Jornal Estado de Minas

Alerta de barragens

Cidades mineiras fazem simulado de evacuação para rompimento de barragem

- Foto: Marcos Vieira/E.M/D.A Press

As sirenes voltaram a tocar. Mas, dessa vez, para treinar as pessoas que podem ser atingidas pelo rompimento de barragem. A elevação do nível de risco das barragens B3/B4, em Macacos (Nova Lima), e Forquilhas 1 e 3, em Ouro Preto, para o estágio de pré-rompimento fez com que este domingo fosse marcado por centenas de pessoas deixando suas casas.

 

O treinamemto foi feito pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). Em Honório Bicalho, comunidade de Nova Lima, assim como em Macacos, a lama demoraria 1h03  para chegar em caso de rompimento da B3/B4. Lá, foram sete pontos seguros, distribuídos pelos bairros Honório Bicalho, Santa Rita e Alto do Gaia. Cerca de 4,3 mil cidadãos vivem neste território.

 

Outra localidade atingida pela B3/B4, a cidade de Raposos, na Grande BH, também terá nove pontos de encontro. Eles estão divididos entre os bairros Matadouro 1, Matadouro 2, Vila Bela, Praça da Estação, Morro das Bicas, Várzea do Sítio, Recanto Feliz, Barracão Amarelo, Retirinho e Ponte de Ferro, além do Centro do município.

 

Assim como em Raposos, Itabirito, na Região Central de Minas, pretende reunir 4,3 mil moradores no treinamento. Serão 14 estações seguras na cidade, que seria atingida em 1h36 em caso de ruptura da barragem Forquilha 1 e 3h20 no caso de Forquilha 3.

Ambas represas estão na Mina de Fábrica, da Vale.

 

As barragens já estavam em nível 2 desde 20 de fevereiro, o que culminou na necessidade de evacuar regiões em Ouro Preto e Nova Lima. Nessa quarta-feira, a situação dos reservatórios mudou. Passou para o nível 3 – o último da escala de risco, que significa risco iminente de ruptura.

 

Moradores relatam medo  

Presente na simulação, Maria Vitória da Silva, doméstica, de 75 anos. Ela é moradora de Honório Bicalho há 48 anos, região "bem pertinho da barragem", conta.  "Após a sirene, conseguimos chegar aqui num tempo razoável, graças a Deus. O som está bem alto, dá para ouvir. Ainda assim, ficamos com medo de não acordar, de não conseguir pegar os remédios a tempo", descreve.  

 

Na simulação, apenas trancou a porta e deixou a casa. No entanto, a família de dona Maria Vitória divide um mesmo terreno.

Ou seja, em caso de rompimento, ela teme por todos. "Tenho medo de não acordar se acontecer à noite. Como sou a que mora mais perto da estrada, numa situação dessa teria que acordar todo mundo. E temos sempre que deixar alguma janela, alguma coisa aberta para ouvir. Aqui era um lugar tranquilo demais. Agora, a Vale fez um negócio desse com a gente. Mudou muito a rotina", lamenta. 

 

 

 

Katerine Santos, 29 anos, recepcionista, revela que o filho de três anos, que faz tratamento contra convulsões, é uma preocupação a mais em caso de rompimento. "Ele estuda na creche e seria levado para outro ponto de encontro.

Caso ocorra a lama vou ficar desse lado e as crianças lá, ilhadas". Ela também se queixa da troca de lugar de um dos pontos de encontro. E diz que o risco de rompimento acabou com o sossego da família. "Vivo de mala pronta. Meu filho toma remédio controlado toda noite. Minha preocupação é: se estourar, o que farei com ele? Sem roupa, sem fralda, sem mamadeira. Hoje mesmo vou deixar uma pasta e uma troca de roupa prontas. A gente não dorme mais direito, qualquer barulinho assusta. A polícia passa e a gente assusta. Perdemos o sossego."   

 

Denise Ferreira Mendes, 57 anos, cabeleireira, mora em Honório Bicalho há 16 anos e gastou cerca de 20min para chegar ao ponto de encontro.

"Nunca havia passado por isso, vivendo sob suspense. Quando vou deitar para dormir vêm uns fleshes à mente, e você não sabe se está dormindo ou acordado. Por causa do emocional abalado, né?".

 

A preocupação também é com o lugar, as histórias de cada casa, de cada morador, conta ela. "Fiz um jardim, com a minha cara. E tudo que eu conquistei vai ser perdido? Vai acabar tudo que eu construi com muita luta, carinho e amor?" A moradora diz estar triste por ela, pelo lugar, pela irmã, que sofre de pressão alta, por todos. Teme por pessoas que não tem mobilidade. Ela mesma vai operar o joelho. E se pergunta: "Como é que você vai trabalhar e deixa um filho para trás? Se acontecer, você vai retornar para onde?" 

 

 

Apesar de aprovar a realização do simulado, a decepção e a incerteza permanecem. "Vim com uma tristeza muito grande. Essa situação toda dá um aperto no peito, as pernas ficam bambas.

Vi minha irmã, que tem pressão alta, passando mal, uma outra parente passando mal. Por que o melhor seria que não estivesse acontecendo tudo isso". 

 

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