Portas se abrem para a preservação da memória, enquanto um ciclo de quase meio século se fecha com aplausos da comunidade e dos defensores do patrimônio cultural. Uma longa história termina hoje, em São João del-Rei, nos Campos das Vertentes, com a bênção do pároco da Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar, padre Geraldo Magela da Silva. Logo após a tradicional cerimônia do lava-pés, às 21h30, será apresentada a portada de pedra-sabão, com mais de 4 toneladas, que pertenceu à antiga Igreja Bom Jesus de Matosinhos, joia do século 18 demolida em 1970. Depois de retornar em março, de Campinas (SP), onde ficou por décadas ornamentando uma fazenda e foi localizada numa revista de decoração, a peça (moldura da porta principal de igreja) foi alvo de polêmicas na cidade até finalmente ser integrada ao acervo do Museu de Arte Sacra de São João del-Rei.
“Graças a Deus, a questão está resolvida, com o empenho do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Ministério Público Federal em parceria com o Museu de Arte Sacra”, diz o padre Geraldo Magela. Com 4,91 metros de altura, 3,22 metros de largura e 47 centímetros de profundidade, o pórtico ficará ao ar livre, no equipamento da diocese, na Praça Embaixador Gastão da Cunha, nº 8, no Centro Histórico. A “inauguração” do monumento ocorre na semana santa, quando a cidade, distante 185 quilômetros de Belo Horizonte, recebe grande número de visitantes e oferece programação religiosa e cultural. (veja o quadro)
“A portada vai ficar no jardim do Museu de Arte Sacra. Estamos muito felizes com o resgate de um bem da cidade”, orgulha-se padre Geraldo Magela, diretor da instituição.
Melhor lugar
O local de instalação da portada se tornou alvo de debate em São João del-Rei, tão logo a Justiça determinou o retorno em 2014. Para tanto, houve audiência pública, conforme mostrou o Estado de Minas na edição de 5 de abril daquele ano. As opiniões se dividiram, uns achando que a portada deveria ficar na Igreja Bom Jesus de Matosinhos, que já havia sido reconstruída, outros apontando o Museu Regional como melhor destino. A proposta do Iphan, que enviou representante à reunião, era que ficasse num museu, enquanto o parecer do Ministério Público Federal indicava o templo de onde fora retirada.
Depois da localização da portada, os ministérios públicos Federal e Estadual, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), ajuizaram ação pleiteando o reconhecimento de que a peça pertenceria ao acervo tombado de São João del-Rei. Durante a ação, foi feito acordo judicial em que os proprietários concordaram com a devolução do bem até que, em julho de 2012, a Justiça Federal homologou o acordo, determinando o retorno da peça ao município.
“O melhor lugar, mesmo, seria um: que a portada nunca tivesse saído da Igreja Bom Jesus de Matosinhos, que foi demolida num piscar de olhos”, diz a superintendente do Iphan em Minas, Célia Corsino. “A partir do momento em que a portada foi retirada da igreja, perdeu suas referências de arquitetura para se tornar um objeto museológico”, afirmou a superintendente, lembrando que um ponto principal era a segurança do bem. “Estamos muito felizes com esse retorno.
Operação
Com 45 anos de profissão, o restaurador Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, foi o responsável, com sua equipe, para retirar a portada da fazenda em Campinas, embalar as peças e depois remontar em São João del-Rei. “Numa tive uma experiência assim em toda minha vida. Foi importante e nobre. Qualquer erro de cálculo poderia ser fatal e a peça cair e se quebrar. Exigiu atenção, esforço físico e delicadeza, pois a portada é formada por 13 peças de vários tamanhos, incluindo duas pilastras”, conta Adriano, que, esteve na cidade paulista de 8 a 12 de março para o serviço.
Na retirada, já que havia uma parte concretada na base, a equipe de Adriano Ramos contou com um caminhão munck. Depois, cada parte foi embalada, revestida com isopor para ser transportada até São João del-Rei. “Foi outra logística, com cuidado dobrado, com uso de paleteiras para carregar até o jardim do Museu de Arte Sacra e até carrinhos de rolimã que fizemos especialmente para fazer as peças deslizarem com segurança. A operação para erguer o monumento de pedra-sabão foi concluído em 8 de abril e, até na tarde de terça-feira, Ramos ficou no local para verificar se, com chuva, poderia haver alguma alteração na base.” Para garantir a proteção, o Iphan providenciou uma cantoneira em aço inox, com projeto do engenheiro Luiz Mauro.
Localização com prova impressa
Em setembro de 2008, o EM mostrou a moldura que ficava na entrada da Fazenda São Martinho da Esperança, em Campinas (SP). A localização foi possível graças a uma revista de decoração – nas páginas de uma antiga edição sobre casas de fazenda, integrantes da CPPC/MPMG identificaram a peça em pedra-sabão, do século 18, que pertencia à igreja de São João del-Rei demolida em 1970. A prova impressa na revista motivou os promotores a ingressar com ação civil pública pedindo a reintegração da relíquia à cidade de origem e proibindo a retirada da portada da fazenda, até o fim do processo. Se os proprietários vendessem a peça antes do julgamento, estariam sujeitos a multa de R$ 100 mil.
Na época, em entrevista, o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei (IHG), José Antônio de Ávila Sacramento, comemorou: “É uma importante vitória da luta contra o esquecimento e pela memória. Se a portada voltar para São João, estamos reparando 38 anos depois um grave crime cometido contra a cidade.” A briga pela portada foi uma das motivações para a criação do IHG meses antes da demolição. Conforme a reportagem, “mesmo tombada pelo Iphan, a igreja foi destruída a mando do padre Jacinto Lovato (já falecido) que comercializou toras de madeira, retábulo e ornatos de pedra do templo, para arrecadar fundos e construir novo prédio”.
“A igreja foi demolida em uma época em que não havia preocupação em preservar o patrimônio. Ela não tinha o charme das igrejas do Centro, mais tradicionais”, explicou, também na época, o promotor e curador do Patrimônio Cultural de São João del-Rei, Antônio Pedro da Silva Melo, um dos autores da ação civil pública.
Autorizado pelo bispo da época a vender os bens da igreja para levantar fundos necessários à construção de um novo templo, o padre Jacinto Lovato não gostou dos protestos contra a demolição. Em carta enviada ao IHG, que estava à frente da briga, disse não aceitar “a intromissão de alheios à religião em assuntos de competência da mesma” e argumentou que as igrejas eram para “uso dos fiéis e não para serem contempladas como pura arte de construção”. A carta foi lida pelo pároco em voz alta, na missa de domingo. “Mesmo criticado, o padre nunca se sensibilizou.
Serviço
SEMANA SANTA
HOJE
São João del-Rei, na Região do Campos das Vertentes
17h – Missa solene da ceia do senhor, na Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar
21h30 – Lançamento da exposição da portada da antiga Igreja do Senhor
Bom Jesus de Matosinhos, no Museu
de Arte Sacramento
Belo Horizonte
9h – Missa da Unidade, no Ginásio do Mineirinho, na Pampulha. Ao fim da celebração, será realizada uma coreografia, em homenagem a Brumadinho. O ato também será um alerta sobre o risco que as barragens com rejetos de minério oferecem para as comunidades.
Ouro Preto, na Região Central
23h – Procissão do Fogaréu, com saída da Igreja São Francisco de Assis, após a cerimônia de lava-pés, em direção à Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões (Mercês de Baixo)
Sabará
15h – Abertura do Santo Sepulcro e Início da Vigília do Santo Sepulcro e Nossa Senhora das Dores, na Igreja São Francisco.