São 27 anos de Vale, não passados diretamente na mineração, mas em processos relacionados ao minério. Gerente-executivo de excelência operacional de fevereiro de 2003 até o último mês de março, Marcelo Klein, de 50 anos, sempre esteve associado ao desenvolvimento de pessoas. O perfil de lidar com capacitação e, segundo ele, mostrar e resolver problemas, quebrando a cultura de hierarquia para driblar desafios, o credenciou a assumir a mais nova diretoria da empresa, com sede em Belo Horizonte, criada para fazer frente aos impactos sociais e econômicos sofridos em Brumadinho, na Grande BH, depois do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão e também nas cidades evacuadas por causa do risco de outras tragédias.
Com a estruturação da Diretoria Especial de Reparação e Desenvolvimento, a Vale sinaliza que busca evitar a estratégia adotada depois do rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, quando se criou a hoje desgastada Fundação Renova para dar conta das demandas socioeconômicas do desastre. Três anos depois daquela catástrofe, pouco se avançou no quesito indenizações e o aspecto assentamento também deixa a desejar em termos de agilidade.
Zona quente
A nova configuração organizacional começou a se desenhar em 26 de janeiro, dia seguinte ao desastre, quando o executivo foi convocado para ajudar no acolhimento às vítimas na Estação do Conhecimento, em Brumadinho. “Fiquei duas semanas vivendo as experiências mais dramáticas, acolhendo pessoas e dando orientações num momento cujas dimensões ainda não se sabia muito bem quais eram”, relata. Depois, veio a organização para levar pessoas com casas atingidas ou que perderam imóveis para moradias provisórias. “Se a busca é por uma diretoria para ajudar o atingido, nada melhor do que ficar na zona quente 24 horas”, afirma.
Formado em engenharia química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em química industrial na PUC Rio, Klein passou pelas áreas de controle de qualidade, operação, planejamento, desenho de processos, estratégia e melhoria contínua. Antes de assumir a Diretoria Especial de Reparação e Desenvolvimento, ocupava o cargo de gerente-executivo de excelência operacional, cuja atuação se estendia a todas as unidades da Vale no Brasil e no exterior.
Agora, sai de sua base em Vitória (ES) para Belo Horizonte, onde está sediada a nova diretoria. A ideia é ficar mais próximo dos acontecimentos e humanizar a relação com as comunidades. O diretor garante que será diferente e chama a atenção para a necessidade de ouvir os atingidos e entender suas necessidades, em vez de impor modelos prontos. “Legitimar as demandas é um dos maiores desafios. Estou muito preocupado em fazer a escuta ativa da comunidade e dar legitimidade. Reparação tem pouco a ver com dinheiro, e muito a ver com acolher as pessoas”, avalia o novo diretor, que toda segunda-feira tem assento garantido na diretoria executiva da mineradora para repassar diretamente à presidência o que está sendo feito e pedir apoio para o que for necessário.
Confira abaixo os principais trechos de entrevista concedida pelo novo diretor de reparação e desenvolvimento da Vale ao Estado de Minas.
Políticas de Atendimento
“Depois de duas semanas em Brumadinho, fui para BH coordenar todos os pontos de atendimento de maneira geral e reforçar a interface da Vale com a comunidade atendida. Quem está na ponta quer atender a tudo, mas aparecem exageros e abusos. E quem está na ponta retroalimenta também as políticas de atendimento. No meio do processo, aparecem exceções que nos levam a refletir sobre situações que não haviam sido pensadas. É tudo muito dinâmico.”
Nova vertente
“Até Brumadinho, a empresa tinha capacidade de relações institucionais pequena. Agora, viu a necessidade de aumentar muito essa vertente. Por isso, a Diretoria Especial de Reparação e Desenvolvimento tem foco na reparação humanitária, uma vez que há uma ruptura grande para a dignidade das pessoas. Lucros cessantes, atividades laborais, tudo o que foi interrompido na vida delas por causa da ruptura da barragem e o que a evacuação atrapalhou, nessa parte a Vale tem de entrar para fazer as indenizações. É uma reorganização, mirando em áreas estruturantes. No começo, minha área era o plano de respostas imediatas. Agora, começa a migrar para a estrutura de reparação perene, que é uma agenda de vários anos.”
Recontrução
“O foco da atuação vai do momento do impacto até a restituição da normalidade: reparação humanitária (financeira, de moradia), agropecuária, ambiental e recolhimento de material da barragem. Estamos trazendo para a diretoria um tipo de ‘franquias’, concentradas em dar celeridade ao processo. Estamos usando como laboratório, para fazer tudo com mais velocidade. Temos uma dívida enorme com a sociedade e estamos espelhando esse novo ponto de vista de todos se ajudarem. É uma agenda de reconstrução. Moradores do Córrego do Feijão e do Parque Cachoeira já estão falando no futuro com a Vale. Estão nos permitindo fazer a reparação e seguir o caminho com eles. Além disso, é a reconstrução da nossa imagem. Poderemos ter a satisfação de as pessoas retomarem suas vidas com todo o esforço de nossa parte. A diretoria é especial porque foi mobilizada pelo rompimento; é de reparação porque temos que reparar o que foi destruído, e é de desenvolvimento pelo que deve ocorrer daqui por diante.”
Segurança de barragens
“A área técnica de geotecnia está sendo recomposta. A segurança é responsabilidade do operador. Quem está operando, usando a barragem é o primeiro contato da linha de defesa. A segunda linha de defesa é a segurança geotécnica, o que quer dizer quais instrumentos estão sendo usados, os níveis de medição – toda a aparelhagem de informática em campo para garantir a segurança. A terceira linha é a avaliação de risco, que pesa esse fator em toda empresa. Estamos garantindo camadas de atuação independentes e a função de cada uma é desafiar a outra.”
Diferença da Renova
“O grande foco é a reparação rápida ao atingido. Que mecanismo se pode criar para que seja mais rápido? Para retomar a normalidade mais rapidamente? Essa velocidade é importante. O foco principal é passar da emergência para recuperação perene (crescimento, desenvolvimento e recuperação de legado). Abraçar um futuro promissor para que as pessoas resgatem sua dignidade. A escuta social é muito importante, ou seja, saber o que o atingido quer. Não podemos achar que já sabemos o que ele quer. Legitimar as demandas é um dos maiores desafios. Estou muito preocupado em fazer escuta ativa da comunidade e legitimar. Reparação tem pouco a ver com dinheiro, e muito a ver com acolher as pessoas. A indenização material é importante, mas a reconstrução de uma nova perspectiva de vida é ainda mais.”
Três meses depois
“Há muito para fazer. Estamos focados no acolhimento aos atingidos e em garantir o acolhimento psicossocial e material. A celeridade nas buscas por corpos é importante e o esforço do Corpo de Bombeiros é o mesmo desde o primeiro dia. O Instituto Médico-Legal também é importante para uma identificação mais rápida e houve aporte grande de recursos para que cada família que ainda está esperando resgate seu ente querido. Sucesso só existe quando todos forem encontrados. Faltam ainda obras de engenharia, como construção de diques e adutoras, que fazem parte da compensação de dano ambiental. E precisamos acelerar o plano de reconstrução urbanística do Córrego do Feijão e do Parque Cachoeira, com a limpeza das ruas. No aspecto de acolher pessoas, dar celeridade nas buscas e fazer grandes obras, o balanço é positivo.”