A epidemia de dengue que avança por Minas Gerais e já toma conta de mais de 52,93% das cidades da Região Metropolitana de BH lota unidades de saúde e cria um gargalo no atendimento de quem precisa começar o tratamento. Em Belo Horizonte, enquanto o vírus debilita fisicamente os pacientes ao ponto de deixá-los aguardando deitados no chão em unidades de saúde, o aumento da demanda, estimado em 40%, atrasa o atendimento e pressiona o lado psicológico, criando um cenário de sofrimento em dose dupla. Ontem, a equipe do Estado de Minas percorreu quatro unidades de pronto-atendimento da capital (Nordeste, Pampulha, Leste e Odilon Behrens), que já tem 13.713 casos prováveis de dengue, e presenciou os dramas de quem mal consegue sustentar o próprio corpo enquanto espera cuidados médicos. Dados da Secretaria de Estado da Saúde indicam que a cidade tem incidência considerada alta da doença, com 435,22 casos a cada 100 mil habitantes, e também acaba pressionada pela busca de moradores de municípios próximos, que enfrentam a mesma situação e têm menor estrutura.
Ontem, quando a equipe do EM chegou à UPA Leste, na Avenida dos Andradas, no Bairro Vera Cruz, a dona de casa Selma Lúcia Araújo, de 66 anos, embarcava em uma ambulância com o marido, o aposentado Belchior Araújo, de 70, rumo ao Hospital São José. Ele passou a quinta-feira na unidade com suspeita de dengue, reclamando de dores em todo o corpo. Os dois chegaram às 13h e conseguiram atendimento depois de quase três horas. “Acho que, pela idade, ele foi atendido um pouco mais rápido que outras pessoas. Isso aqui ontem (anteontem) estava impossível”, contou Selma.
Belchior foi diagnosticado com dengue, segundo a mulher, mas passou a aguardar vaga em algum hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), porque precisava fazer exames dos rins. Só conseguiu ontem, quando deixou a UPA Leste. “Eu senti dor no corpo todo. Mas era muita dor, mesmo. Agora estou melhor. Tomei sete litros de soro na veia”, contou o aposentado. “Ele veio fraco, desidratado e reclamando demais. Quando chegamos, quase chorei quando vi tanta gente esperando. Ele não aguentava nem se mexer na cadeira”, completa.
Na UPA Odilon Behrens, a situação não era muito melhor para o mecânico Tiago Augusto Soares, de 22. Ele esperava a mulher, da mesma idade, sair do atendimento, que até foi rápido, segundo ele. Mas ela só conseguiu chegar ao consultório depois de passar pela segunda unidade pública. Na quinta-feira eles esperaram por nove horas no Hospital Risoleta Tolentino Neves, na Região de Venda Nova, e foram embora sem que ela conseguisse a consulta. “Primeiro, alegaram que a ficha dela tinha sumido, mas quando ameaçamos chamar a polícia eles localizaram e em um determinado momento disseram que tinha só um médico para atender 10 pessoas que já estavam dentro do hospital e mais um tanto de gente que estava fora.
Enquanto isso, ela chorava de dor, com febre, dor de cabeça, e desconfiando de dengue mais grave. Mesmo com ela nesse estado, tivemos que voltar sem que ela fosse atendida”, afirma Tiago. Na avaliação dele, a demora e dificuldade pioram o quadro do paciente. “A gente não pode dar remédio sem saber o que é, então fica bem complicado”, queixa-se.
Hospital Risoleta Tolentino Neves confirmou ter feito o registro e a triagem da paciente na quinta-feira, às 11h50, mas alega que a aferição de dados vitais e da temperatura não apontou alterações e que ela não relatou dor no corpo. Sustentou ainda que havia de plantão quatro clínicos gerais, dos quais dois se dedicam ao atendimento de casos de menor complexidade, “o tipo para o qual a paciente foi classificada e que demanda maior período de espera”. A unidade, porém, admite que, nos últimos 10 dias enfrenta procura acima do normal e superlotação do pronto-socorro, e que dá prioridade a casos de risco iminente de perda da vida.
PAMPULHA Sentindo dores pelo corpo, a babá Analia Moreira dos Santos, de 27, contava outra história de peregrinação em busca de atendimento, enquanto aguardava na UPA Odilon Behrens. Ela disse que suspeitava estar com dengue, mesmo situação que a filha de 3 anos. Na quinta-feira, levou a menina até a UPA Pampulha, no Bairro Santa Terezinha, às 19h, mas à meia-noite não teve mais condição de esperar. Ontem, já com sintomas da dengue, voltou com a garota. Enquanto a criança foi atendida no Hospital Odilon Behrens, ela ficou na UPA. “Sinto muita dor nos olhos, no corpo, coceira e fiquei empolada. Essa situação de demora é muito complicada, porque as pessoas sentem muitas dores e ficam muito tempo na mesma posição, sem ter o que fazer”, contou ela, que já esperava havia uma hora.
