O consultor Luís Márcio Vianna, de 68 anos, chegou ao Anchieta, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na década de 1950, quando ainda era necessário desbravar o inóspito bairro, conhecido no início da capital como Colônia Adalberto Ferraz. Desde então, cultivou relações de afeto com moradores, ilustres ou nem tanto, e frequentou bares e pontos culturais, que alimentam a cena artística da capital. As lembranças guiaram Luís na escrita do livro Anchieta (Conceito Editorial), 32º título da coleção BH –A cidade de cada um, que será lançado amanhã na padaria Pão e Cia, no próprio bairro.
Entre idas e vindas, Luís Márcio soma 61 anos vivendo no Anchieta, o que o permitiu conhecer cada esquina como a palma da própria mão. Para apresentar o bairro que tanto ama, fez o livro no formato de um “guia da vida prática”, em que apresenta as 36 ruas do bairro. Os capítulos recebem o nome das vias ou de esquinas importantes.
O escritor convida o leitor para, como um flâneur, caminhar descompromissado pelas ruas, a melhor forma de entender a alma do bairro. “O afeto guia minha escrita. Misturo a vida prática às minhas melhores lembranças”, revela. Apesar da vivência de seis décadas, para a escrita do livro, Luís Márcio voltou às ruas, tomando nota de personagens e da vida cotidiana.
Para Luís Márcio, o bairro já não é o mais o que conheceu na infância, quando participava de peladas com os meninos da vizinhança no campo de futebol aberto à enxada pelos próprios moradores. “Não tem nada da minha infância. O bairro foi invadido pela especulação imobiliária. Hoje só temos prédios e asfalto. Não tem nenhuma área onde se pode fazer um campinho de futebol.” Apesar dessas mudanças, acredita que o Anchieta mantém o charme.
Ele compara o bairro com Copacabana, no Rio de Janeiro, por abrigar pessoas mais velhas. “Hoje, o Anchieta é um retrato de Copacabana: idosos, pessoas que passeiam com os cachorros, famílias com os meninos e meninas novos” afirma. Destaca ainda a qualidade de vida na vizinhança. “Tem tudo perto. Se você quer um botequim, encontra. Tem agência bancária, lavandaria. A parte de serviço é muito desenvolvida. Sempre escolheria morar aqui”, diz.
Da época em que jogava futebol no campo de terra, Luís Márcio se lembra da “moça mais bonita do bairro naquela época”, que morava na Rua Montes Claros. A beldade que chegou a receber o título de Glamour Girl, concedido pelo colunista do jornal Estado de Minas Eduardo Couri, era Elke Georgievna Grunnupp, a Elke Maravilha. “Ela gostava de tomar banho de sol na casa dela, até com o vento a favor. A meninada ia ao campo e ficava observando”, recorda-se.
O Anchieta irradia cultura para todo Brasil ao acolher um das mais importantes referências de dança contemporânea do país, o Grupo Corpo. “A sede do Grupo Corpo, com seu time permanente e atuante de dança, com sua escola e com a cabeça criativa dos Pederneiras, seus criadores e administradores, é o principal núcleo artístico do bairro”, escreve.
Outro ponto cultural destacado pelo escritor é um estabelecimento inusitado, a padaria Pão e Cia. “Todo esse pessoal que faz literatura, teatro, música clássica frequenta a Pão e Cia que, mais que uma padaria, é um centro cultural. Rodrigo Moura, que foi curador do Masp e Inhotim, é frequentador da padaria”, afirma Luís Márcio. “Aqui (na Pão e Cia) tudo é bom”, diz. O escritor lembra saudoso do fundador da padaria, Hélio Valadão. “Era um gênio. Um cara muito interessante, que estudou direito e depois economia na Face (Faculdade de Ciência Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais), na mesma época que eu.”
CARACTERÍSTICAS Entre as centenas de moradores, o escritor destaca o casal de proprietários de restaurante de comida caseira, dona Arlete e seu Orlando. Fala de Ana Maria, professora aposentada que passeia com o cachorro Bartô; Branca Maria de Paula, principal escritora do bairro, e do motorista de táxi Elci, que Luís conhece desde menino.
Luís Márcio não deixa de fora da narrativa personagens que tiveram projeção nacional como Paulo Haddad (ministro do Planejamento e da Fazenda do governo Itamar Franco) e José Carlos Carvalho (ministro do Meio Ambiente no governo de Fernando Henrique Cardoso). “São homens comuns, que convivem aqui no bairro.” O livro também faz referência ao Parque Julien Rien, descrito como um oásis. “Temos no parque a melhor ball de BH para quem gosta de skate”, diz o consultor.
O Anchieta faz divisa com os bairros Carmo, Sion, Cruzeiro e Mangabeiras. “É um bairro jeitoso, mas é um bairro de classe média. Não tem ninguém rico aqui”, pondera. Das famosas esquinas, elegeu o encontro da Rua Pium-í com a Rua Montes Claros, na divisa com o Carmo, para a foto que estampa a capa do livro. “É a esquina mais internacionalizada do Anchieta, onde temos bares de todas as nacionalidades e para todos os gostos. Temos botequins de todo jeito. É uma espécie de Via Veneto”, diz em referência a uma das mais famosas vias de Roma, na Itália.
SERVIÇO
Anchieta
- Luís Márcio Vianna
- Conceito Editorial
- 88 páginas
- R$ 25
- Lançamento do 32º título da coleção BH. A cidade de cada um, de Luis Márcio Vianna. Padaria Pão & Cia, Avenida Francisco Deslandes, 41, no Anchieta. Amanhã, das 11h às 14h. Entrada franca