Os últimos dias foram de lembranças e preocupação para a cozinheira Janaína Geraldiene Moura, de 32 anos, mãe de Damares, de 7, e moradora da comunidade Dandara, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte. De atestado médico, a menina esteve febril e não foi à escola, enquanto Janaína se dedicou a separar as roupas de Erídio Dias, com quem teve um relacionamento durante quase nove anos – “aos trancos e barrancos”, conforme define com uma ponta de humor e a intimidade de companheira, mas sem esconder o fio de tristeza na voz.
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Nesse período entre as duas tragédias, o soldador Erídio, caçula de seis irmãos, procurou aprimorar seu ofício, fazendo cursos de capacitação, concluiu a formação de técnico em mecânica, fortaleceu os laços familiares, especialmente com a mãe, Maria Madalena, de 73, residente em Sem-Peixe, na Zona da Mata do estado, fez planos de trabalhar em São Luís (MA), ergueu com Janaína os cômodos para morar e demonstrou todo o amor de pai. “Adorava a menina. Geralmente, ficava de segunda a sexta-feira no alojamento das empresas onde trabalhava. Viajava muito também. Chegava aqui só no sábado e retornava ao alojamento no domingo à tarde”, recorda-se Janaína. “O médico avisou que Damares está com a imunidade baixa, pela situação”.
MAR À VISTA Os dois dias – de renascimento numa quinta-feira, em Mariana, e de morte, numa sexta-feira em Brumadinho – estão muito fortes na memória de Janaína.
“A gente se falava muito pelo celular, diariamente. Naquele dia, liguei para ele às 11h48, mas a ligação caiu. A tragédia ocorreu depois do meio-dia. Fiquei sabendo mesmo quando me avisaram”, diz Janaína, que, na comunidade Dandara, mora na Rua dos Palestinos. Agora, é tocar a vida, embora os dois nunca tenham feito plano de se casar. “Fomos companheiros em momentos bons e difíceis.”
Nesse período de mais de mil dias entre Mariana e Brumadinho, o menino nascido em Sem-Peixe, órfão de pais aos 2 anos de idade, e irmão de Laércio, Almíria, Esmeralda, Israel e Ataíde conheceu o mar.
SINAL DE PERIGO Por onde se ande e se olhe, há sempre uma placa indicando rota de fuga e com informações sobre como proceder em caso de rompimento de barragens. Esse quadro, comum a muitas cidades do Quadrilátero Ferrífero, está presente também no Bairro JK, em Igarapé, na Grande BH. “Tem uma mineradora nesta região, dizem que está estabilizada”, conta o pedreiro Laércio Dias, de 46, casado, pai de três filhos e já avô. Primogênito de Maria Madalena, ele também culpa as empresas pela morte do irmão caçula, ao mesmo que vê aí um dedo do destino. “Acho que não temos como correr da morte”, observa pensativo.
Na sala de casa, ao lado da mulher, Vivalda Oliveira Santos, e do filho Arthur, de 10, Laércio mostra a foto de Erídio na tela do celular e os olhos baixam. “Ele ficou bem mais próximo de toda a família, sem falar na Damares, que adorava e queria muito que estudasse. Meu irmão passou também a ir mais a Sem-Peixe visitar nossa mãe, que o chamava de Guinho. Ninguém podia falar nada dele que brigava”, conta o pedreiro.
Para Vivalda, casada há 25 anos com Laércio, o cunhado ficou diferente depois de sair vivo de Mariana, o que creditava à sorte. “Parece que ele estava adivinhando alguma coisa. Um dia, fizemos um churrasco e ele avisou que não poderia vir. Mas depois veio, fez surpresa.” Jovem, boa pinta e sempre trabalhando em empresas diferentes, Erídio ficou com fama de namorador, o que não é negado pelo casal, que também enaltece o gosto enorme do soldador pelo trabalho. “Valorizava o serviço, falava muito sobre a importância da solda e tinha feito um curso de inspeção nesse setor”, conta o irmão.
Laércio lembra da mudança para Belo Horizonte como forma de melhorar a vida. “Minha mãe ficou viúva e, como eu era o mais velho, tive que ajudar a família. Depois, fui trazendo os irmãos para a capital e Laércio veio há uns 15 anos. Era um rapaz muito sossegado, falava pouco. Foi trabalhar em Brumadinho uns quatro meses antes da tragédia”, observa o irmão, citando o desejo do caçula de trabalhar nos navios no Maranhão.
Já na porta de casa, Laércio critica o longo período entre a tragédia e o sepultamento, devido à identificação do corpo. “Foram quase dois meses até o enterro, que foi realizado em 20 de março, em Sem-Peixe, às 8h da noite. Foi muita gente de lá”, despede-se o pedreiro da equipe do EM, antes afirmando que “minha mãe ficou muito triste, abalada...ela que amava tanto seu filho caçula”..