O risco oculto em barragens de mineração espalhadas por Minas Gerais é ainda maior do que se temia. Na noite de ontem, a Agência Nacional de Mineração anunciou que o estado concentra 13 das 17 represas de rejeitos do país que tiveram a Declaração de Controle de Estabilidade (DCE) negada por auditores independentes. Das estruturas localizadas em Minas, 10 pertencem à Vale (veja mapa), e tiveram seu nível de risco fixado em 1, em uma escala de 3. Elas se juntam às sete da mesma companhia que já haviam tido mudança no status de segurança. As demais sem segurança atestada em território mineiro pertencem à ArcelorMittal, à Nacional Minérios S/A (Grupo CSN) e à Mosaic Fertilizantes S/A. Com ações já em trâmite contra mineradoras exigindo a garantia de segurança das represas, o Ministério Público de Minas Gerais deve propor outras nas cidades em que a integridade dos reservatórios está em xeque. Além da interdição das minas sem segurança garantida, que já ocorrerá por parte do órgão federal, as promotorias locais vão avaliar quais medidas tomar e se haverá necessidade de novas evacuações.
A DCE, documento que permite a manutenção das operações, deveria ser entregue até 31 de março. De acordo com a ANM, além das barragens que tiveram a declaração negada, no país outros 39 reservatórios não tiveram enviada à agência informação sobre a estabilidade das estruturas. Novamente Minas Gerais concentra a maioria das irregularidades, com 23, das quais oito da mineradora Vale. Até o fechamento desta edição, a empresa não havia se pronunciado sobre esses casos.
De acordo com a ANM, a não apresentação da declaração também enseja a interdição imediata da represa de rejeitos. “A interdição compreende o não lançamento de efluentes e/ou rejeitos no reservatório, devendo ser mantida a equipe de segurança de barragens com o fim de preservar a segurança da estrutura”, afirmou o órgão.
Somando-se estruturas com atestado de segurança negado por auditores àquelas cuja declaração não foi enviada à ANM, são 56 barragens em Minas sem garantia de estabilidade. Dessas, 20 pertencem à Vale.
Mais cedo, antes do comunicado da ANM, a Vale informou que para 80 de suas barragens em todo o Brasil foi possível renovar o atestado de estabilidade. Em relação às 17 represas da companhia em Minas com declaração de estabilidade negada, as atividades já estavam interditadas pela elevação dos níveis de risco na Sul Superior (Barão de Cocais); B3/B4 (Macacos, distrito de Nova Lima); Vargem Grande (na mesma cidade); Forquilha 1, 2, 3 e Grupo (Ouro Preto). Na escala de risco, três delas apresentam nível 2 de alerta (Vargem Grande, Forquilha 2 e Grupo) e quatro estão no nível 3 (Sul Superior, B3/B4 e Forquilha 1 e 3), que indica ameaça de ruptura iminente.
Nas outras 10, a não renovação da garantia de estabilidade significou, a partir de ontem, a passagem para nível 1 de alerta, o que, segundo a Vale, não exige evacuação das zonas de autossalvamento – as áreas mais diretamente ameaçadas –, embora as barragens devam ter suas atividades paralisadas. São elas: Dique Auxiliar da Barragem 5, da Mina de Águas Claras; Dique B e Barragem Capitão do Mato, da Mina de Capitão do Mato; Barragem Maravilhas 2, do Complexo de Vargem Grande; Dique Taquaras, da Mina de Mar Azul; Barragem Marés 2, do Complexo de Fábrica; Barragem Campo Grande, da Mina de Alegria; Barragem do Doutor, da Mina de Timbopeba; Dique 2 do sistema de barragens de Pontal, do complexo de Itabira; e Barragem 6 da Mina Córrego de Feijão.
‘NOVA INTERPRETAÇÃO’ A Vale informou que “auditores externos reavaliaram todos os dados disponíveis das estruturas e novas interpretações foram consideradas em suas análises para determinação dos fatores de segurança, com a adoção de novos modelos constitutivos e parâmetros de resistência mais conservadores”. A empresa também sustenta que para garantir a estabilidade das estruturas “está trabalhando com seus técnicos e especialistas de renome mundial em investigações complementares para garantir que o modelo utilizado pelos auditores externos está adequado e já está planejando medidas de reforço para o incremento dos fatores de segurança destas estruturas”.
Já há várias ações judiciais tramitando para garantir a segurança das barragens e da população do entorno, e possivelmente haverá outras – todas pedindo não apenas a interdição das atividades, mas exigindo que se “conserte” o que não vai bem, com possibilidade de retirada dos moradores do entorno, se necessário. Promotores das cidades onde estão as barragens sem estabilidade garantida já foram orientados pela força-tarefa que investiga o rompimento em Brumadinho a analisar os procedimentos que devem ser adotados.
