Jornal Estado de Minas

Auxílio polêmico pago até a condomínios leva polícia a temer aumento de fraudes em Brumadinho



Uma lista de questões sociais a negociar e, por enquanto, mal saiu do papel o que é considerado emergencial. Depois de definido na Justiça o pagamento de auxílio de emergências a todos os moradores de Brumadinho – atingidos ou não pelo desastre da barragem de Córrego do Feijão e independentemente da classe social –, o Ministério Público de Minas Gerais calcula que apenas 2% dos benefícios tenham sido pagos pela Vale. Até o dia 29 do mês que vem, postos serão abertos para atendimento à população e entrega da documentação. E a compensação, com previsão de atingir cerca de 40 mil pessoas, já começa cercada de polêmica: de um lado a extensão do benefício a moradores de condomínios de alto padrão da cidade, bem distantes da área atingida, tem gerado controvérsia; de outro, a Polícia Civil já prevê uma disparada nas tentativas de fraude, por parte de estelionatários de olho no pagamento, que ocorrerá durante 12 meses.



A Vale começou a pagar os auxílios emergenciais no último dia 16, a moradores do Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, comunidades mais afetadas pelo rompimento da barragem. Nesta semana, deu início ao cadastramento dos demais moradores da cidade. Essa indenização, homologada na Justiça, pode ser solicitada por todos os moradores do município – e também de áreas distantes até um quilômetro do leito do Rio Paraopeba a partir do ponto atingido pela lama até a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, em Pompéu.

Conforme decidido em audiências na 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual, a mineradora terá que pagar um salário mínimo por adulto, meio salário mínimo por adolescente e um quarto de salário mínimo por criança para todos os moradores da cidade, o que inclui condomínios de alto padrão, um dos pontos fortes do município, distantes da área atingida. Esses pagamentos, no entanto, são diferentes dos valores recebidos por parentes de pessoas que morreram na tragédia, por pessoas que perderam as casas no lamaçal e por quem teve a atividade produtiva prejudicada em razão do tsunami de rejeitos.

Segundo a Vale, até o momento, 269 famílias de vítimas em Brumadinho receberam, cada uma, R$ 100 mil; 91 donos de imóveis residentes da Zona de Autossalvamento, a mais próxima à barragem, receberam R$ 50 mil; e 70 pessoas que tiveram seus negócios afetados pelo rompimento receberam R$ 15 mil.





O prefeito de Brumadinho, Nem da Asa, esteve recentemente em dois condomínios, Retiro das Pedras e Retiro do Chalé, e disse ao Estado de Minas que recebeu manifestações de algumas pessoas que querem abrir mão dos valores mensais emergenciais. “É uma situação que foi definida pela Justiça. Eu acho que aqueles que não quiserem receber devem encaminhar esses valores para alguma instituição de caridade ou fazer uma doação do jeito que acharem melhor. A Vale cometeu um crime na nossa cidade e, direta ou indiretamente, todos foram afetados”, afirma o chefe do Executivo municipal.

No caso do Retiro das Pedras, o condomínio já está se mobilizando para recolher a documentação daqueles moradores que quiserem solicitar o recebimento dos recursos, para enviar ao posto de recebimento da Vale. Um ofício foi encaminhado pela administração aos condôminos com as orientações sobre quais documentos providenciar.

Via assessoria de imprensa, o Ministério Público pontuou que para concessão do pagamento considerado emergencial pesa a questão de a tragédia ter afetado a economia de Brumadinho como um todo, e dificultado principalmente a locomoção entre comunidades. O MP defende que os pagamentos de agora não devem ser considerados como futuras indenizações individuais, diferente do que pensa a mineradora, e por isso essa discussão terá que ser definida pela Justiça. A intenção é que a reparação final ocorra levando em consideração a situação de cada pessoa.



Morador do Córrego do Feijão há 17 anos, o almoxarife Adilson Lopes Silva, de 35 anos, ainda procura pelo pai, Levi Gonçalves, que trabalhava na limpeza de vagões de minério e até hoje não foi encontrado. Além de atingir em cheio a família de Adilson do ponto de vista psicológico, a tragédia também prejudicou a questão econômica, já que parte dos ganhos mensais saía da horta que a mulher dele, a agricultora Juliana Cardoso Gomes Silva, de 37, cultivava. Agora, ela não tem mais para quem vender.

A situação é bem diferente de locais distantes da mancha de inundação da barragem, onde moram pessoas de alto poder aquisitivo. “Eu penso que deve haver uma diferenciação na reparação final para os atingidos em relação a quem não foi diretamente afetado. Esperamos que uma assessoria técnica especializada discuta cada parte dessa forma. Neste momento de pagamentos emergenciais, enxergo mais como punição para a Vale (as indenizações a todos os moradores) em virtude do tamanho do desastre”, diz ele.

O Condomínio Retiro das Pedras publicou em seu site uma nota sobre o caso informando que não tem responsabilidade nos acordos para pagamento de indenizações aos habitantes do município de Brumadinho, firmados entre a Vale, a prefeitura, Ministério Público e as Defensorias Públicas do Estado e da União. 





“Informamos que, o Condomínio na data de 23 de março de 2019, atinente ao seu lados institucional, apenas concedeu, após pedido do prefeito de Brumadinho, espaço para que ele pudesse apresentar e explicar aos moradores os detalhes do pagamento das indenizações negociadas com a Vale, uma vez que o Condomínio está localizado dentro do município.

Segundo o condomínio, na ocasião o prefeito de Brumadinho disse que a eventual indenização pela mineradora é exclusiva e pessoal ao morador do município que queria receber, “inclusive aos moradores dos condomínios que fazem parte do município”. 

“Sendo assim, reafirmamos que o Condomínio Retiro das Pedras é um condomínio tradicional e prima pela excelência de seu nome. E não concordará com qualquer indicação de que está recebendo privilégios em detrimento de outrem”, enfatiza a nota. 




 

Promotor: ‘Recursos e dinheiro distintos’


O promotor de Justiça André Sperling explica que o auxílio emergencial nada tem a ver com as indenizações futuras aos atingidos diretamente. “A população de Brumadinho inclui ricos e pobres. O município como um todo foi atingido. A pessoa que perdeu a casa não tem relação com quem mora no Retiro das Pedras. O fato de a pessoa que mora no condomínio receber não terá influência nos direitos de um morador de classe social mais baixa ou que teve dano em sua propriedade. São recursos distintos e direitos distintos”, afirma.

Não há prazo para o término do pagamento e a rotina seguirá o fluxo de demandas. Como praxe, são 20 dias para ter o dinheiro em mãos. Depois de entregar o formulário, o beneficiário aguarda 10 dias para a resposta da Vale e, depois, mais 10 para receber. “O pagamento desses auxílios é só o início. A situação dos agricultores, da água, da saúde de quem teve contato com a lama são algumas das muitas discussões que precisam avançar”, diz o representante do MP.

A Vale informou apenas que os valores foram definidos em acordo judicial, com base em critério geográfico e acertado entre a mineradora, a Advocacia-Geral de Minas Gerais, a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público, do estado e federal, e a Defensoria Pública, em Minas Gerais e da União. Segundo a empresa, um cronograma está sendo seguido desde o início dessa semana para cadastrar os moradores de Brumadinho.

O cadastramento do restante da comunidade de Brumadinho e das demais cidades cortadas pelo Rio Paraopeba começou a ser feito na segunda-feira e o calendário de atendimento de cada comunidade está disponível em www.vale.com/brumadinho. (Colaborou Cristiane Silva)





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