Brumadinho – A força veio das entranhas; a atitude, da urgência; e a generosidade, lá do fundo do coração. Durante dias e noites, dezenas de homens e mulheres se dedicaram, anonimamente, para dar sua parcela de contribuição a quem sofreu com o rompimento, em 25 de janeiro, da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na Grande BH. Bombeiros, voluntários e pessoas sem casa ganharam um canto para descansar, saciaram a fome com um caldo quente e ouviram uma palavra de amizade para amenizar a dor do esforço físico insano, da perda e das incertezas.
Já na sede municipal, o estudante de engenharia civil João Marcos Moreira praticamente se mudou para a quadra de esporte onde foi feita a distribuição de água e alimentos. Impressionado com a rede de união e solidariedade formada na sua cidade, o jovem não tem dúvida de que “a humanidade tem salvação”. Nesta reportagem, o Estado de Minas conta um pouco da história de quem se dedicou de corpo e alma para ajudar e sabe que a história está longe de ter um ponto final. “A tragédia está viva; aqui, em Córrego do Feijão, não tem nada de normal”, ressalta a professora Maria Antônia, que, a exemplo de muita gente, ainda não consegue dormir direito.
A estrada de Brumadinho à comunidade de Córrego do Feijão, passando por Alberto Flores, já foi liberada, embora levas de trabalhadores estejam no local com seus uniformes e capacetes. O movimento de curiosos interessados em ver de perto a lama ou guardá-la na memória do celular já se dissipou, enquanto a algazarra da criançada na saída da escola indica um dia comum. Mas no coração da professora Maria Antônia Ribeiro, de 48 anos, nada ainda entrou no eixo. “A tragédia está viva; aqui, não tem nada de normal”, conta sem tristeza na voz, mas com os olhos carregados de lembranças que, tudo indica, vão povoar os pensamentos por anos a fio.
Recém-chegada da missão diária na Escola Municipal Nossa Senhora das Dores, onde leciona há 17 anos, Maria Antônia recosta-se no sofá da sala para a conversa com o Estado de Minas – curiosamente, pouco depois do meio-dia, quando ocorreu o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão que mudou a história da localidade e, mais do que isso, de cada um dos seus 300 habitantes. Tão logo o mundo virou de cabeça para baixo na cidade da Grande BH, em 25 de janeiro, a professora tratou de usar toda a força e energia para ajudar a quem mais necessitasse. E foi assim que tomou a iniciativa de abrir as portas da escola, bem em frente da casa, para abrigar 70 bombeiros que chegaram para tentar encontrar vivos e resgatar os mortos do lamaçal.
“A estrada foi destruída, ficamos sem ponte, então a diretora da escola não tinha acesso e não pôde vir durante sete dias. Como eu era a única professora em Córrego do Feijão, tive de tomar providências”, afirma Maria Antônia, divorciada e mãe de uma arquiteta que divide seu tempo entre a capital e Brumadinho. Dessa forma, passou a se dedicar aos desdobramentos da catástrofe de manhã a tarde da noite. “Até 7 de fevereiro, quatro dias antes do início das aulas, estava na escola das 6h às 23h. Para ser sincera, até hoje não consegui dormir direito.”
QUARTEL-GENERAL Passado o terror inicial, Maria Antônia viu que era hora de agir com cabeça fria, algo quase impossível no torvelinho de más notícias: “Os primeiros dias foram difíceis, tristes, a cada hora chegavam informações de mais e mais mortos”. A escola se tornou um suporte fundamental do quartel-general montado pelos militares na Igreja Nossa Senhora das Dores (posto avançado). “Recebíamos cestas básicas, remédios, material de limpeza, alimentos. Criamos no WhatsApp o grupo Voluntários do Bem. Fiquei encarregada, informalmente, de organizar tudo com uma equipe de oito pessoas trabalhando duro.” Quando a turma foi desfeita, ela continuou a postos: “Ficamos emocionalmente debilitados, sentimos na pele a dor dos outros. Os bombeiros também ficaram nessa situação. Mas nunca vou me esquecer do agradecimento deles quando oferecíamos um café quentinho”.