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Barragens interditadas amedrontam moradores de Itabira

Depois que Justiça deu 10 dias para que Vale ateste segurança em diques ou remova moradores da área de risco no município, apreensão e insônia viraram rotina em comunidades ameaçadas


postado em 22/03/2019 06:00 / atualizado em 22/03/2019 08:02

Maria Terezinha Vieira Castro, dona de casa de 60 anos: 'Tenho problemas de saúde. Então, penso que não daria tempo de fugir. O certo seria a Vale, que inventou essas barragens no meu quintal, comprar minha casa e me deixar em paz'(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Maria Terezinha Vieira Castro, dona de casa de 60 anos: 'Tenho problemas de saúde. Então, penso que não daria tempo de fugir. O certo seria a Vale, que inventou essas barragens no meu quintal, comprar minha casa e me deixar em paz' (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


O medo tornou-se companheiro para moradores que vivem abaixo do Dique Cinturão Bela Vista, da Mineradora Vale, em Itabira, na Região Central do estado. Esse represamento, ao lado do Dique Minervino, no mesmo complexo minerário, chamado Pontal, parte da Mina Cauê, foi interditado pela Justiça no último dia 16, em atendimento a ação proposta pelo Ministério Público de Minas. Desde então, habitantes dos bairros que ficam diretamente abaixo desses reservatórios de rejeitos vivem tempos de incerteza, sem saber se terão de deixar suas casas às pressas, como já ocorreu em seis municípios mineiros, cinco deles devido a barramentos da mesma mineradora. Segundo a decisão judicial, da 1ª Vara Cível da comarca, caso a companhia não consiga em até 10 dias garantir a solidez de suas estruturas, deverá retirar a população de comunidades ameaçadas.

Para uma das habitantes desses bairros, a dona de casa Jeane Cristina de Souza, de 36 anos, o medo de ver uma barragem crescer bem em frente de casa só foi ultrapassado pela constatação de que a estrutura de mais de 35 metros estava também afetando a moradia. “Apareceram trincas no muro e nas paredes da casa. Todas novas, porque antes não tinha tanto movimento na mina. Estamos passando momentos em que nem dormimos direito. Ficamos preocupados de descer tudo em cima da gente. Está muito pertinho”, disse.

Outra moradora, a dona de casa Maria Terezinha Vieira Castro, de 60, confirma que a insônia se tornou um problema frequente. “Estamos passando momentos terríveis, com muito medo. Esses dias tivemos chuvas pesadas, e foi pior ainda. E a Vale não dá nenhuma satisfação. É como se a gente aqui não importasse, mas somos vizinhos deles”, reclama. Ele ressalta que nunca ouviu a sirene soar na vizinhança. Mas completa que, se tocasse, não saberia o que fazer. “Sei que sairia correndo e procurando olhar as placas. Se ia dar tempo de escapar, só na hora para saber. Tenho problemas de bursite, de coração e de pressão. Então, para mim, penso que não daria tempo. O certo seria a Vale, que inventou essas barragens no meu quintal, comprar minha casa e me deixar em paz. Tudo isso é culpa da ganância da mineradora”, desabafa. 

DESINFORMAÇÃO
A professora Cristina de Fátima Ferreira, de 42, espera há muito tempo a desapropriação dos imóveis do bairro. “O que a Vale deveria ter feito, e que não fez até hoje, é desapropriar. Agora que o perigo está maior, a empresa veio com esse papo de desapropriação, mas não sei se vai ocorrer mesmo. Falaram que se tocasse a sirene era para seguir as placas, mas nunca treinei para isso. Até hoje, só colocaram as placas (alertando sobre o perigo e instruindo sobre as rotas de fuga), mas não disseram como deveríamos fazer. Estamos a menos de 150 metros da barragem, então, se estourar, acho que não teríamos nem tempo de correr. Idosos e crianças não conseguiriam sair a tempo”, avalia.

