A Copasa se prepara para cobrar da Vale – inclusive pela via judicial, se necessário – um plano de ação emergencial para evitar que o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte corra o risco de entrar em colapso depois do rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho. O desastre levou à paralisação de uma captação de 5 mil litros de água por segundo no Rio Paraopeba, integrante do sistema de mesmo nome, que abastece metade da Grande BH e pode entrar em crise em 18 meses, caso providências não sejam adotadas para restabelecer a produção. Desencadeou também uma crise de confiança sobre as represas de rejeitos de mineração do estado, que ameaçam principalmente o Rio das Velhas, responsável pela outra metade do abastecimento da Grande BH.
Após definir o conjunto de medidas, a Copasa articula reuniões com o Ministério Público e com a Advocacia-Geral do Estado, para inteirar as duas instituições que atuam junto ao Judiciário sobre a situação, para que possam negociar acordos com a Vale ou tomar as medidas necessárias na Justiça, caso a mineradora não assuma o compromisso de implementá-las. Além das medidas emergenciais, a Copasa levantou duas ações compensatórias pelo desastre socioambiental que, se implantadas, levariam ao aumento da produção do Sistema Paraopeba. O custo do conjunto de ações proposto gira em torno de R$ 2 bilhões.
Entre as medidas de emergência apresentadas ontem aos vereadores que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Barragens, instaurada na Câmara de Belo Horizonte, durante visita à Estação de Tratamento de Água do Rio das Velhas, em Nova Lima, três são apontadas pelos gestores da Copasa como mais urgentes. No âmbito do Velhas, a empresa pede que a Vale construa estruturas para proteger a captação de Bela Fama, em Nova Lima, de uma possível onda de lama em caso de rompimento de outra barragem.
Cinco reservatórios de rejeitos da mineração que estão em níveis de alerta ou emergência, todos da Vale, estão na região do Alto Rio das Velhas (veja quadro). Um desastre em qualquer um deles tem potencial para levar lama às máquinas da Copasa em Bela Fama. Também foi apontado pela concessionária que cuida do abastecimento da Grande BH a necessidade de desassoreamento de uma barragem da hidrelétrica da Cemig de Rio de Pedras, em Itabirito, para que possa reservar 20 milhões de metros cúbicos de água. Essa intervenção prevê também a construção de adutoras para canalizar a produção até a estação de tratamento do Rio das Velhas.
No caso do Sistema Paraopeba, a ação considerada mais importante pela Copasa é a construção de uma captação acima do ponto onde a lama da barragem de Brumadinho alcançou o Rio Paraopeba, com capacidade para sugar 5 mil litros por segundo, com 12 quilômetros de adutoras para levar essa água até a estação de tratamento do Rio Manso. Essa intervenção substituiria a captação emergencial inaugurada pela Copasa em dezembro de 2015, que significou a retirada de 216 milhões de metros cúbicos de água desde seu primeiro dia de funcionamento até 25 de janeiro, data da tragédia em Brumadinho e da interrupção da captação. Segundo a Copasa, essa alternativa, antes de ser desativada, possibilitou a recuperação das três represas do Sistema Paraopeba (Vargem das Flores, Serra Azul e Rio Manso) e evitou que Belo Horizonte mergulhasse em medidas de restrição de consumo, como o racionamento, em razão da grave crise hídrica de 2014 e 2015. O custo da obra, na época, foi de R$ 128 milhões aos cofres públicos.
O diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli, foi enfático ao dizer aos vereadores da capital que o abastecimento da Grande BH exige uma captação direta no Rio Paraopeba, para complementar a água produzida nos três reservatórios do sistema, sob risco de a crise de 2015 retornar já no ano que vem. “Se não houver a retomada da captação, em 18 meses o Sistema Paraopeba estará em situação de risco. Se eu não pudermos mais captar água direto no rio, vamos esgotar as represas. Sem dúvida, vão esvaziar”, alertou o diretor. Hoje, ainda está em discussão uma possível retomada da captação paralisada, que fica em um ponto do rio por onde a onda de lama passou.
