A crise das barragens desencadeada pela tragédia de Brumadinho exerce pressão que preocupa ambientalistas e enche de dúvidas o futuro do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque, por um lado, o rompimento da barragem da Vale inviabilizou a captação direta no Rio Paraopeba, inaugurada em dezembro de 2015 em caráter emergencial, que veio para resolver o até então risco de desabastecimento que existia na época.
Em outra frente de preocupação está o Rio das Velhas, manancial que fornece metade da água para a Grande BH e aparece na rota da lama de possíveis rompimentos de outras barragens da Vale em Nova Lima e em Ouro Preto, que tiveram o fator de risco elevado para o nível 3, o máximo indicativo de ruptura.
Soma-se a esse cenário uma ameaça ao curso d’água que alimenta a maior represa de abastecimento da Grande BH. O rompimento de uma barragem da Arcelor Mittal, em Itatiaiuçu, que também teve fator de risco elevado, só que para o nível de alerta 2, levaria lama até o Rio Manso e, assim, contaminaria o reservatório que faz parte do Sistema Paraopeba.
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Segundo a Copasa, essa fonte abastece cerca de 2,4 milhões de pessoas, o que corresponde a 48% da região metropolitana. Os outros 2,6 milhões ficam a cargo do Sistema Paraopeba, que atende 52% da mesma região.
Se, por um lado, a situação preocupa pelo risco de novos desastres, ela também é complicada pela tragédia que já ocorreu. A lama da barragem da Vale de Brumadinho elevou a turbidez da água e inviabilizou a captação que funcionava diretamente no Rio Paraopeba desde dezembro de 2015, responsável por sugar 216 milhões de metros cúbicos de água em três anos e um mês. Foi essa captação, que custou R$ 128 milhões aos cofres públicos, que garantiu à Copasa a solução para a crise de abastecimento que se aproximava do racionamento em 2015.
CAUTELA
Mais de dois meses depois do rompimento, a situação ainda é incerta e o momento é de manter a cautela, segundo a diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marília Melo. O órgão monitora a qualidade da água ao longo do Rio Paraopeba e aponta que a turbidez, quantidade de sólidos em suspensão, ainda é bastante elevada.
Na amostra colhida em 18 de março, o resultado para turbidez apontou 978 unidades, parâmetro marcado pela sigla NTU. O permitido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para o abastecimento humano é de 100NTU, segundo o Igam. “Como a captação está mais próxima do local do rompimento, a gente vê que o comprometimento da qualidade da água é maior nesse ponto. Ainda é realmente muito instável essa questão, porque qualquer novo aporte de rejeito muda os parâmetros. Por isso, deve haver cautela nessa recomendação de uso da água”, diz a diretora.
Chuvas ainda podem revolver os sólidos depositados no fundo do rio, além de carrear sedimentos do Ribeirão Ferro Carvão, curso d’água praticamente soterrado com o rompimento. Apesar de o problema persistir, é importante destacar que, quando houve o aporte de lama, em 25 de janeiro, o índice de turbidez chegou a 63 mil NTU, o que mostra que há uma redução considerável.
Em fevereiro, o diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli, disse que, em períodos de chuva forte, já era comum verificar até 3 mil NTU, mesmo antes do rompimento da barragem, o que gerava a interrupção da captação. No mês passado, antes de a pressão aumentar pela elevação do risco em outras barragens, Perilli disse que a água só será retirada novamente se houver aval dos órgãos de controle.
Com a barreira imposta ao Rio Paraopeba e o risco rondando o Rio das Velhas, sobrariam apenas os três reservatórios do Sistema Paraopeba livres de ameaças, não fosse a barragem da Arcelor Mittal também ter o fator de risco elevado para o nível 2, o que indica estágio de alerta. Em caso de rompimento desse reservatório, a onda de lama chegaria até o Rio Manso, manancial formador da maior represa do sistema, que, ontem, acumulava 113 milhões de metros cúbicos de água, o que equivale a 76% da capacidade do reservatório. Segundo a Arcelor, a empresa vem trabalhando com a Copasa linhas de atuação conjunta relacionadas ao Rio Manso.
Em nota, a Copasa informou apenas que “desde o primeiro momento após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25/1, tem mantido entendimentos com a Vale, com órgãos públicos ambientais, com o Ministério Público Estadual, com a Advocacia-Geral do Estado, entre outros órgãos estaduais, com o objetivo de avaliar as possibilidades de minimização dos impactos ocorridos.
MONITORAMENTO
Por sua vez, a Vale afirma ter adotado medidas e que tem um plano de ação em discussão com órgãos competentes para assegurar a continuidade do abastecimento de água para toda a Grande BH. Segundo a empresa, estudos apontam que o rio pode ser recuperado e os sedimentos foram classificados como não perigosos à saúde. “Desde o ocorrido, em 25 de janeiro, a empresa iniciou detalhado monitoramento do rio, com coletas de amostras diárias de água, solo e avaliação dos níveis de turbidez.
Atualmente, são 65 pontos de monitoramento em pontos acima do local do rompimento da B1, no córrego Ferro Carvão, nos rios Paraopeba e São Francisco, nos reservatórios das usinas de Retiro Baixo e Três Marias, além de outros oito rios tributários do Paraopeba. “Lamentamos profundamente o ocorrido, mas faremos tudo o que for necessário para recuperar a bacia do Rio Paraopeba, pois bem sabemos que isso é possível”, afirma Gleuza Jesué, gerente executiva de Gestão Ambiental da Vale.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Marcus Vinícius Polignano
presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e coordenador do projeto Manuelzão, da UFMG
Ausência de políticas públicas
“A crise das barragens a partir do rompimento de Brumadinho revela situação de fragilidade e de ausência de políticas públicas sobre a questão da mineração e do abastecimento de água. O desastre mostrou como todo esse processo foi se dando à revelia da sociedade e, de repente, esse baralho de cartas desmoronou.
Pressão sob a água da Grande BH
Veja ameaças sob as captações que atendem à região metropolitana
Rio das Velhas
Barragem B3/B4 – Macacos/Nova Lima
Reservatório da Vale com 1,8 milhão de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 3 de segurança, que caracteriza emergência
Barragens Forquilha I e III – Ouro Preto
Reservatórios da Vale que somam mais de 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresentam o nível 3 de segurança, que caracteriza emergência
Barragem Forquilha II – Ouro Preto
Reservatório da Vale com 20,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta
Barragem de Vargem Grande – Nova Lima
Reservatório da Vale com 9,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta
Essas cinco barragens foram construídas no método mais perigoso, de alteamento a montante, e estão no Alto Rio das Velhas. Um possível rompimento levaria lama até o manancial antes da captação da Copasa de Bela Fama, que atende metade da Região Metropolitana de BH
Rio Paraopeba
A captação de 5 mil litros de água por segundo diretamente no Rio Paraopeba está parada desde 25 de janeiro, em consequência da lama que foi despejada da barragem da Vale em Brumadinho. Não há previsão de retomada
Reservatório Rio Manso
Barragem da Mina Serra Azul – Itatiaiuçu
Reservatório da Arcelor Mittal com 5,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta
Um rompimento deste reservatório levaria lama até o Rio Manso, curso d’água formador da maior represa integrante do Sistema Paraopeba, responsável pelo abastecimento de metade da Grande BH.