Jornal Estado de Minas

Santa Luzia recupera tradição e fiéis acompanham cortejo rumo ao cemitério local

- Foto: ESP/EM
 
Moradores católicos de Santa Luzia, na Grande BH, participam, na noite desta sexta-feira (12) – a última que antecede a Semana Santa –, da procissão da Encomendação das Almas. O cortejo saiu do Santuário da Matriz, na Rua Direita, em direção ao Cemitério do Carmo, logo após o último dia do Setenário das Dores. Presidindo as cerimônias do Setenário das Dores, com cânticos e ladainha em latim para “meditar” sobre as sete dores de Nossa Senhora, o titular da Paróquia Santa Luzia, em Santa Luzia, padre Felipe Lemos, explicou que a Encomendação das Almas remonta ao período colonial em Minas e veio de Portugal com os colonizadores.

“Muita gente me procurou dizendo que estava com medo de acompanhar uma procissão até o cemitério, e respondi que não devemos ter medo dos mortos, mas sim dos vivos. Este é um momento para lembrarmos e rezarmos pelos falecidos”, disse padre Felipe ao fim do Setenário. Ele adiantou que no domingo de ramos, a partir das 19h30, estará de volta o Ofício de Trevas. Outra novidade está na Caminhada Penitencial, na sexta-feira da Paixão, com início às 5h, sendo levada a imagem de Nossa Senhora das Dores no andor. “Esperamos que as pessoas gostem e possamos manter vivas essas tradições tão antigas e belas”, afirmou padre Felipe.

- Foto: ESP/EMSegundo pesquisa do integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), Adalberto Mateus, a procissão das Almas é uma tradição muito antiga, herdada dos tempos da Idade Média e que era realizada na última sexta-feira da quaresma. Também denominado Encomendação das Almas, o cortejo retorna às ruas da cidade vizinha a BH após um período de mais de 100 anos de interrupção, como iniciativa do pároco.

Conforme Adalberto Mateus, também presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, o cortejo, no século 19, tinha “um caráter macabro que chamava atenção, e os mais antigos a cidade o consideravam sui generis, tanto pela hora de realização (exatamente à meia-noite) como pelas vestes dos participantes que usavam mantas e capuzes brancos.
Tendo à frente a Confraria das Almas, diz o pesquisador, “somente os homens podiam participar da procissão que, saindo da Matriz ou do Cemitério do Carmo, terminava na antiga Cruz das Almas, atual Praça Ari Teixeira da Costa.


Passo a passo

 
Adalberto explica que o pesquisador Japhet Lima Dollabela registrou em seu livro Santa Luzia nasceu do rio o passo a passo da procissão que assustava toda a cidade e destaca a contribuição do cenário para o clima que se instalava: “Aqui, ali e acolá, a luz intermitente de um vagalume piscava na noite escura e quieta. Um silêncio pesado se fazia nas ruas desertas, onde nem um seresteiro descuidado se aventurava a uma cantiga, naquela noite. Nas casas, o povo aguardava a procissão com muito medo. Lá fora, ouviam-se apenas os passos cadenciados dos participantes do macabro cortejo, o bater das matracas, as orações rezadas em voz alta e as exortações aos mortos, anunciando a passagem da procissão”.

“Passado mais de um século, os tempos são outros, assim como a paisagem que já ganhou o barulho dos carros e a potência das luzes de led que iluminam as ruas”, afirma o integrante do IHGMG. “Mesmo assim, a paróquia promete retomar a tradição de homenagear os falecidos em um momento propício para reflexão sobre a vida durante o período quaresmal”.
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