Jornal Estado de Minas

Confira novas regras para porte de arma e veja quais são os primeiros candidatos

- Foto: Polícia Federal


As novas regras para posse de armas de fogo já haviam se traduzido em um movimento até 40% maior nos estandes de clubes de tiro da Grande BH, depois da assinatura pelo presidente Jair Bolsonaro, em 15 de janeiro deste ano, de decreto sobre o assunto. Esse aumento robusto da procura por licenças por adeptos da autodefesa armada deve ser reforçado pela grande ampliação das categorias que terão permissão para portar armamento – ou seja, tê-lo consigo de forma discreta em espaços públicos –, após a edição, na terça-feira, do Decreto Presidencial 9.785.

Instrutores de cinco estabelecimentos de treinamento ouvidos pela equipe do Estado de Minas afirmam que praticamente todos os atiradores desportistas cadastrados manifestaram desejo de iniciar os trâmites legais para poder circular armados. Antes restrito basicamente a forças de segurança pública ou a civis sob extrema ameaça de morte – e com pedidos que beiravam 100% de rejeição –, o porte agora poderá ser exercido por diversas categorias, como instrutores de tiro, armeiros, colecionadores, atiradores, caçadores, advogados, jornalistas, caminhoneiros e até políticos.

Polêmica na sociedade (leia abaixo Ponto crítico) e inclusive discutida do ponto de vista legal, a expansão da possibilidade de uso pessoal de armas foi bem recebida entre quem já está familiarizado com o manuseio de revólveres e pistolas. A aprovação indica, inclusive, que se tornar atirador esportivo pode abrir caminho para quem se interessa por tirar o porte, mas não se enquadra em nenhuma das categorias liberadas pelo decreto presidencial. “Mesmo com a regulamentação atual, o país já vive uma explosão no número de pessoas que se registram como caçadores, colecionadores e atiradores. As concessões cresceram 879% apenas nos últimos cinco anos, segundo dados oficiais”, sustenta o instituto Sou da Paz, contrário à flexibilização. “Essa história de que mais armas trazem mais violência é uma falácia.

Em Santa Catarina, por exemplo, que é o estado com mais armas legais proporcionalmente à população, a segurança é a melhor do Brasil. Países armados tendem a ser mais seguros”, rebate o Movimento Viva Brasil, a favor do decreto.


Debates à parte, segundo o instrutor de armamentos e tiro Bruno Arcanjo, do Centro de Treinamento Tático e Segurança (Cettas), praticamente todos os atiradores que frequentam o clube, um dos maiores da Grande BH, manifestaram interesse em ter porte para as armas com que praticam. “Esse era um anseio muito grande. Imagine que a gente tem de transportar nossas armas de casa para os clubes desmuniciadas. Um prato cheio para criminosos, pelo valor monetário e também para a prática de crimes. Éramos alvos. Agora, podemos nos defender e ao nosso arsenal”, afirma Arcanjo.


Segundo clubes de tiros e despachantes procurados pela reportagem, a média de rejeição dos pedidos de porte de armas de fogo feitos para civis beirava 98%, o que fazia com que muitas pessoas desistissem de requerer a licença para ter uma arma consigo fora de casa, mesmo que considerassem necessário para sua segurança.

“As pessoas perceberam que a burocracia vinha se reduzindo e se animaram a procurar os serviços que facilitam a parte burocrática. Muitos conseguiram a posse de arma de fogo e agora já se atentam à possibilidade de ter o porte. É algo progressivo, um direito que se tinha antigamente”, afirma o despachante Oscar Ribeiro.

O petroleiro Bruno Torres, de 41 anos, conta que quase foi assaltado quando deixava um supermercado e que isso o deixou incomodado, pelo sentimento de impotência. “Isso me fez pensar muito sobre a exposição que temos quanto à violência, principalmente em casa. Naquele dia tivemos de correr para dentro da loja e chamar os seguranças. Há quatro anos, tirei o certificado de registro (de atirador esportivo). Agora, quero ter o porte para garantir minha segurança e a das armas que levo comigo”, conta. Ele apoia a ampliação do porte para vários perfis.

“Caminhoneiros precisam e vários outros profissionais. Temos de lembrar que só quem tem ficha limpa e capacidade consegue. Ao bandido bastava querer cometer um crime e comprar no mercado negro”, disse.


