente estava voltando a viver nossas vidas. E agora vem (o MP) e diz que temos de sair.
Queremos sair então, porque não queremos morrer igual às outras pessoas morreram (nos rompimentos de barragens em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em janeiro deste ano)”, disse Paola Cristiane dos Santos Neta, de 18 anos, que mora na chamada zona de autossalvamento (ZAS) do Residencial Gualter Monteiro com a filha de 11 meses e o marido. A ZAS é uma área de tão crítica exposição que a pessoa só tem tempo para se salvar usando os próprios meios, já que não há tempo para ação de autoridades e os atingidos podem morrer caso tentem auxiliar outras pessoas. Segundo o promotor Vinícius Galvão, que expediu a recomendação, o bairro, que tem as primeiras moradias a cerca de 500 metros do topo da barragem, poderia ser atingido em cerca de 30 segundos após um eventual rompimento.

“Eles vão evacuar a gente quando? Quando a barragem romper? A gente estava se acomodando, achando que o perigo tinha passado. Agora, voltou essa tragédia. Mais noites sem dormir, mais choro, mais medo? Nosso psicológico está abalado. Pede para o prefeito ou o pessoal da CSN vir morar aqui com as famílias, se tiverem coragem”, protestou a dona de casa Rita Maria dos Santos, de 51, também moradora do Residencial Gualter Monteiro.
De acordo com ela, se uma solução definitiva não for alcançada, a população pode se revoltar. “Falaram (a CSN) que a gente queria botar fogo em ônibus, fazer vandalismo. Nunca fizemos isso. Agora, se for preciso, vamos fazer. Podem chamar a polícia, podem chamar quem eles quiserem, porque isso é um desrespeito com a comunidade”, critica.

A recomendação atinge cerca de 2,5 mil pessoas que devem ser retiradas das moradias, embora a remoção seja voluntária – ou seja, não é obrigatória a saída, caso o morador não concorde com ela. A CSN afirmou que não vai se manifestar, por ora, sobre a recomendação. Já o secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Congonhas, Neylor Aarão, declarou ao MPMG que a mineradora não fornece informações precisas ao município sobre a barragem, o que prejudica o plano de evacuação.
Já a Defesa Civil Municipal corrobora a avaliação de que, em caso de ruptura, os primeiros imóveis podem ser atingidos em cerca de 30 segundos.

Segundo a recomendação do MP, a CSN terá 10 dias para fazer a retirada dos moradores. Caso não o faça, o promotor informou que vai ingressar com uma ação civil pública contra a mineradora. “A solução definitiva seria ou aquisição de imóveis para essas pessoas ou a construção de outros dois bairros. O que não dá é as pessoas viveram sob esse risco iminente. Lembrando que essa mesma barragem já apresentou risco de rompimento em 2013 e em 2017”, afirmou.

 

INSEGURANÇA 
O medo de moradores de Congonhas já provocou mudança na rotina. Em 15 de fevereiro, a prefeitura da cidade, por meio da Secretaria de Educação, paralisou temporariamente as atividades de uma creche, devido à sensação de insegurança das famílias em relação à Barragem de Casa de Pedra. Alunos de uma escola municipal também foram remanejados.

Por meio de nota, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) informou que não foi identificado risco de rompimento da Barragem Casa de Pedra. “Cabe destacar que não houve elevação do nível de emergência da barragem, nem tampouco a apresentação de qualquer documento que indique risco de seu rompimento”, informa o órgão.


Na recomendação do MP, ao qual o Estado de Minas teve acesso, a promotoria de Congonhas recomenda que a CSN retire os moradores dos bairros Cristo Rei e Residencial Gualter Monteiro, “que assim desejarem”, forneça aluguel no valor de R$ 1,5 mil para cada núcleo familiar, além de arcar com todas as despesas das mudanças. 


A mineradora deverá ter um plano para remoção voluntária dos moradores dos dois bairros, “seja por meio da compra de imóveis em Congonhas/ou outra cidade; ou mediante a criação de bairros, com toda infraestrutura prevista em lei, e/ou mediante a indenização dos proprietários”. Na avaliação dos imóveis, a promotoria também recomenda que não seja considerada a desvalorização devido aos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho.

A empresa terá, ainda, que apresentar, em caráter emergencial, solução para o fechamento da Creche Dom Luciano e a transferência da Escola Municipal Conceição Lima Guimarães. A recomendação é de que sejam alugados imóveis que comportem as instalações das unidades de ensino. Além disso, a companhia deverá “arcar com todas as despesas de mudança e ajustes dos prédios aos enquadramentos técnicos necessários”.

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