Cidade onde a história se junta às tradições e a fé ilumina a cultura, Ouro Preto, na Região Central, vai “ressuscitar” na semana santa uma procissão dos tempos coloniais, da qual não há registro há um século, de acordo com pesquisas da Igreja. Além do cortejo, denominado Procissão do Fogaréu, para o dia 18 (quinta-feira), há mais novidades na programação, que, este ano, está a cargo do Santuário Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias. No dia 16 (terça-feira), a imagem de Nossa Senhora das Dores vai parar em cada um dos passos da Paixão, ao som de motetos (cânticos em latim), o que também não ocorria há décadas. “Estamos fazendo um resgate histórico, reavivando esses momentos do sofrimento de Cristo”, afirma o reitor do Santuário Nossa Senhora da Conceição e titular da paróquia, o cônego Luiz Carlos César Ferreira Carneiro.
Com saída da Igreja São Francisco de Assis, às 23h, após a cerimônia de lava-pés, a Procissão do Fogaréu seguirá em direção à Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões (Mercês de Baixo), de onde sairá a imagem de Jesus Flagelado rumo à Igreja Nossa Senhora das Dores. “Não sabemos por que a tradição do século 18 foi interrompida, mas retomá-la é importante. Ressaltando que, em Minas, a liturgia difere do caráter devocional, cônego Luiz Carlos explica que o cortejo recorda o momento da prisão de Cristo.
Com túnicas e capuz, o grupo, que sairá da Igreja São Francisco de Assis, vai carregar tochas durante toda a procissão. “Vamos tomar todos os cuidados, inclusive obedecendo às orientações do Corpo de Bombeiros, pois Ouro Preto tem um patrimônio tombado no Centro Histórico. Dessa forma, não serão tochas muito grandes, como ocorre em outras cidades, a exemplo de Goiás. E também o fogo ficará restrito às ruas, sem entrar nos ambientes fechados”, conta o cônego.
Em Ouro Preto, a procissão do Encontro entre Jesus e Maria ocorre no domingo de Ramos, na Praça Tiradentes – em seguida, a imagem de Nossa Senhora segue para a Basílica Nossa Senhora do Pilar. Um dos momentos do resgate histórico será na terça-feira, após a missa das 19h, no Pilar, quando os católicos acompanharão a Procissão da Soledade de Nossa Senhora, conduzindo a imagem de Nossa Senhora das Dores e “revivendo a tradição de percorrer os passos da Paixão até a Igreja São Francisco de Assis. “Soledade significa extrema solidão acompanhada de profunda tristeza e angústia. Assim, surgiu o costume da procissão da Soledade, que revive o caminho de Nossa Senhora de volta do sepulcro, onde depusera o corpo de seu filho”, explica o cônego.
IRMANDADES De acordo com pesquisas, há referência sobre a procissão do Fogaréu na documentação de algumas irmandades e alguns relatos citam o cortejo como de responsabilidade principal das extintas do Bonfim, dos Passos e das Santas Almas, com participação da Ordem Terceira do Carmo, em cujo templo também se realizava o culto da Via Sacra nos Passos. A irmandade do Bonfim, inteiramente formada por militares, foi extinta por ordem do comandante dos dragões das milícias, em 1801, coronel Pedro Afonso Galvão de São Martinho, substituto do tenente-coronel Francisco de Paula Freire Andrade, um dos inconfidentes de Vila Rica. Outra hipótese é que a procissão do Fogaréu também se realizasse na capela de São Miguel e Almas.
Em seus últimos anos, no início do século 20, a procissão era realizada quase que inteiramente pelos Irmãos de Sant’Ana, da Santa Casa de Misericórdia, de onde saía, na quinta feira, descendo a ladeira de São Francisco de Paula, após as 22h, ficando as igrejas abertas à visitação madrugada adentro. À frente ia o estandarte com a insígnia SPQR (O Senado e o Povo Romano) e, numa parada na Matriz do Pilar, era encenada a prisão de Cristo.