Tirar os sapatos, pisar no chão e sentir na pele a dor do outro que não tem nem mesmo um chinelo para calçar. E ter um calçado é tão básico que nem paramos para pensar na sua ausência. Assim, alunos, professores e colaboradores do Colégio Santo Agostinho, da unidade Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram convidados a ir descalços para a escola na manhã de ontem.
Com o tema “a empatia brotará da planta dos seus pés”, a iniciativa do colégio amplia a proposta inicial do projeto “One day without shoes” – movimento internacional que chama a atenção para o número de crianças afetadas por doenças que poderiam ser evitadas caso tivessem acesso a sapatos – promovendo também a reflexão sobre a realidade brasileira.
Rosália Coelho Caputo, de 16 anos, da 3ª série do Ensino Médio, participa há nove anos da ação. E ontem saiu de casa sem os tênis: “É algo tão banal, que faz toda a diferença. Antes, eu vinha de chinelo. Mas acredito que é uma iniciativa que tem que ser vivida de verdade. Vim (descalça) desde minha casa. Certo, vim de carro que já é um grande privilégio, mas dá pra ver até a diferença entre os meus pés e os dos outros – que estão bem mais limpos”, contou a jovem, que se orgulha muito de participar da iniciativa.
Trata-se de uma ação de cidadania a partir da escola que chama a atenção para as desigualdades. “Estamos trabalhando com nove histórias de pessoas que estão, de certo modo, próximas de nós. São quatro pessoas do Colégio Agostiniano Frei Carlos Vicuña, obra social que funciona aqui mesmo na escola, no período da noite; uma do próprio Colégio Santo Agostinho Contagem; três da Escola Estadual Doutor José Roberto de Aguiar”, explicou a diretora da instituição de ensino, Aleluia Heringer. Para ela, a ação precisa sair do discurso para que seja sistemática e não pontual. “Somos uma escola de elite de Contagem. Temos, por exemplo, uma escola pública do outro lado da rua. Como estreitar essa relação? Por isso, precisamos escutar a história do outro”, acrescentou.
Um dos participantes é Wilson de Almeida Sebastião, de 38. Sua história emocionou muitos dos 700 alunos presentes na quadra na manhã de ontem. Filho de uma faxineira e de um operário, o jovem ficou órfão aos 10 anos e precisou assumir responsabilidades precocemente. “Mesmo sem conhecimento, meus pais sempre me incentivaram a estudar. Mas perdi a mãe cedo e precisei cuidar das minhas irmãs mais novas, além de fazer todas as tarefas de casa e ajudar meu pai. Não foi nada fácil e o sapato é um objeto muito simbólico. Consegui bolsa e logo comecei a estudar e a trabalhar. Mas precisava de percorrer tudo a pé. Meu sapato furava e eu cortava o resto de outro par e colava com ‘superbonder’”, contou.
Hoje, ele é professor de geografia e geógrafo. “É importante ter um projeto de empatia. É essencial sair da caixa e incentivar as pessoas a serem mais pé no chão,” acrescentou.
Cativado pelo projeto, o aluno do 4º ano Miguel Fonseca de Almeida, de 9, pretende praticar os ensinamentos diariamente. “Empatia é se colocar no lugar do outro. Acho que é legal sentir na pele o que as pessoas passam. Vou levar isso para a minha vida”, disse. A pequena Julia Oliveira Santos, de 6, também gostou muito de deixar os tênis em casa.
As doações, que ainda estão sendo contabilizadas, serão encaminhadas a instituições que promovem direitos humanos e assistência social em Contagem, grupos de apoio a mulheres, crianças e adolescentes em situação de risco e a comunidades carentes da região metropolitana. A ação também será realizada na sede da Sociedade Inteligência e Coração (SIC), dos freis agostinianos, uma entidade civil de assistência social, sem fins lucrativos, de caráter beneficente, cultural e de promoção humana.