A decisão judicial que interditou a Mina de Timbopeba, empreendimento da Vale no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, aumentou o nível de apreensão não apenas em torno da Barragem do Doutor – alvo da ação do Ministério Público –, mas de outras erguidas em Minas pelo método considerado mais vulnerável (de alteamento a montante). Entre os documentos do processo, chama a atenção uma declaração da auditoria Tüv Süd, empresa de origem alemã que havia atestado a estabilidade da represa que se rompeu em Brumadinho, na Grande BH, em janeiro: nele, a consultoria informa que, após a catástrofe do Córrego do Feijão, não confia mais nos próprios critérios para garantir a segurança de estruturas do mesmo tipo analisadas por ela.
A informação consta de ação civil movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), impetrada com intuito de suspender as atividades no empreendimento da Vale em Ouro Preto. A consultoria indicou que, após rever os fatores de segurança da Barragem do Doutor, dentro da Mina Timbopeba, verificou que “seria necessária a adoção imediata de medidas para evitar risco social e ambiental”. Ouvida ontem, a Vale sustentou que a estrutura da barragem “não possui anomalia relevante ou situação que comprometa a segurança”.
O Estado de Minas teve acesso à ação civil pública e à decisão que suspendeu as atividades na Mina Timbopeba. Nas páginas 12 do documento do MP e 9 da decisão judicial, destaca-se o conteúdo de um documento enviado pela Tüv Süd ao Ministério Público: “Nós emitimos certas declarações de estabilidade (DCE) indicadas no Anexo 1, assim como relatórios e outros documentos técnicos em relação a barragens operadas pela Vale S.A. ou por empresas do grupo (...). À luz do desastre da ruptura da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, das notícias publicadas até o momento e do fato de que a sua causa de origem ainda não pôde ser estabelecida até esta data, após considerações minuciosas, nós perdemos a nossa fé na estrutura e prática do mercado, de modo geral, atualmente adotada para averiguar a segurança e a estabilidade de barragens de rejeitos”.
“Há uma grande incerteza se as DCEs consistem em uma declaração confiável sobre o status de estabilidade das barragens e se essas declarações podem ser consideradas apropriadas para proteção adequada contra riscos graves gerados por barragens de rejeitos, em particular para vidas humanas e o meio ambiente”, completa o texto da consultoria. O MPMG também ressaltou que o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, “colocou em xeque a avaliação de risco” sobre as barragens, tanto de contenção quanto de rejeitos.
Além do documento, o pedido do Ministério Público foi motivado por informações enviadas pela Tüv Süd à Vale após rever os fatores de segurança da Barragem do Doutor, que fica dentro do empreendimento de Ouro Preto, indicando que “seria necessária a adoção imediata de medidas para evitar risco social e ambiental”. A notificação da auditoria à mineradora chegou ao conhecimento da promotoria na última quarta-feira e recomenda “que sejam adotadas imediatamente as ações necessárias ou recomendáveis (incluindo evacuações e/ou restrição de uso das barragens) para evitar risco à vida humana e ao meio ambiente”.
Aconselhou ainda, segundo o MP, que sejam evitadas quaisquer atividades de construção nas barragens do complexo “e qualquer vibração (incluindo de perfuração, trabalho de construção, trânsito de veículos ou de pessoas na barragem)”. Ressaltou que até mesmo pequenos terremotos não sentidos por humanos, “podem gerar liquefação e, portanto, falha na barragem”.
AMEAÇA SOBRE POVOADO
Para fundamentar o pedido de interdição da Mina de Timbopeba, o Ministério Público lembrou que a Barragem do Doutor fica próxima a núcleos urbanos, entre eles o distrito de Antônio Pereira, que tem as primeiras moradias distantes a cerca de 600 metros, em linha reta, da crista da Barragem do Doutor, “havendo pessoas residentes ou transitando na zona de autossalvamento, ou seja, na região do vale a jusante da barragem a uma distância que corresponda a um tempo de chegada da onda de inundação (lama) igual a 30 minutos ou 10 quilômetros”.
A promotoria ressalta que não haveria tempo, em caso de rompimento das estruturas, para uma intervenção das autoridades competentes, “de forma que as pessoas têm que se salvar sozinhas em caso de tragédia, sendo que os avisos de alerta são da responsabilidade do empreendedor”, disse o MP.
Diante disso, a promotoria solicitou que a Vale se abstenha de praticar qualquer ato, como construir, operar, altear ou usar a Barragem do Doutor enquanto não demonstrar sua integral segurança, assim como suspenda as demais atividades da mina. Além disso, a mineradora deverá fazer um plano de ação que garanta a total estabilidade das estruturas da Mina de Timbopeba, realizar auditoria externa independente, estabelecer zonas de autossalvamento e de inundação, implantar sistema de alerta e estratégia de evacuação, entre outras medidas.
Ao deferir os pedidos da promotora, a Justiça destacou que “o receio de rompimento das barragens não é infundado. Muito pelo contrário, é crível e não pode ser ignorado, haja vista informações de consultoria técnica que especificamente foi realizada no local”. Ressaltou, ainda, que “o perigo de dano é patente e se manifesta não só na degradação do meio ambiente, mas, e sobretudo, na perda de vidas humanas, caso haja rompimento na Barragem do Doutor fomentada pela Vale S.A., mormente em razão do fato de não haver sequer plano de evacuação da população local”.
VISTORIA Na decisão, a juíza Ana Paula Lobo de Freitas determinou que a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) seja notificada para fazer vistoria nas estruturas de Timbopeba. O coordenador-adjunto do órgão, tenente-coronel Flávio Godinho, afirmou que recebeu a determinação judicial. No entanto, informou que não há previsão de adoção de qualquer medida em relação à mina, já que a Vale não alterou o fator de segurança no complexo. Segundo Godinho, a Defesa Civil não atesta a solidez da estrutura, o que é uma responsabilidade da mineradora.
Por meio de nota, a Vale afirmou que teve ciência da decisão proferida pela 2ª Vara Cível de Ouro Preto. “A decisão se baseou principalmente em notificação recebida pelo MPMG contendo informações preliminares sobre a barragem de Doutor. Ressalta-se que a barragem possui declaração de estabilidade em vigor e foi inspecionada em 14 de março de 2019 por técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANM), que constataram que a estrutura não possui nenhuma anomalia relevante ou situação que comprometa a segurança da barragem. Além disso, diz a ANM que, no momento, não se justifica uma interdição e/ou acionamento de níveis de alerta/emergência que requeiram evacuação da população de jusante”, informou a empresa.
Conforme a mineradora, a suspensão das atividades representa um impacto de 12,8 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. "A Vale informa que atendeu imediatamente a determinação e adotará as medidas cabíveis."
A Tüv Süd foi procurada pela reportagem do EM para comentar sobre a ação do MPMG, mas até o fechamento desta edição não havia se manifestado.