Áreas por onde passam os trilhos de trens de carga e do metrô – que transporta mais de 200 mil pessoas diariamente, cortando a zona urbana entre Belo Horizonte e Contagem – são constantemente invadidas por moradores de rua, dependentes químicos e pessoas proibidas de entrar na zona de domínio das ferrovias. O muros que deveriam proteger passageiros, cargas e até os próprios invasores estão repletos de falhas e buracos. Há trechos onde os portões que permitem o acesso dos funcionários que fazem o manejo e manutenção do sistema passam dia e noite escancarados, sem seguranças nem qualquer outro tipo de vigilância. Há dois anos, a reportagem do Estado de Minas alertou as empresas que administram as ferrovias e o metrô sobre o problema, mas a situação persiste. Enquanto isso, houve aumento de 2,5 vezes no número de internações em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) devido a acidentes envolvendo pedestres e trens em BH e Contagem. Em 2017, foram sete internações. No ano passado, o número chegou a 18, segundo estatísticas do Ministério da Saúde. Duas pessoas morreram atropeladas nos trilhos da ferrovia no ano passado.
Leia Mais
Deputada afirma que repasse para o metrô de BH não está garantidoGoverno Federal anuncia R$ 4 bi para metrô de BH e outras obras em MGPassarela que dá acesso a estação do metrô da Lagoinha passará por obrasPrefeitura assina contrato para aplicar R$ 180 milhões em recapeamento de viasMuro cai e 11 pessoas ficam desalojadas no Sul de MinasPassagem do metrô de BH fica mais cara a partir de domingoMetrô de BH: aumento da tarifa será escalonado até 2020 e vai chegar a R$ 4,25Usuários do metrô começam a estocar bilhetes antes de reajusteJustiça Federal libera aumento na tarifa de metrô de BHUm portão de metal escancarado permite até que um caminhão atravesse o cercamento do conjunto de trilhos ferroviários utilizado por várias companhias para o escoamento de cargas na altura do Bairro Horto, na Região Leste de BH. Não há cadeados ou trancas e essa forma de acesso facilitado despertou o interesse de moradores de rua e dependentes químicos, que ingressam no espaço restrito para consumir álcool e entorpecentes.
Perigo ainda maior devido ao fato de os trilhos por onde passa o metrô serem paralelos a essa área invadida. A única separação existente é uma tela de cerca de um 1,5 metro, sem arame farpado ou concertina para afugentar invasores. As partes altas dessas telas se encontram amassadas, sugerindo que pessoas se apoiam sobre a estrutura para acessar a zona onde passa o metrô de BH, se expondo a riscos de atropelamento e eletrocussão (os trens de transporte de passageiros são movidos a eletricidade), com chances de provocar até descarrilamento, o que pode ocorrer se os trilhos forem bloqueados por algum obstáculo.
O portão aberto fica perto dos muros altos do Centro de Internação Provisória Dom Bosco e da passarela que liga a Avenida dos Andradas, no Pompéia, Região Leste, à Rua Conselheiro Rocha, no Horto. Na pista de caminhada e na ciclovia, quem se exercita testemunha o ingresso despreocupado de pessoas estranhas na área restrita ferroviária. “A gente ouve até falar de acidentes. Com esse portão totalmente aberto, entra quem quiser na estrada de ferro.
Ao longo da ciclovia e da pista de caminhada que segue às margens do Ribeirão Arrudas e das ferrovias, várias colunas de concreto que formam a cerca de proteção da zona de domínio estão caídas, permitindo a passagem de pessoas não autorizadas. A reportagem contabilizou 12 falhas ao longo desse espaço, locais por onde pessoas suspeitas são vistas transitando, de acordo com frequentadores do espaço de exercícios.
Já na altura da Avenida Mem de Sá, outro portão também fica 24 horas por dia escancarado. De dentro da abertura, a poucos metros à frente, depois dos trilhos dos trens de carga, fica a Estação Santa Teresa do metrô, protegida por uma cerca de um metro e meio reforçada por concertina. De acordo com um vendedor ambulante de que atua na área, a abertura é usada por moradores de rua como banheiro. Mas alguns ficam perambulando pelos trilhos e chegam a se aproximar do metrô. “Isso daí tinha de ser reformado, porque a insegurança é muito grande. Qualquer um pode entrar e fazer o que quiser na ferrovia”, disse, pedindo para não ser identificado, por seu negócio ser informal.
No Centro, ao lado do Restaurante Popular, os muros são destruídos para permitir a passagem dos usuários de drogas e moradores de rua. Segundo frequentadores do restaurante, os invasores começam fazendo pequenos buracos e à noite vão ampliando as aberturas até que possam atravessar para os trilhos. O local também tem vestígios de excrementos, o que mostra que muitos usam o acesso como banheiro.
OUTRO LADO
A MRS Logística, empresa cujos trens se utilizam das ferrovias citadas para escoar mercadorias e que por isso precisa zelar pelo seu isolamento informou que vai “apurar detalhadamente as necessidades” da área.
A VLI, empresa que administra a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), destaca que só em 2018 mais de 80 pontos foram reparados na Grande BH. “A ferrovia realiza periodicamente manutenção, entretanto, atos de vandalismo acabam por danificar as estruturas. Para coibir esse tipo de ação, a VLI mantém uma equipe de vigilância realizando rondas nas regiões e, quando identifica a presença de qualquer indivíduo, aciona a Polícia Militar”, informou a empresa de logística.
A empresa afirma ainda que “nenhuma norma do órgão regulador do transporte ferroviário exige obrigatoriedade sobre construção de muros de vedação na linha férrea”. O uso de cercas e muros, em muitos casos, pode “dificultar a mobilidade da população e, por isso, a implantação de vedação na linha férrea é estudada caso a caso”. A distância de frenagem de uma composição da empresa pode se estender por até um quilômetro, informou.
A Companhia Brasileira de trens Urbanos (CBTU) considera que os problemas ocorrem nas áreas das ferrovias e não em suas áreas de domínio.
Memória
Falhas repetidas
Não é a primeira vez que o Estado de Minas flagra a exposição de áreas de ferrovias e do metrô ao livre acesso de invasores. Em maio de 2017, levantamento da reportagem constatou o mesmo problema. Naquele momento, o local mais inseguro era o trecho de quase um quilômetro de trilhos que seguem a Avenida do Contorno, entre os bairros Carlos Prates e Barro Preto, entre os elevados que levam à Avenida Nossa Senhora de Fátima. Naquele ponto, havia três grandes buracos nos muros da linha férrea, que permitiam a passagem de um homem adulto.