“O rompimento da Barragem B1 de Córrego do Feijão, em Brumadinho, nos mostrou que essas declarações de condições de estabilidade nem sempre condiziam com a realidade. Era uma barragem com condição atestada por auditores e se rompeu”, afirma a promotora Giselle Ribeiro, chefe da Coordenadoria Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural do MP de Minas Gerais e integrante da força-tarefa que investiga a catástrofe em Brumadinho. “O Ministério Público apreendeu documentos e requisitou outros da Vale que demonstraram que a mineradora tinha ciência de que pelo menos 10 estruturas estariam em risco, em padrões não aceitáveis. Todas essas 10 tinham declarações apresentadas para órgãos governamentais, caso da B1 e da B4, que também se rompeu em Brumadinho. Trabalhávamos com oito estruturas que estavam em risco e ainda assim tinham a declaração”, diz.
Ela ressalta que em todos os processos judiciais o MP sustenta que a empresa tinha informação de instabilidade ou risco e não informou aos órgãos de estado competentes. A representante do MP traça uma espécie de linha do tempo para explicar as omissões: em 6 de fevereiro, a Vale, num processo judicial, afirmou que não havia estrutura sua em risco e negou que Vargem Grande estivesse ameaçada. No dia 7, a Barragem Sul de Gongo Soco (em Barão de Cocais) entrou em nível 2 de emergência. “Essa situação não ocorre de um dia para outro”, destaca a promotora.
Em 14 de fevereiro, a Vale novamente negou que mantivesse estrutura em risco. No dia 16, a Mina de Mar Azul (Nova Lima) foi colocada em nível 2 de emergência. Em 20 de fevereiro, a Barragem de Vargem Grande (também em Nova Lima) também foi elevada para o nível 2.
Em 22 de fevereiro, a mineradora volta a afirmar a ausência de riscos em suas estruturas. Em 1º de março, foi cientificada pela auditoria Wall do risco de rompimento da Gongo Soco, alertando para a paralisação das atividades e ameaça iminente de desastre. Em 8 de março, a represa foi interditada pelo MP. No último dia 14, em reunião na Defesa Civil, a Vale voltou a afirmar não enxergar risco em suas estruturas e, no dia 23, recebeu o auto de interdição do Ministério Público do Trabalho (MPT).
PUNIÇÃO Giselle Ribeiro avalia que o cerco aos investigados por Brumadinho, incluindo as prisões, pode ter contribuído para que as auditorias façam agora “um trabalho sério”. “A Vale alega que os critérios mudaram, mas as auditorias têm termos de referência nacionais e internacionais”, diz. “Não significa que elas estejam sendo rígidas pelo fato de negarem os atestados de estabilidade. A Vale coloca como se estivesse havendo perseguição, sendo injustiçada em suas declarações. Inexiste por qualquer órgão do estado perseguição ou vontade de atrapalhar interesses econômicos. Queremos que a atividade econômica seja desenvolvida em segurança e regulada por normas. Não adianta ter desenvolvimento econômico às custas de vidas humanas.”
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que tomará medidas administrativas em relação às condições de estabilidade. “A Semad, como destinatária da informação acerca da condição de estabilidade de barragens no âmbito do licenciamento ambiental, tomará as medidas administrativas necessárias nesses processos, dentro de suas competências. Pode, inclusive, suspender as atividades desses empreendimentos com base no princípio da precaução, de maneira complementar à atuação da Agência Nacional de Mineração, se for o caso”, disse, em nota.
A DCE, documento que permite a manutenção das operações, deveria ser entregue até 31 de março. De acordo com a ANM, além das barragens que tiveram a declaração negada, no país outros 39 reservatórios não tiveram enviada à agência informação sobre a estabilidade das estruturas. Novamente Minas Gerais concentra a maioria das irregularidades, com 23, das quais oito da mineradora Vale. Até o fechamento desta edição, a empresa não havia se pronunciado sobre esses casos.
De acordo com a ANM, a não apresentação da declaração também enseja a interdição imediata da represa de rejeitos. “A interdição compreende o não lançamento de efluentes e/ou rejeitos no reservatório, devendo ser mantida a equipe de segurança de barragens com o fim de preservar a segurança da estrutura”, afirmou o órgão.
Somando-se estruturas com atestado de segurança negado por auditores àquelas cuja declaração não foi enviada à ANM, são 56 barragens em Minas sem garantia de estabilidade. Dessas, 20 pertencem à Vale.
Mais cedo, antes do comunicado da ANM, a Vale informou que para 80 de suas barragens em todo o Brasil foi possível renovar o atestado de estabilidade. Em relação às 17 represas da companhia em Minas com declaração de estabilidade negada, as atividades já estavam interditadas pela elevação dos níveis de risco na Sul Superior (Barão de Cocais); B3/B4 (Macacos, distrito de Nova Lima); Vargem Grande (na mesma cidade); Forquilha 1, 2, 3 e Grupo (Ouro Preto). Na escala de risco, três delas apresentam nível 2 de alerta (Vargem Grande, Forquilha 2 e Grupo) e quatro estão no nível 3 (Sul Superior, B3/B4 e Forquilha 1 e 3), que indica ameaça de ruptura iminente.
