Jornal Estado de Minas

Preços sobem até 80% e Brumadinho sofre com exploração econômica no pós-tragédia

Três meses depois da catástrofe que abalou Brumadinho e chocou o Brasil e o mundo, o sofrimento de quem vive na cidade da Grande BH que já contabiliza 233 mortos e 37 pessoas ainda desaparecidas parece uma história sem fim. As famílias ainda se recuperam da dor pela perda de parentes, vizinhos e amigos após o rompimento das barragens 1, 4 e 4A, da Mina Córrego do Feijão, operada pela mineradora Vale.

Passados 90 dias da tragédia, ninguém está preso, as indenizações às vítimas ainda são alvo de polêmica que promete se estender, mas a comunidade já enfrentou o medo de novos rompimentos, se viu isolada, assistiu ao fechamento de postos de trabalho e teve de abandonar suas moradias. Agora, experimenta a exploração econômica, representada por uma escalada de preços sem precedentes, com ágio sobre produtos que chega a atingir 80% de um mês para o outro (veja tabela), no caso de gêneros de cesta básica, e mais de 6% nos combustíveis, com preços uniformizados entre postos e gasolina que já passa dos R$ 5 o litro.

Moradores, indignados, culpam a ganância de comerciantes, diante da injeção de recursos de indenizações para toda a população – donos de comércio locais incluídos –, que vêm sendo pagas pela Vale desde a ruptura da represa de rejeitos. Há inclusive acusações de formação de cartel, com preços sendo combinados para impedir a concorrência. Comerciantes negam, afirmando que a culpa é do mercado. O Ministério Público afirma estar atento a possíveis práticas econômicas abusivas, mas enquanto responsabilidades são empurradas entre os formadores de preço a população vê seus recursos minguarem diante da escalada de preços.

O que mais deixa as pessoas aflitas é que muitos habitantes nem sequer receberam as indenizações e contribuições prometidas pela Vale, embora já convivam com a alta de preços que atribuem ao aporte de recursos – a Vale informou fazer pagamentos emergenciais em valores que giram em torno de um salário para todas as pessoas que viviam em Brumadinho ou que moravam até um quilômetro da calha do Rio Paraopeba desde a cidade diretamente atingida até o município de Pompéu, na usina de Retiro Baixo, na Região Central do estado.

Pouco depois de a Vale informar que iria injetar recursos na economia de Brumadinho, moradores dizem ter testemunhado um abrupto aumento de preços. Não é um fenômeno novo: depois do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, o preço da água mineral na região de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce chegou a sofrer ágio de 150%.

Pelas lojas em Brumadinho é fácil perceber movimento parecido.
Em uma rede de supermercados da cidade, por exemplo, o preço do feijão carioquinha de uma determinada marca e do tomate longa vida passaram de R$ 4,98, em março, para R$ 8,98, em abril, aumento de 80,3%. Em uma mercearia, o grão saltou de R$ 6,35 para R$ 9,85 (alta de 55,11%).

“Não fui diretamente atingida pela lama, pois moro no Bairro de Lourdes, no Centro de Brumadinho. Mas acabei sendo atingida agora. Não recebi nada da Vale, mas os preços que preciso pagar com o mesmo salário de antes estão exorbitantes. A mineradora informa que vou receber indenização,  por ser moradora de Brumadinho, mas ainda não vi nem o cheiro desse dinheiro, só as contas”, reclama a coordenadora de vendas Dulcilene Moraes, de 35 anos.

Outro grande problema tem sido o preço dos combustíveis, que já foi denunciado até ao Ministério Público. Para se ter uma ideia, no mês passado o vendedor Weverton Juliano Rosa Queiroz, de 32, passou a ter de pagar R$ 5,11 pelo mesmo litro de gasolina que custava R$ 4,79 há um mês, uma alta de 6,6%. “O pior é que não nos resta opção.
Os três postos que há em Brumadinho têm diferença de um centavo nos preços, o que nos leva a imaginar que estamos sob a ação de um cartel que possa estar se aproveitando de nossa situação e do dinheiro que a Vale trouxe ao mercado depois da tragédia”, afirma.

Nem donos de postos nem de supermercados quiseram se posicionar diante das perguntas da equipe do Estado de Minas, mas concordaram em expôr seus argumentos. De acordo com o dono do posto mais caro, que cobra R$ 5,11 pela gasolina, o problema é o mercado. “O frete para BH é mais caro do que para Brumadinho, de R$ 250 para R$ 400, considerando aqui como viagem, apesar de mais próximo e de ter menos trânsito. Antes, eu pagava R$ 41 mil por caminhão de combustível, hoje pago R$ 46 mil. Compro R$ 80 mil em combustível por semana, mas só tenho conseguido vender R$ 60 mil”, argumenta.

Ele mesmo diz estar sofrendo com a impossibilidade de competir com os preços de mercado. “Quando as pessoas recebem, fazem fila aqui. Mas abastecem R$ 15 ou R$ 20, para ter combustível para encher seus tanques em BH”, sustenta. Contudo, em Sarzedo, que é cidade vizinha, praticamente à  mesma distância das distribuidoras, o preço da gasolina é R$ 4,89, cerca de 4,5% a menos.
A diferença de preços não é o único indicativo de cartéis, mas é interessante notar que o preço dos três principais postos de Sarzedo são os mesmos, e que entre os de Brumadinho difere em R$ 0,02.

‘Bitmonkey’ no rastro do medo


Há exatos três meses, a comunidade de Brumadinho, na Grande BH, se viu abaixo de uma avalanche de 20 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro que se desprendeu com a tragédia da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale. Foi, também, o estopim para a crise de segurança em barragens, que resultou em evacuações de populações vizinhas de complexos minerários em outras cinco cidades mineiras (Itabira, Itabirito, Itatiaiuçu, Nova Lima e Ouro Preto) devido à incerteza de estruturas semelhantes à que se rompeu, mesmo sendo algumas detentoras de atestados de estabilidade assinados por engenheiros.

A alta de preços também prejudica consumidores de áreas ameaçadas por essas barragens. Em Nova Lima, onde 263 pessoas foram desalojadas do distrito de São Sebastião das Águas Claras, conhecido como Macacos, os vouchers oferecidos pela mineradora Vale aos moradores geraram sobrepreço no comércio. Os cartões têm valor de R$ 20, mas não admitem troco, tendo de ser inteiramente consumidos. Tampouco podem ser usados para outras finalidades que não sejam a aquisição de alimentos, sendo vedados para produtos de limpeza, por exemplo.

Cada cartão pode ser usado para almoço e jantar, com uma cor para cada dia da semana. Os moradores apelidaram os vouchers de bitmonkey – junção da palavra bitcoin, que é a moeda eletrônica mais conhecida do mercado, e a palavra macaco em inglês (monkey).

Segundo moradores ouvidos pelo Estado de Minas, há casos de sobrepreços de até 20% nos estabelecimentos que se conveniaram com a Vale. Aumentos foram observados no preço unitários de marmitas, de R$ 15 para R$ 18, o que também foi observado em outros gêneros alimentícios, sobretudo dos componentes da cesta básica.

*Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia

.