“A vida é só um momento, pois não existe o ontem e nem amanhã, apenas hoje. Por isso, vamos curtir as pessoas ao máximo.” Hoje, Arleandro Alberto, de 38 anos, que sofre de paralisia cerebral, está muito mais aberto do que antigamente.
“O produto nos orgulha porque foi concebido para gerar possibilidades e transformar a vida dos usuários”, comenta o engenheiro eletricista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriano Rabelo Assis, diretor da startup Geraes Tecnologia Assistiva, responsável pelo TiX. A empresa foi criada para dar vazão comercial às ideias da equipe idealizadora, que começou em 2009 com um aplicativo que facilitava o acesso de deficientes visuais ao transporte coletivo.
Em dezembro do ano passado, o teclado recebeu o prêmio Entrepreneur Hero (Herói empreendedor, em português), durante a EdTech Innovation Start-up Competition 2018, realizada em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, na qual foram apresentadas tecnologias relevantes para ecossistemas educacionais.
MECANISMOS O equipamento resume um teclado de computador, que tem de 70 a 100 teclas, em apenas 11 botões, grandes e com espaçamento tal que permitem serem tocados sem que se esbarre nos outros, promovendo todas as funções de um computador. “A ideia era lançar um teclado para quem já tivesse uma situação intelectual que permitisse o uso do computador, mas então percebemos que era possível mecanismos que favorecessem o acesso às pessoas com dificuldades mais severas, como não conseguir tocar com as mãos ou com os pés. Então foram surgindo novas ferramentas de acesso”, explica o professor aposentado da UFMG Júlio Cézar David de Melo.
O acionamento em sequência de dois dos botões grandes, coloridos e sensíveis do Tix equivale a uma das teclas do teclado convencional. “Para indivíduos com deficiência severa, é muito mais fácil apertar dois botões no TiX do que acertar um único ‘alvo’ no teclado convencional, sem esbarrar nas demais teclas. Livre da frustração de errar, o usuário é mais eficiente na digitação”, garante Adriano Assis.
Por meio de uma sequência de toques, muda-se a função do teclado para que ele possa operar o mouse. “Para pessoas sem coordenação motora fina, o desafio de manipular o mouse é ainda maior. As ações de clique duplo e de arrastar itens, por exemplo, são complexas e exigem precisão”, observa o engenheiro. Para aqueles que só dispõem do movimento dos olhos, a comunicação é viabilizada por meio da conexão do TiX a um detector de piscadelas, que consiste em um sensor instalado na haste de qualquer óculos. Nesse caso, os botões acendem luzes em sequência e são acionados quando o usuário pisca o olho. Todas as ferramentas do TiX são adaptadas conforme o desenvolvimento de quem a utiliza. Em relação aos mais introduzidos à tecnologia, a sequência de luzes costuma ser mais rápida.
Os equipamentos desenvolvidos pela equipe de egressos da UFMG são oferecidos às escolas e instituições na forma do Programa Educacional TiX Letramento, que auxilia profissionais de educação inclusiva e atendimento educacional especializado, favorecendo a leitura, a produção de textos e os cálculos matemáticos dos alunos com deficiências diversas.
A tecnologia pode ser adquirida completa ou apenas em partes. As escolas e clínicas trabalham com grande diversidade de dificuldades enquanto os indivíduos têm necessidades específicas. Um equipamento completo custa R$ 2.960. Já para uso caseiro, o indivíduo pode adquirir uma assinatura, a partir de R$ 189 mensais, que funciona como um serviço de TV a cabo.
Janelas abertas para o mundo
Desde 2014, quando o TiX foi lançado, vários municípios e instituições vêm adquirindo o equipamento. A Prefeitura de Recife (PE), por exemplo, comprou 190 teclados. Em Belo Horizonte, um lugar especial ganhou de presente o equipamento: o Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, localizado no Bairro Floramar, na Região Norte da capital mineira, e que abriga cerca de 500 idosos e pessoas com paralisia cerebral há mais de 50 anos.
Arthur dos Santos, terapeuta ocupacional do núcleo, o mesmo que ajuda Arleandro a escrever seus textos, ressalta a importância do aparelho para a vida de quem tem paralisia cerebral e outras doenças que comprometem a mobilidade. “O recurso é incrível. Por mais que você dê um tablet ou um computador, eles não conseguem acessar sozinhos, estão sempre dependendo de outras pessoas. Agora, quando se coloca um teclado como esse, que ele consegue fazer o que quer, você abre uma janela sem fim para eles.”
A Casa do Caminho, uma das quatro estruturas presentes no núcleo, abriga quase 90 pessoas de 0 até 54 anos. Dessas, de acordo com Arthur, apenas cinco conseguem ter acesso ao teclado, já que as limitações físicas e mentais de alguns os impedem de utilizar a inovação. Mesmo assim, o aparelho proporciona esperança e conhecimento aos moradores do lugar. Conforme conta o terapeuta, com o aparelho, é possível facilitar o acesso em sites de buscas para conhecer novos países e culturas e até no YouTube, onde podem, inclusive, escolher as próprias músicas. “Antigamente, alguns falavam e eu digitava. Agora eles conseguem expressar. Esses recursos mostram que eles são capazes”, finaliza o terapeuta.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Regina Werneck