DEFESA
Para o aposentado José Eustáquio Marinho, de 61 anos, que também se tornou atirador esportivo, o decreto trouxe maior possibilidade de defesa própria e da família. “O porte sempre foi o nosso objetivo. Vai nos dar maior tranquilidade e segurança. Com certeza esse decreto abriu um caminho que não se visualizava. Nunca passei por situação de violência e antes do Estatuto do Desarmamento não tinha armas de fogo. Mas achei um absurdo nos tirarem esse direito”, afirma.

A possibilidade de incorporação de calibres antes restritos também trará a necessidade de o setor passar por aperfeiçoamento, na avaliação dos instrutores do Cettas. “Os instrutores de muitos estandes e clubes terão de ter uma mentalidade mais abrangente, já que antes só se trabalhava com munições do tipo 380 para quem não era esportista. Agora, muita gente vai querer procurar um armamento que tenha munição mais poderosa, e isso requer que os praticantes passem por adaptações no manejo das armas de fogo .40 ou 9 mm (calibres liberados pelo decreto), mas não será nada muito radical”, prevê Bruno Arcanjo, do Cettas.

 

Ponto crítico
O decreto flexibilizando o porte de armas no Brasil é positivo?

Não
Instituto Sou da Paz

“Entendemos como prejudicial ao Brasil o decreto cuja função é facilitar ainda mais o acesso a armas de fogo e munições aos caçadores, colecionadores e atiradores e permitir o transporte da arma municiada.

Ao possibilitar que mais pessoas andem armadas, o decreto altera a legislação que proíbe o porte de arma, mudança que só poderia ser feita pelo Congresso Nacional. Com a alteração, o presidente beneficia um pequeno grupo em detrimento da segurança pública – uma vez que mais 255 mil pessoas poderão andar armadas com a decisão. O Exército contabiliza hoje mais de 350 mil armas nas mãos de caçadores, colecionadores e atiradores. São recorrentes os casos de desvio para o mercado ilegal, ainda que não intencionalmente. A própria justificativa usada pelos atiradores para demandar o porte municiado é que eles se tornam alvos preferenciais de roubos, reconhecendo que a arma atrai criminosos. Esse é um problema negligenciado há muito tempo, conforme o relatório da CPI do Tráfico de Armas, da Câmara dos Deputados, de 2006. Entendemos que há muito a ser feito para a diminuição da violência e criminalidade no Brasil e temos uma ampla agenda de propostas. No entanto, insistir em medidas que facilitem a compra e circulação em vias públicas de armas e em medidas que sobrecarregam as instituições públicas em prol de um pequeno grupo só irá piorar o grave cenário da segurança pública enfrentado pela população brasileira.”


Sim
Movimento Viva Brasil

“Tivemos um avanço muito importante no direito de defesa do cidadão com a publicação do decreto. Mas para aquele que está preparado para isso, que tem conhecimento técnico. Só receberão o porte pessoas que passarem por uma série de questões burocráticas muito criteriosas para terem acesso às armas de fogo.
Foi um garantidor desse pedido de direito à legítima defesa, que é um anseio dos brasileiros há muitos anos, desde o referendo de 2005, quando a população rejeitou a proibição de venda de armas de fogo, com mais de 60% dos votos. A legislação (do desarmamento) foi colocada de forma autoritária, e isso começou a mudar. Agora, por exemplo, se tem prazos definidos para análise dos processos de obtenção de posse e porte de armas. O Exército, no caso dos atiradores esportivos, colecionadores e caçadores, vai ter de analisar o pedido de licença em 60 dias. Antes, chegava a durar até um ano. E vai melhorar para o cidadão comum, que não quer ter uma arma. Passou-se uma mensagem para os crimi    nosos de que a sociedade também está pronta para enfrentá-los. Antes, a criminalidade sabia que a sociedade estava indefesa. A ampliação do direito ao porte foi muito importante, mas são situações que já ocorriam antes do desarmamento de 2003. Há 30 anos, não se conhecia um jornalista da área criminal que não andasse armado para se defender. Caminhoneiros não precisam ser vítimas certas por estarem indefesos nas estradas.”

 

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