“Ele já fazia parte da família, era como se fosse um irmão de consideração mesmo.” A frase de uma jovem de 21 anos parece descrever uma pessoa querida, mas esconde, na verdade, um subterfúgio muito usado por criminosos que praticam violência sexual. Segundo a Polícia Civil, eles se aproveitam da confiança da vítima para consumar crimes como estupro ou estupro de vulnerável. Esse último registra crescimento tanto em Minas, onde avançou 25%, quanto na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e também na capital mineira quando analisado o período dos três últimos anos fechados, de 2016 a 2018 (veja quadro). Mesmo que a média mensal diminua quando analisados os dados dos três primeiros meses de 2019, esse tipo de comportamento ainda representa um desafio para as autoridades.
Apesar de ser maior de idade, a jovem que gerou a entrada da polícia no caso é vítima de estupro de vulnerável, porque sofreu abuso quando dormia e depois de ter ingerido bebida alcoólica, o que para o delegado Flávio Teymeny configura incapacidade de reação. Tudo aconteceu em janeiro, depois de uma comemoração da abertura de um bar da esposa de E.O., em Lagoa Santa. O namorado dela era muito próximo do autor do crime, chegando inclusive a morar por um período na casa dele. A relação era praticamente de família, o que mantinha encontros com frequência.
Depois da comemoração no bar, várias pessoas foram para a casa de Ederson, incluindo o casal. Quando a jovem dormia a violência se concretizou. Ela disse aos policiais que sentiu, de madrugada, alguém mexendo em sua roupa íntima e tocando-a. Ao se levantar, ela diz que começou a chorar e foi embora. A denúncia não foi feita no dia, porque ela conta que ficou completamente paralisada, em choque com a situação. Mas ainda em janeiro procurou a polícia, que deu início às investigações.
Três sobrinhas do acusado também se apresentaram à polícia e relataram mais casos, ocorridos em 2018. Uma delas é uma garota de 12 anos, que relatou que o indiciado passou a mão em suas partes íntimas em pelo menos uma ocasião em que ela estava sozinha em casa com a avó, com quem mora, no mesmo lote da casa do homem. As outras duas têm 21 e 20 anos. No caso de uma delas ficou comprovado por meio de exames que houve conjunção carnal.
CRESCIMENTO No período entre os últimos três anos fechados o crime de estupro de vulnerável aumentou 7% em BH, 20% na Grande BH e 25% em Minas. Nos três recortes, as médias mensais, levando em consideração o primeiro trimestre de 2019, apontam para uma redução na comparação com a média mensal de 2018. Para o delegado Flávio Teymeny, a proximidade com vítimas é usada pelos criminosos para cometer os abusos. “Ocorre muito dentro da família, dentro de casa, com tios, padrastos, pessoas que estão ligadas à família e usam dessa confiança”, diz o policial. Isso não impede a investigação, mas aumenta o desafio da polícia para reunir as provas, que se concentra mais nos relatos.
A riqueza de detalhes dados pelas vítimas nas quatro investigações que culminaram com a prisão preventiva de Ederson foi fator determinante para indiciá-lo pelos crimes. “Depois da prisão dele, outras vítimas nos procuraram. Tivemos informações inclusive sobre outras sobrinhas, que moram no estado de São Paulo”, acrescenta o policial. De quatro mulheres que relatam abusos ainda não detalhados, duas delas são mãe e filha, que contam sobre diferentes tipos de violência praticados cinco anos atrás, quando a garota tinha 12. Segundo a mãe, Ederson era muito amigo de seu marido e a ausência dele por motivos de viagem levou mãe e filha a passarem um tempo na casa do acusado. Segundo ela, os abusos deixaram marcas principalmente na filha, que vem lutando contra o trauma.
Ainda segundo Flávio Teymeny, o indiciado nega as acusações, dizendo se tratar de um complô da família contra ele, mas não consegue explicar nada quando confrontado com detalhes. A partir da divulgação do caso, o policial acredita que a investigação pode crescer ainda mais. “A gente espera que outras vítimas possam aparecer”, completa.
O que diz a lei
O Código Penal prevê pena de seis a 10 anos para quem constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, no que é conhecido como crime de estupro. Se a vítima for menor de 14 anos, ela é tratada como vulnerável e a pena varia entre 8 e 15 anos. Mas, nesse caso, a lei também prevê que é vulnerável quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para o ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.