A cena do sepulcro com o corpo de Jesus Cristo se abrindo e do seu interior sendo removido o sudário que cobre a imagem do Messias, transporta os fiéis para uma das passagens mais importantes da cristandade, renovando sua fé, pelo testemunho da ressurreição. E pelo semblante emocionado, visível nos católicos que participaram da celebração do descerramento do santo sepulcro, ontem, em Sabará, na Grande BH, a renovação se manteve. “A religiosidade da população de Sabará é muito latente. A comunidade se envolve muito com as celebrações, ajuda, produz e participa. Quando a ela acontece, nos sentimos muito parte daquilo e, por isso, a emoção aflora. E quem vem de fora parece também sentir esse ambiente de fé e de comunhão de todos nós que nascemos aqui”, considera José Bolzas de 75 anos, um dos organizadores do descerramento, celebrado pelo padre Rafael Rosário.
A tradição de abrir o sepulcro de Cristo na quinta-feira da semana santa, antes da data que marca a crucificação e morte de Jesus, praticamente só ocorre em Sabará. Uma história longa e que envolve os antepassados daquele povo há mais de 300 anos. Conta-se que, como os viajantes e tropeiros não podiam esperar até a sexta-feira da Paixão para ver a imagem, a celebração foi antecipada. Até hoje, as gerações que se sucedem se engajam nos trabalhos das da semana santa, garantindo que os mais novos também aprendam, gostem, valorizem e assumam esses deveres religiosos. Como o senhor José Bolzas, envolvido com os ritos desde a tenra idade. Tanto que nem se recorda das primeiras vezes que ajudou. “Cresci ajudando a fazer as comemorações da semana santa com meus pais e familiares. Minha família sempre fez parte da comissão de semana santa, e eu carregava as coisas pra lá e pra cá. Na organização mesmo, já estou há 50 anos”, conta o sabarense.
“A gente aqui em Sabará se envolve muito. Fazemos tapetes, festa do rosário, para Santo Antônio. Mas a semana santa é diferenciada. A abertura do sepulcro não tem em nenhum outro lugar por aqui. Por isso, as cerimônias são feitas com muito carinho. E as pessoas vêm com esse espírito da Páscoa dentro delas. Até quem é nascido aqui, mas mora fora, tenta vir para a cidade para assistir”, afirma.
Como de costume, o culto se iniciou ontem às 15h, com o ruído alto e brusco da matraca, um instrumento de madeira, que após um giro rápido emite o som cadenciado das plaquetas de madeira se batendo ritmadas. É um marco, o anúncio do início do sofrimento e do tormento de Jesus, na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico da antiga Vila do Ouro imperial. Esse momento de fé simboliza o velório de Cristo, momento de vigília e conforto ao Senhor. A celebração não integra a programação oficial da Igreja católica, mas foi criada pelos sabarenses como forma de devoção.
Antes de ser morto, Jesus foi traído, pregado na cruz e ficou sozinho. Por isso, os católicos da cidade guardam esse momento com muito apreço e respeito, permanecendo silenciosos, em oração ao lado da imagem do corpo de Jesus. Essa vigília só termina às 18h de hoje. O descerramento do sepulcro precede a morte de Cristo, que pela história ocorre na sexta-feira. Por isso, o ato não integra as celebrações da semana santa na Igreja Católica.
E o ápice da cerimônia é mesmo a abertura do santo sepulcro e a retirada do manto branco que cobre a imagem de Cristo. O descerramento é seguido de palavras de conforto, pela oração do Pai-Nosso e por cânticos entoados em latim. Um manto preto desce do alto da igreja bicentenária, trazendo uma atmosfera sagrada no altar.