Jornal Estado de Minas

Depois de cortes no setor, deputados estaduais criam frente de defesa da ciência

Abraham Weintraub em audiência na comissão de Educação do Senado. 'Não podem economizar nem uma migalha?', questionou - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Universidades, estudantes, servidores, pesquisadores e o poder público firmaram ontem um pacto em prol de um projeto de nação que passa, essencialmente, pela atividade científica. Num contexto de bloqueio de verbas para manutenção e investimento nas instituições federais de ensino e de um corte drástico no orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), foi lançada na Assembleia Legislativa (ALMG) a Frente Parlamentar em Defesa da Ciência, Pesquisa e Tecnologia. Hoje, reitores de universidades continuam os esforços para reverter a decisão do governo federal e vão até o Congresso Nacional para tentar o apoio dos deputados federais contra o corte de 30% feito pelo Ministério da Educação (MEC).

Apenas um deputado não assinou o documento de criação da frente parlamentar: Guilherme da Cunha (Novo). Antes da sessão, pesquisadores se concentraram na Praça Raul Soares, de onde partiram até a Assembleia, na Marcha pela ciência – em defesa da Fapemig. A instituição estadual de fomento à pesquisa saiu de um orçamento anual de R$ 300 milhões para R$ 70 milhões. Grande parte da expectativa de reverter o quadro também vem da ALMG, onde tramita um projeto de emenda constitucional (PEC) obrigando o governo a cumprir a legislação estadual e aplicar 1% do Produto Interno Bruto (PIB) na pesquisa.

“É um momento histórico em que o desenvolvimento científico ganha o reconhecimento da Casa. A oportunidade de Minas Gerais sair da crise fiscal vem por meio do desenvolvimento”, disse o presidente da Fapemig, Evaldo Vilela. “Não é um choro por mais dinheiro.

Estamos tentando convencer o governo da importância do que Minas faz em termos de pesquisa, tecnologia e inovação”, acrescentou.

A reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Goulart, voltou a afirmar que não se pode pensar em enfrentar uma crise sem investir em educação, ciência e tecnologia. Segundo ela, os cortes representam o risco de descontinuidade de todo esse trabalho. “Nenhuma sociedade existe sem universidade”, disse, citando Darcy Ribeiro. “Somos a solução para os problemas do estado e do país. Se não defendermos nosso patrimônio, não haverá futuro para nosso estado nem nosso país”, relatou. Na UFMG, o corte na Fapemig se traduziu no fim das bolsas de iniciação científica e do ensino médio e de projetos de pesquisadores. O baque nas finanças chegou a R$ 15 milhões.

O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Sérgio de Aquino, lembrou que no Brasil cerca de 95% das pesquisas dependem de recursos públicos.
A afirmação foi reiterada pela reitora da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg). Lavínia Rosa Rodrigues: “A educação tem o apelo de ser a grande base de sustentação da pesquisa e da extensão”.

O corte anunciado pelo governo do estado em fevereiro afetou 5 mil bolsas em toda Minas Gerais. No Instituto René Rachou/ Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), o impacto foi de R$ 4 milhões. Todas as pesquisas estavam em andamento. Entre elas, projetos de desenvolvimento de medicamentos, de vacinas, de testes de diagnósticos para várias doenças tropicais e pesquisas relacionadas à dengue. A vice-diretora de Ensino da Fiocruz, Cristiana Brito, lembrou que o corte da Fapemig afetou, principalmente, as bolsas de iniciação científica (alunos de graduação que estão entrando na carreira da ciência) e também as chamadas bolsas júnior, relativas a alunos do ensino médio. “Esses estudantes são muito importantes, pois são o futuro, aqueles nos quais estamos despertando o gosto pela carreira de pesquisador”, disse.

Os alunos da graduação e do nível médio estavam em fase final de seleção para a bolsa de R$ 400 quando veio a notícia do corte. “Tivemos de avisar aos aprovados que não seria possível continuar.
O aluno que está começando agora desanima. E, no futuro, não haverá estudante interessado no mestrado, no doutorado nem pesquisador”, completou a vice-diretora.

TUMULTO
Um princípio de tumulto movimentou a sessão de criação da frente parlamentar. O deputado Coronel Sandro (PSL) inflamou os ânimos de estudantes, pesquisadores e professores presentes no auditório da Assembleia, ao defender a decisão do governo federal de bloquear 30% do orçamento das instituições. Ele fez questão de pôr entre aspas os cortes. “Não posso acreditar que o presidente (Jair Bolsonaro) tome a atitude porque está abrindo guerra contra as universidades, pois a história mostra o contrário”, disse, lendo manchetes de jornais relativas a bloqueios em governos anteriores, de valores muito menores que os atuais.

Ele bateu boca com o público presente dentro e fora da sala. Depois de 20 minutos de fala, se estranhou com o deputado Ulisses Gomes (PT). Foi preciso intervenção da deputada Beatriz Cerqueira (PT) para apartar os dois. Coronel Sandro saiu escoltado pela Polícia Legislativa.

Ministro minimiza bloqueio

 

Após bloquear 30% dos recursos das universidades federais do país, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, minimizou o tamanho do contingenciamento em audiência na Comissão de Educação do Senado, ontem. “É sacrossanto o orçamento? Não podem economizar nem uma migalha?”, disse ao ser questionado sobre a dificuldade relatada pelos reitores em manter as instituições após a redução de recursos.



“A universidade federal hoje no país custa R$ 1 bilhão. Não dá para buscar nada (para cortar)? Todo mundo no país está apertando o cinto”, completou Weintraub.

Ele esteve no Senado para apresentar as diretrizes e programas prioritários para a pasta, no entanto, não mostrou projetos. O ministrou criticou programas petistas, como Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), e voltou a defender cortes na área de humanas.

Com o um bloqueio de R$ 7,3 bilhões do orçamento do Ministério da Educação (MEC), o ministro negou por diversas vezes que haja corte de recursos para as universidades federais e disse que houve um contingenciamento. “Se a economia tiver crescimento, com a aprovação da Reforma da Previdência, se descontingencia o recurso. Não há corte, a economia impôs o contingenciamento diante da arrecadação mais fraca e nós obedecemos”, disse.

Ele ainda propôs aos reitores que marquem reuniões com o MEC para discutir a nova situação financeira das universidades federais. E chegou a comparar a situação do contingenciamento com a de empresas privadas. “O dono de uma empresa às vezes tem que fazer corte de 20% e sobrevive”, disse.

Weintraub também falou sobre a decisão de reduzir investimentos na área de humanas e priorizar as disciplinas de exatas e biológicas, como engenharia e medicina. Segundo ele, a decisão está baseada em números e critérios técnicos. Ele disse que apenas 13% da produção na área de Ciências Sociais Aplicadas, Humanas e Linguística têm impacto científico. Ainda assim, segundo ele, a maioria das bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) são de estudantes da área de humanas. “Gente que é paga para estudar”, disse acrescentando que, na maioria dos casos, esse investimento não traz retorno efetivo ao país.

Ele afirmou que a prioridade é o ensino básico.  “A gente aqui no Brasil quis pular etapas, colocou dinheiro demais no teto e esqueceu a base”, disse.
Questionado sobre o contingenciamento de recursos também para a educação básica, o ministro apenas afirmou que o bloqueio não é permanente e pode ser revertido com a melhora da economia. Também questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede) sobre o bloqueio de verbas para a construção de creches, que minutos antes havia sido elencado por Weintraub como prioridade, o ministro não respondeu. “Quantas creches o governo Dilma (Rousseff) cortou”, se limitou a dizer.

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