A reclamação sobre a UPA Pampulha se repetiu nas palavras da diarista e cozinheira Eliane Santos, de 40. Ela contou que na quinta-feira esteve na unidade para levar o filho, que tem anemia falciforme. “Cheguei às 3h da madrugada e só saí às 21h30. A quantidade de pessoas que vinham com suspeita de dengue era muito grande. O tempo todo chegava gente”, disse, enquanto acompanhava o menino na unidade Odilon Behrens, para onde foi transferido da Pampulha.
Com reclamações apontando para a unidade da região, a equipe do EM foi até a UPA Pampulha, onde conversou com a desempregada Raquel Alves Ribeiro, de 25. O marido dela, Anderson de Jesus Souza, de 31, esperava atendimento deitado no chão da unidade, à qual já tinha ido no dia anterior, antes de seu quadro piorar. “Ele está com dor no corpo, dor de cabeça, febre alta e não consegue andar sem se escorar. Moramos em Contagem, mas na UPA Ressaca falaram que estava muito cheio, então viemos para cá. Acho que nestes momentos o ideal seria aumentar as equipes, para as pessoas não passarem tanto sofrimento”, diz ela.
O gerente de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, Alex Sander Sena, admite as dificuldades de acolher tanta demanda. “O fluxo está muito grande. Nossas portas de entrada (no sistema público da capital) estão extremamente lotadas. Daí a importância de salientar que, durante a semana, principalmente, as pessoas que estão em melhor condição de saúde, com menos tempo de evolução da doença, procurem primeiro os postos de saúde”, afirmou. Segundo o gerente, o paciente que aguardava deitado no piso da UPA Pampulha não quis esperar e foi embora. “Ele passou pela classificação e teria condições de aguardar. Então, era um paciente que poderia procurar um centro de saúde”, acredita Alex Sander Sena. “Estamos aumentando as cadeiras e macas para os pacientes na unidade”, completou.
Ameaça avança pela região metropolitana
Das 34 cidades que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte, a epidemia de dengue já atinge 18, incluindo a capital mineira, o equivalente a 52,93% do total. Dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) mostram que há 14 municípios com incidência muito alta da doença, situação caracterizada quando há uma projeção de mais de 500 casos prováveis por grupo de 100 mil habitantes. Mário Campos apresenta o mais alto índice, com 4.496,63, seguido de Sarzedo, com 3.872,80, e de Betim, com 2.614,56. Com incidência alta, que já é tratada como epidemia, estão quatro municípios, entre eles BH, que tiveram índice entre 300 e 499. Ainda em situação que não é considerada epidêmica, mas que também gera alerta, há outras sete cidades com média incidência (de 100 a 299 casos/100 mil habitantes).
Na capital, balanço divulgado ontem pela Secretaria Municipal de Saúde mostra que a doença avança rapidamente. Já são 13.713 notificações neste ano, média de 135 por dia. Desse total, 3.217 moradores tiveram diagnóstico da doença confirmado. Outros 10.496 estão sendo investigados. Foram descartadas, desde o início de 2019, por meio de investigação, 3.511 notificações. Nenhuma morte foi confirmada pela virose.
A situação mais crítica é na Região do Barreiro. Segundo a secretaria, são 2.257 casos prováveis registrados, sendo 698 confirmados. A Regional Nordeste vem em seguida, com 1.988, sendo 441 confirmações. Depois aparece a Oeste, com 1.829 registros e 382 confirmações.
MEDIDAS Com quadro epidêmico da doença, a Prefeitura de BH anunciou ações para melhorar o atendimento. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, centros de saúde nos bairros Concórdia (Nordeste), Santa Terezinha (Pampulha) e Tirol (Barreiro) abrem hoje para tentar amenizar a demanda das UPAs. O município também vai abrir 12 leitos extras de internação pediátrica no Hospital Odilon Behrens. Um chamamento público foi lançado para contratar imediatamente cerca de 200 profissionais da saúde, dos quais 87 médicos, principalmente pediatras e clínicos gerais.
“Já temos vários profissionais interessados nas vagas em aberto. Na segunda-feira faremos nova avaliação das medidas do fim de semana, para ver número de atendimentos, a repercussão e os impactos nas UPAs. Outras medidas poderão ser tomadas, como abertura de postos nos fins de semana em outras regiões e de unidades mistas de hidratação”, afirmou Alex Sander Sena, gerente de Urgência e Emergência da Secretaria Municipal de Saúde.
Na área médica, serão contratados profissionais de angiologia/cirurgia vascular, cardiologia, cirurgia geral, clínica geral, gastroenterologia, ginecologia, homeopatia, infectologia, medicina física e reabilitação, ortopedia, otorrinolaringologia, pediatria, psiquiatria, reumatologia e urologia. Também serão contratados terapeuta ocupacional, educador físico, enfermeiro, farmacêutico biomédico, psicólogo, assistente social, técnicos de laboratório, em radiologia e de saúde bucal, além de auxiliares de enfermagem, de laboratório e de saúde bucal. A carga horária varia de 12 a 40 horas semanais e a remuneração vai de R$ 2.808,29 a R$ R$ 15.350,96, conforme unidade e plantão de trabalho.