Uma das situações que trazem mais terror para as comunidades abaixo das barragens é a falta de informações, inclusive quando ocorrem vazamentos relatados por eles. “Quando chove, a gente morre de medo. Já teve vezes que, depois da chuva, a água desceu da barragem e levou as coisas de dentro da casa da minha mãe e da minha avó”, disse a moradora Jeane Cristina de Souza, de 42. “Todas as vezes que sobem essa barragem (prática conhecida como alteamento) é um sufoco para a gente. Antes era baixinha, agora está mais alta que todas as casas. E essas obras vão também estourando as nossas paredes e telhados, por causa das vibrações”, afirma o servente de pedreiro Alisson Henrique de Souza, de 32.

O motorista Reinaldo Duarte se queixa da falta de orientação. Ex-funcionário da Vale, José Barbosa, de 80 anos, diz não reconhecer mais a companhia(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
O motorista Reinaldo Duarte se queixa da falta de orientação. Ex-funcionário da Vale, José Barbosa, de 80 anos, diz não reconhecer mais a companhia (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


O motorista Reinaldo Santos Duarte, de 40, é outro que diz não saber como agir, perdido entre tantos alertas não oficiais. “A gente nem sabe o que pensa, Toda hora vem uma informação diferente. Não sabemos o que pode ou não acontecer. Precisava de alguém nos trazer essa informação, para não virar um pânico. Há alguns dias vieram funcionários da Vale avisando que, se a sirene tocasse, era para correr, mas a gente ainda nem sabe direito o que fazer. Pediram para ficarmos atentos e nos reunir no ponto de encontro”, contou. Como muita gente na cidade que cresceu junto da companhia (leia abaixo), o aposentado José Barbosa de Souza, de 80, trabalhou a vida inteira na Vale. Hoje, diz não reconhecer mais a empresa. “Agora estou do outro lado. Antigamente, a gente não tinha sequer medo dessas barragens. Mudou demais. Agora, estamos apavorados”.

O Estado de Minas procurou a Vale para que se manifestasse sobre a situação das barragens alvo de ação judicial na cidade de Itabira, mas a empresa se limitou a informar que terá hoje reunião com representantes da Defesa Civil estadual para tratar de assunto relativo ao Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), que lista intervenções em caso de situações de risco nas represas. 

Município denuncia 25 anos de omissão 


Enquanto prossegue indefinida a situação em parte do complexo minerário da Vale, a Prefeitura de Itabira decidiu cobrar na Justiça uma dívida ambiental da empresa que está pendente há 25 anos. O Judiciário foi acionado para obrigar a mineradora a cumprir acordo firmado com o município com a intenção de evitar a degradação do meio ambiente. Nenhuma das 12 medidas assumidas em 1994 foi cumprida, segundo o Executivo municipal.

As ações foram definidas em acordo judicial, cuja homologação transitou em julgado em 10 de outubro de 1994. A mineradora se comprometeu a executar diversas medidas, como monitoramento de água, do índice de partículas do ar (poeira) e dos parâmetros climatológicos, adotar sistema de detonações programadas e irrigação das estradas das minas. Também tinha como obrigação adotar medidas para minimizar a dispersão de pó de minério a partir de suas instalações e meios de transporte, além de fazer a recomposição vegetal de taludes. Estava no planejamento ainda implantar e conservar o cinturão verde, o Parque Ecológico do Itabiruçu e o Projeto Itabira Verde Novo.

A ação também cita a multa diária, fixada na época em R$ 50 mil, que o município pretende executar posteriormente, “após o reconhecimento judicial da inexecução do acordo”. “Ocorre que a Vale não cumpriu as obrigações permanentes pactuadas, motivo pelo qual o ente público ajuíza este cumprimento de sentença, contendo, inclusive, recente relatório técnico elaborado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente”, afirma na ação o procurador-geral do município, Leonardo de Souza Rosa.

O processo corresponde a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra a mineradora em 2003. Ele foi desarquivado no fim do ano passado e a Procuradoria-Geral do Município cobrou a movimentação dos autos, informou a Prefeitura de Itabira, por meio de sua assessoria de imprensa. Procurada pelo EM, a Vale informou que não foi notificada da ação.


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