A retomada do tratamento nesse local traria de volta as condições de segurança hídrica que eram garantidas antes do rompimento para o Sistema Paraopeba, mas a desconfiança da sociedade sobre a qualidade da água é uma situação que incomoda o diretor. “A Copasa não vai captar água do Paraopeba enquanto não houver uma autoridade assegurando que essa água pode ser consumida”, afirma. Ele diz ser importante que órgãos de controle da qualidade da água, como Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Agência Nacional de Águas (ANA) e Ministério de Saúde acompanhem de perto e fiscalizem a qualidade do produto final. Na semana passada, a diretora do Igam, Marília Melo, disse que ainda é necessário cautela, principalmente pelos níveis de turbidez no Rio Paraopeba, que continuam acima do considerado tolerável pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente para abastecimento humano. Segundo a última medição no Paraopeba, no dia 1º, o nível de turbidez na altura da captação da Copasa foi de 194 NTU, ante o limite de 100 NTU.
A vereadora Bella Gonçalves (PSOL), uma das integrantes da CPI da Câmara de BH, diz que é normal que a desconfiança sobre a qualidade da água venha à tona, e considera ser necessário um monitoramento muito rigoroso, que dure por muito tempo. Só com esse acompanhamento garantindo a qualidade da água é que a parlamentar defende o retorno da captação no Paraopeba. “A gente está falando de um sistema caro, que custou muito ao poder público, e precisa voltar a funcionar caso tenha condições. É preciso, e acho que a Copasa apresentou o caminho, adotar uma série de medidas para garantir que não sejamos obrigados a captar água contaminada”, afirmou.
Relator da CPI na Câmara, o vereador Irlan Melo (PR) adianta que pessoas ligadas à Vale podem ser indiciadas ao fim dos trabalhos da comissão, se as medidas emergenciais para garantir a água da Grande BH não forem adotadas. “Também vamos colher sugestões da sociedade civil, mas essas providências indicadas pela Copasa são muito importantes, porque é a empresa que traz a água para todos nós”, completou.
Consultada sobre o assunto, a Vale informou ontem que apresentou à Copasa cronograma para estudar a viabilidade das medidas e dos projetos discutidos.
Em risco
Veja ameaças sobre as captações que atendem à Região Metropolitana de BH
Rio das Velhas
Cinco barragens construídas pelo método menos seguro, de alteamento a montante, estão no Alto Rio das Velhas. Possíveis rompimentos levariam lama até o manancial antes da captação da Copasa de Bela Fama, que serve metade da Região Metropolitana de BH:
Barragem B3/B4
Macacos/Nova Lima
» Reservatório da Vale com 1,8 milhão de metros cúbicos de rejeitos em nível 3 de risco, o mais alto, que caracteriza emergência
Barragens Forquilha 1 e 3 – Ouro Preto
» Reservatórios da Vale que somam mais de 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos, também em nível 3 de risco
Barragem Forquilha 2 – Ouro Preto
» Reservatório da Vale com 20,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos, em nível 2 de segurança, que caracteriza alerta
Barragem de Vargem Grande
Nova Lima
» Reservatório da Vale com 9,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos também em nível 2 de segurança
Rio Paraopeba
» A captação de 5 mil litros de água por segundo diretamente no Rio Paraopeba está parada desde 25 de janeiro, em consequência da lama que foi despejada da barragem da Vale em Brumadinho. Não há previsão de retomada
Reservatório Rio Manso
» Possível rompimento de reservatório de rejeitos em Itatiaiuçu levaria lama até o curso d’água que forma a maior represa integrante do Sistema Paraopeba, responsável pelo abastecimento de metade da
Grande BH
Barragem da Mina Serra Azul Itatiaiuçu
» Reservatório da Arcelor Mittal com 5,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta