No cenário da expansão urbana de Belo Horizonte, a maior fronteira que pressiona a ocupação de áreas inabitadas não está exatamente dentro da capital mineira, mas nos seus limites com a vizinha Nova Lima.
O município abriga a extensão da Zona Sul de BH, uma área formada por bairros como Vila da Serra e Vale do Sereno, que estão praticamente interligados com a capital e são cada vez mais procurados por quem está atrás de apartamentos de luxo.
Basta tirar alguns minutos para rodar pela região e perceber a quantidade de construções que despontam pelas montanhas de bairros como Vila da Serra, Vale do Sereno, Jardim da Torre, Jardim das Mangabeiras, Jardinaves e Alto Belvedere, este último que também fica em Nova Lima, apesar do nome que lembra o vizinho de BH.
No caso do Vila da Serra, a urbanização da região nos últimos anos praticamente tornou um só o conjunto formado pela parte oficialmente em Nova Lima e pelo Belvedere, este que faz parte de BH. O que os divide é uma linha férrea. Esse ramal ferroviário é, inclusive, palco de disputa entre a Prefeitura de Nova Lima e associações de moradores da região que defendem a implantação de um parque linear na área. A opção serviria para viabilizar uma área de lazer que é uma carência da população local e frear a especulação. Por outro lado, a Prefeitura de Nova Lima pensa na ferrovia como a possibilidade de implantar uma Via Estruturante, opção viária à MG-030 que levaria ao Centro da cidade e atacaria problemas de mobilidade da região.
Essa segunda opção, na visão do advogado e líder comunitário do Vila da Serra Álvaro Gonzaga, seria mais uma ferramenta capaz de abrir espaço para a expansão imobiliária. “A história do adensamento dessas áreas é sempre a mesma. Começa como loteamento unifamiliar para casas e aí vem a pressão imobiliária. Há uma pressão para transformar o Vila da Serra na 10º regional de Belo Horizonte, mas com um agravante: quem mora no Vila da Serra paga os impostos em Nova Lima, mas leva o passivo urbano para Belo Horizonte”, diz Álvaro.
Em uma pesquisa pela internet é possível ter indicativos desse potencial. Hoje o site da Construtora Cowan se encontra fora do ar para reformulação, mas enquanto ainda estava disponível trazia informações sobre a Fazenda Ana da Cruz, área rural com 1.250 hectares, maior que o perímetro da Avenida do Contorno, “com grande potencial imobiliário”.
PREOCUPAÇÃO
Para Gonzaga, passou da hora de Nova Lima revisar seu Plano Diretor adotando restrição no potencial construtivo dessas áreas. “A gente precisa modificar o potencial construtivo da região. Não é inviabilizar, não é isso que queremos, mas tem que ser racional. Praticamente 90% das pessoas que estão aqui (Vila da Serra e região) trabalham em BH. Nova Lima tem que ter um crescimento orgânico, ou seja, tem que absorver o próprio crescimento dela”, afirma.
A preocupação gerada pela especulação imobiliária esteve na pauta de Belo Horizonte, bem perto dos limites com Nova Lima, mas ainda dentro do território da capital mineira, há duas semanas. Uma área usada durante anos pela Mineração Lagoa Seca, atrás da Vila Acaba Mundo, gerou reação da população do Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul de BH, pelo que moradores da região disseram se tratar de uma manobra para abrir espaço para um novo bairro, o Belvedere 4.
A empresa Indústria de Madeira Imunizada Ltda (IMA), hoje responsável pela área minerada durante anos, tentou aprovar no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) um projeto de recuperação ambiental da região que excluía uma parte do terreno, chamada de Pilha C. A população denunciou que já havia projeto pronto para construção de 1,5 mil apartamentos de luxo nessa área, mas o Comam obrigou a empresa a recuperar todo o território exaurido pela mineração, fechando a porta para a evolução de um provável projeto imobiliário.
Em nota, a Prefeitura de Nova Lima informou que o adensamento populacional na região citada pela reportagem vem acontecendo há alguns anos, mas aprovações de projeto sempre ocorrem em conformidade com a legislação municipal vigente. O Plano Diretor define expansões e restrições imobiliárias, não somente nas localidades citadas, mas em todo o território de Nova Lima, segundo a nota. A prefeitura informou ainda que a previsão é encaminhar a revisão do Plano Diretor para a Câmara Municipal da cidade em 2020, momento em que estarão definidas quais serão as novas regras de adensamento.
Corredor ecológico estrangulado
A preocupação com o adensamento de Nova Lima nos limites com Belo Horizonte não se restringe apenas aos impactos gerados do ponto de vista urbano. Um dos maiores gargalos do aumento das construções desenfreadas é com o meio ambiente. Segundo ambientalistas, Nova Lima abriga uma grande área verde responsável pela recarga de mananciais importantes para o abastecimento de boa parte da Grande BH. É em Nova Lima, inclusive, que está instalada a captação de Bela Fama, da Copasa, que retira água do Rio das Velhas necessária para abastecer 50% da população que habita a região metropolitana.
Essas características são suficientes para impor, por si só, restrições no adensamento de áreas verdes de regiões limítrofes com Belo Horizonte, como o Bairro Vila da Serra e adjacências, na opinião do ambientalista Manoel Augusto Caillaux, presidente da Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (ProMutuca). “Essa especulação imobiliária está estrangulando o único corredor ecológico ainda bem configurado na Região Metropolitana de Belo Horizonte que é o Vale do Mutuca. A função de um corredor ecológico é interligar biomas e preservar espécies. No caso do Vale do Mutuca, o corredor contribui para interligar as bacias do Rio das Velhas e do Rio Paraopeba”, afirma Caillaux.
Ele também acrescenta que outro ponto importante é a oferta hídrica da região. “Ninguém até hoje fez o balanço sobre o deficit hídrico para os próximos cinco anos na Grande BH. Esse balanço é de suma importância para verificar a possibilidade de abastecimento de BH pela captação de Bela Fama no futuro”, afirma.
É justamente essa questão que preocupa muito o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano. “A cidade demanda recursos e um dos essenciais é água. Nesse ponto, a atual situação preocupa demais porque estamos falando do Sinclinal Moeda, nossa maior área de produção de água para a Grande BH. A ocupação dessas áreas do Sinclinal tem dois problemas: um deles é o comprometimento da recarga. O outro é que quando você começa a drenar a água na região de cima, vai faltar embaixo e vai ter problema no uso da água”, diz.
O ambientalista diz ainda que a única saída é a criação de um pacto para preservação de mananciais e manutenção de áreas de recarga, além de outras ações importantes, sob o risco de problemas graves no futuro. “Se continuarmos com esse processo insano de adensamento, vamos pagar preço muito caro de não ter recarga hídrica nas bacias que mantém a capital. Já lembrando que Rio Paraopeba se encontra comprometido pelo desastre da Vale e o Rio das Velhas com problemas cada vez mais críticos de falta de água quando chega no meio do ano para frente”, completa.