Nas outras 10, a não renovação da garantia de estabilidade significou, a partir de ontem, a passagem para nível 1 de alerta, o que, segundo a Vale, não exige evacuação das zonas de autossalvamento – as áreas mais diretamente ameaçadas –, embora as barragens devam ter suas atividades paralisadas. São elas: Dique Auxiliar da Barragem 5, da Mina de Águas Claras; Dique B e Barragem Capitão do Mato, da Mina de Capitão do Mato; Barragem Maravilhas 2, do Complexo de Vargem Grande; Dique Taquaras, da Mina de Mar Azul; Barragem Marés 2, do Complexo de Fábrica; Barragem Campo Grande, da Mina de Alegria; Barragem do Doutor, da Mina de Timbopeba; Dique 2 do sistema de barragens de Pontal, do complexo de Itabira; e Barragem 6 da Mina Córrego de Feijão.
‘NOVA INTERPRETAÇÃO’ A Vale informou que “auditores externos reavaliaram todos os dados disponíveis das estruturas e novas interpretações foram consideradas em suas análises para determinação dos fatores de segurança, com a adoção de novos modelos constitutivos e parâmetros de resistência mais conservadores”. A empresa também sustenta que para garantir a estabilidade das estruturas “está trabalhando com seus técnicos e especialistas de renome mundial em investigações complementares para garantir que o modelo utilizado pelos auditores externos está adequado e já está planejando medidas de reforço para o incremento dos fatores de segurança destas estruturas”.
Já há várias ações judiciais tramitando para garantir a segurança das barragens e da população do entorno, e possivelmente haverá outras – todas pedindo não apenas a interdição das atividades, mas exigindo que se “conserte” o que não vai bem, com possibilidade de retirada dos moradores do entorno, se necessário. Promotores das cidades onde estão as barragens sem estabilidade garantida já foram orientados pela força-tarefa que investiga o rompimento em Brumadinho a analisar os procedimentos que devem ser adotados.
“O rompimento da Barragem B1 de Córrego do Feijão, em Brumadinho, nos mostrou que essas declarações de condições de estabilidade nem sempre condiziam com a realidade. Era uma barragem com condição atestada por auditores e se rompeu”, afirma a promotora Giselle Ribeiro, chefe da Coordenadoria Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural do MP de Minas Gerais e integrante da força-tarefa que investiga a catástrofe em Brumadinho. “O Ministério Público apreendeu documentos e requisitou outros da Vale que demonstraram que a mineradora tinha ciência de que pelo menos 10 estruturas estariam em risco, em padrões não aceitáveis. Todas essas 10 tinham declarações apresentadas para órgãos governamentais, caso da B1 e da B4, que também se rompeu em Brumadinho. Trabalhávamos com oito estruturas que estavam em risco e ainda assim tinham a declaração”, diz.
Ela ressalta que em todos os processos judiciais o MP sustenta que a empresa tinha informação de instabilidade ou risco e não informou aos órgãos de estado competentes. A representante do MP traça uma espécie de linha do tempo para explicar as omissões: em 6 de fevereiro, a Vale, num processo judicial, afirmou que não havia estrutura sua em risco e negou que Vargem Grande estivesse ameaçada. No dia 7, a Barragem Sul de Gongo Soco (em Barão de Cocais) entrou em nível 2 de emergência. “Essa situação não ocorre de um dia para outro”, destaca a promotora.
Em 14 de fevereiro, a Vale novamente negou que mantivesse estrutura em risco. No dia 16, a Mina de Mar Azul (Nova Lima) foi colocada em nível 2 de emergência. Em 20 de fevereiro, a Barragem de Vargem Grande (também em Nova Lima) também foi elevada para o nível 2.
Em 22 de fevereiro, a mineradora volta a afirmar a ausência de riscos em suas estruturas. Em 1º de março, foi cientificada pela auditoria Wall do risco de rompimento da Gongo Soco, alertando para a paralisação das atividades e ameaça iminente de desastre. Em 8 de março, a represa foi interditada pelo MP. No último dia 14, em reunião na Defesa Civil, a Vale voltou a afirmar não enxergar risco em suas estruturas e, no dia 23, recebeu o auto de interdição do Ministério Público do Trabalho (MPT).
PUNIÇÃO Giselle Ribeiro avalia que o cerco aos investigados por Brumadinho, incluindo as prisões, pode ter contribuído para que as auditorias façam agora “um trabalho sério”. “A Vale alega que os critérios mudaram, mas as auditorias têm termos de referência nacionais e internacionais”, diz. “Não significa que elas estejam sendo rígidas pelo fato de negarem os atestados de estabilidade. A Vale coloca como se estivesse havendo perseguição, sendo injustiçada em suas declarações. Inexiste por qualquer órgão do estado perseguição ou vontade de atrapalhar interesses econômicos. Queremos que a atividade econômica seja desenvolvida em segurança e regulada por normas. Não adianta ter desenvolvimento econômico às custas de vidas humanas.”
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que tomará medidas administrativas em relação às condições de estabilidade. “A Semad, como destinatária da informação acerca da condição de estabilidade de barragens no âmbito do licenciamento ambiental, tomará as medidas administrativas necessárias nesses processos, dentro de suas competências. Pode, inclusive, suspender as atividades desses empreendimentos com base no princípio da precaução, de maneira complementar à atuação da Agência Nacional de Mineração, se for o caso”, disse, em nota.