Nestes dias de maio, além das homenagens à mães biológicas e do coração, o Projeto Providência, da Arquidiocese de BH – há três décadas no atendimento integral a crianças e adolescentes na capital –, celebra a Semana da Paz. É uma oportunidade fértil para professores, equipe administrativa, voluntários e alunos estreitarem laços e ficar ainda mais perto uns dos outros, além de falar sobre um tema tão caro à sociedade. “O mundo está mudando muito rápido, e os adultos têm seu papel frente aos jovens, principalmente para conter a violência. Podemos ajudar, sim. Impor limites é fundamental”, acredita Ana Soares da Fonseca, de 66 anos, casada, com cinco filhos e quatro netos, uma das voluntárias que doam seu tempo aos cuidados com a criançada, para quem são verdadeiras segundas mães.
Com olhos verdes que brilham ao falar da garotada, Ana explica que cada um dos meninos e meninas é como se fosse da sua família. E basta ver o semblante iluminado para reforçar a sabedoria popular, segundo a qual em coração de mãe sempre cabe mais um, às vezes dois, ou dezenas. A postos, de jaleco e touca, Ana ajuda duas cozinheiras a preparar o jantar colorido da turminha da tarde. “Eles fazem esta refeição (das 15h30) antes de voltar para casa”, informa a supervisora do Projeto Providência – Unidade Vila Maria, Flávia Alves da Rocha. As outras duas ficam no Taquaril e Fazendinha, no Aglomerado da Serra, na Região Leste. Há ainda sinal verde para uma unidade florestal, na Estrada do Sanatório, no Bairro Ribeiro de Abreu, Norte de BH.
O ambiente movimentado contagia Maria Rosângela Rodrigues Rufino, de 52, casada, com três filhos, três netos e uma bisneta. “Sou voluntária no projeto desde o início. Hoje, venho quando possível”, conta ela, acompanhada da filha Solany Rodrigues Rufino, de 33, vítima da talidomida – medicamento responsável por má formação do feto na gravidez. A limitação física – ela não tem os braços e pernas – não impede que Solany mantenha o sorriso e seja uma pessoa produtiva. “Ela pinta muito bem”, orgulha-se a mãe, enquanto conduz a cadeira de rodas e fala sobre os dotes artísticos da filha, que foi acolhida no projeto ainda criança e participa das atividades.
Na tarde de quinta-feira, Maria Rosângela vestiu o jaleco e a touca brancos diante das travessas com a comida quentinha: arroz, feijão, verdura, ovos mexidos, além de suco de laranja e gelatina, na sobremesa. “Olha, gente, que belezinha. Como é que a gente pode não gostar dessa turma?”, comentou Maria Mônica com a amiga Maria José, que também se derreteu, ao ver a fila se formando. “Benza Deus! Cada um mais lindinho!”, respondeu, no mesmo tom de encantamento. E o tom precisa ser superlativo, afinal, são 540 crianças e adolescentes, na faixa dos 2 aos 14 anos, distribuídas em dois turnos.
AMIZADE Adolescentes em sala de aula do Colégio Santa Maria, parceiro do projeto, ou praticando esportes especializados celebram a cidadania na sede do Projeto Providência. Na sala de artes, um grupo mostra que basta estimular para colher bons resultados. Na hora de elaborar o livro de receitas com o qual vai presentar a mamãe neste domingo, Daielle Camile de Almeida Silva, de 14, recorreu à experiência da “mãe reserva” Maria Mônica. “É muito legal ter as voluntárias aqui no projeto”, disse a jovem, ao lado dos colegas Juan Vinícius, Maria Eduarda e Cibele Bárbara de 14, Adrielle de Lana e Isabella Gabrielly, de 13, e Luana Vitória, de 12.
Poucos minutos depois, terminadas as tarefas diárias, o grupo que estava em torno de uma mesa se une a outro e, para antecipar o Dia das Mães, decide dar um abraço coletivo em Maria José, Ana, Maria Mônica e Maria Rosângela. Nem precisa dizer que virou festa. “Durante o tempo que a gente fica aqui, elas nos ajudam. E dão até conselho”, diz com, a voz firme, Carlos Antônio de Souza dos Santos, de 14.
História de solidariedade
De acordo com a Arquidiocese de BH, foram muitas as mudanças na Vila Maria ou Gorduras, que já foi conhecida por Favela dos Caixotes, devido às casas de madeirite nas quais viviam dezenas de famílias que perderam as moradias na enchente que atingiu a Região do Perrela, em BH, e tiveram que ser transferidas.
Nas últimas três décadas, o Projeto Providência – Unidade Vila Maria cresceu e apareceu, a começar pela sede localizada ao lado da Igreja Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, “padroeira” das ações ali conduzidas. Há um ano e meio, como a demanda continuava aumentando e as instalações não eram suficientes para atender todo mundo, chegou em comodato o Sítio do Pica-Pau Amarelo, sendo instalado ainda o Projeto Providência Adolescência (PPa), que atende a cerca de 80 jovens de 16 a 18 anos, nos cursos profissionalizantes de arte culinária, corte e costura, arte em madeira e eletricidade. Vale ressaltar, dizem os coordenadores, a iniciativa do padre Mário Pozzoli, barnabita, já falecido, “que reuniu estatísticas da população jovem da região e deu início a um projeto de resgate de milhares de crianças e adolescentes”.
Com a experiência de seis anos em Vila Maria e diante da necessidade da população do Taquaril, foi implantado naquela comunidade, em 1994, a segunda unidade do projeto, denominada Projeto Providência Páscoa. E, pelas mesmas necessidades, em 2001, foi criada a terceira unidade, no Fazendinha, Aglomerado da Serra. A estimativa é de que mais de 40 mil crianças e adolescentes já tenham dito “presente” na Associação Projeto Providência ao logo de todos esses anos. Muitos deles graças ao esforço e à dedicação das “mães de todo mundo”.