A Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) fará cortes significativos em seus repasses, que atingem diretamente a maior universidade pública de Minas Gerais e uma das mais importantes da América Latina. Diante da redução, a Universidade Federal de Minas Gerais deixa de receber neste ano bolsas de iniciação científica que totalizam R$ 2,5 milhões e R$ 13 milhões referentes a pesquisas. Os reflexos da queda no investimento já podem ser percebidos, e um deles é o atraso em pesquisa de antígenos e vacinas para as arboviroses, como a dengue, cujo número de casos prováveis no estado já beira os 100 mil apenas neste ano.
Uma das pesquisas ameaçadas pelos cortes pode resultar em uma vacina contra a dengue, um dos maiores desafios no país em termos de saúde pública. As dificuldades coincidem com um repique da doença neste ano, que já tem registro de 12 mortes (leia abaixo).“Estamos testando agora uma vacina contra a dengue. Começamos os testes há três anos e vamos testar por mais cinco. A fórmula foi descoberta há 15 anos”, afirma o professor Mauro Martins Teixeira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.
O professor lembra que os cortes em pesquisa resultam no não desenvolvimento de uma vacina eficaz. “Nos últimos cinco anos o investimento em ciência vem se deteriorando de forma significativa. Isso significa falta de continuidade. Estamos falando de pesquisas que levam de 10 a 15 anos. Interrupção não significa prejuízo apenas no tempo dessa paralisação. Significa muito retrocesso. E em 2019 o financiamento será menor do que nos últimos dois anos, que já foram caóticos”, afirma o professor.
A UFMG e a Unicamp lideram o ranking nacional de depósito de patentes e transferência de tecnologia. Segundo a reitora Sandra Goulart, a cada R$ 1 que a UFMG ganha por transferência de tecnologia, o estado ganha R$ 30. A Fapemig financia 40% da pesquisa produzida pela federal, o que leva ao temor dos pesquisadores em relação ao fim dessa fonte de financiamento. “A partir do momento em que a Fapemig não consegue arcar com esse apoio à pesquisa, temos de fato preocupação com nosso estado e nosso país.”
"Interrupção não significa prejuízo apenas no tempo dessa paralisação. Significa muito retrocesso. E em 2019 o financiamento será menor do que nos últimos dois anos, que já foram caóticos"
Mauro Martins Teixeira, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG
'DESASTROSO' Na avaliação da reitora, se nada for feito o desmonte da ciência brasileira é uma certeza. “A previsão é de 47% de cortes no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), grande financiador da pesquisa no país. O impacto a curto prazo é social e científico. A longo prazo, é desastroso”, diz Sandra Goulart. Os pesquisadores destacam que os cortes podem trazer impacto para a produção científica do Brasil, que ocupa o 13º lugar em elaboração de artigos científicos em ranking mundial.
O não repasse de bolsas da Fapemig afeta também estudantes que vêm de camadas populares, e que ingressaram na UFMG nos últimos anos, em decorrência de políticas que democratizaram o acesso à universidade. “O primeiro aspecto que temos que pensar é na indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão. Um exemplo muito concreto que temos vivido é o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho. Interromper pesquisas que estão sendo desenvolvidas para colaborar com a reconstrução das vidas das atingidas e atingidos, nessa articulação entre pesquisa e extensão, é uma perda muito grande”, afirma a pró-reitora de extensão, Cláudia Mayorga.
Para ela, o perfil da universidade pública mudou, com o ingresso de estudantes de trajetórias populares, negros e indígenas. “Eles recebem bolsas para desenvolver estudos acadêmicos, e elas também têm a função de colaborar com questões concretas para a permanência desses alunos na universidade. Não receber essas bolsas tem impacto para ciência, mas também para a permanência de estudantes na nossa instituição”, completa.
Por meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas (Sedectes) disse que, apesar de haver previsão orçamentária, o recurso financeiro não está disponível “devido ao fluxo de caixa”. Ainda de acordo com o texto, os cortes nos repasses se devem à “severa crise econômica e fiscal” do estado. “O governo de Minas Gerais reconhece a importância do investimento nas áreas de ciência, tecnologia e inovação e informa que não medirá esforços para a execução dos projetos”, diz a nota. O texto afirma ainda que “não há descontinuidade do fomento à pesquisa”, mas que algumas ações tiveram que ser priorizadas. “As bolsas de mestrado e doutorado estão mantidas, e as bolsas de iniciação científica (BIC) e a iniciação científica JR (BIC JR) estão temporariamente suspensas pela Fapemig”, citou.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Adelina Martha dos Reis, secretária regional da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC)
Qual é a situação hoje da ciência em Minas e no Brasil?
A ciência está passando por um dos seus momentos mais difíceis, desde que faço ciência há mais de 40 anos. Até 2015, nos 20 anos anteriores, houve acréscimo no orçamento para ciência e tecnologia. De 2015 para cá tem havido redução desses investimentos. Agora chegamos ao ponto mais crítico, tanto em nível nacional, com cortes de verba do CNPq e da Finep (Financiadora de Inovação e Pequisa), quanto em Minas, com o corte de verba da Fapemig.
O que representam esses cortes em termos de valores?
O tesourômetro, na entrada do campus da UFMG, mostra quanto de dinheiro está deixando de ser repassado para ciência e tecnologia em nível nacional: R$ 17 bilhões nos últimos dois anos. Em Minas Gerais, 1% do orçamento vai para Fapemig, agência que faz a distribuição de recurso no estado. Isso corresponde pela LOA (Lei Orçamentária Anual) a R$ 300 milhões por ano, que deveriam ser repassados em 12 parcelas mensais – o que não tem ocorrido. O governo está se propondo a repassar cerca de R$ 6 milhões por mês, o que daria entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões por ano, muito abaixo do valor garantido pela Constituição de Minas Gerais para investir em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do estado. A Constituição mineira não está sendo cumprida.
Podemos falar em desmonte da ciência?
Sim. Em anos anteriores, a liberação cada vez maior de recursos permitiu a expansão da pesquisa em todas as universidades e institutos de pesquisa, compra de equipamentos de valores altíssimos, que não estão podendo ser usados, por falta de manutenção. Temos bom parque de equipamentos, mas não há dinheiro para manutenção, verba para técnico, não temos bolsas para os alunos. A situação é catastrófica. Temos os equipamentos e não podemos usá-los.
A verba diminui, a dengue avança
(João Henrique do Vale) Enquanto minguam os recursos para desenvolvimento de tecnologias contra a dengue, a doença avança de forma vigorosa pelo estado. O número de casos prováveis da virose – que engloba suspeitos e confirmados – já se aproxima de 100 mil, com 12 mortes confirmadas, seis delas em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Outros 33 óbitos estão sendo investigados. A Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) está elaborando um decreto de emergência devido à infestação do mosquito Aedes aegypti.
Boletim divulgado ontem mostra que Minas já registrou 99.599 notificações da dengue neste ano. Somente em março foram 47.752 casos prováveis. Os números foram superiores aos dois meses anteriores. Em janeiro foram 17.539 e em fevereiro, 32.811 registros.
As mortes também aumentam a cada semana. Além de seis das 12 mortes confirmadas, Betim tem outros oito óbitos suspeitos. Os outros registros foram em Arcos, na Região Centro-Oeste de Minas, Passos, na Região Sul, Paracatu, Região Noroeste, dois em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e dois de Unaí, no Noroeste do estado.