BARÃO DE COCAIS Quem chegava a um dos sete pontos de encontro do simulado de emergência realizado ontem em Barão de Cocais (Região Central) tinha duas reclamações em comum: a baixa qualidade do som das sirenes e alto-falantes, com chiado nas mensagens, e a falta de informações concretas da Vale. Com uma adesão abaixo do esperado, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) promoveu ontem o segundo treinamento de fuga com a população de Barão de Cocais. Apenas 26% do público-alvo participou, um total de 1.625 pessoas. A movimentação durou 43 minutos, 29 abaixo do tempo que a lama demoraria para atingir a Zona Secundária de Segurança (ZSS), calculado em uma hora e 12 minutos. Ontem, a Vale anunciou que deu início à terraplanagem para a construção de um muro para conter os rejeitos em caso de rompimento da Barragem Superior Sul da Mina de Gongo Soco.
O treinamento ocorreu em meio à ameaça de rompimento estrutura, já instável, devido ao esperado desmoronamento do talude norte da mina, já dado como certo pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pelo Ministério Público. O objetivo da Cedec era treinar quem não havia participado da primeira atividade, ocorrida em 25 de março, aproximadamente 2,4 mil pessoas. Considerando que ninguém que treinou ontem tenha feito o simulado de março, que atingiu 3.600 pessoas, pelo menos 800 moradores da zona secundária de segurança (ZSS) nunca participaram das atividades do governo do estado. A meta era que 6 mil fossem treinadas na soma dos dois simulados.
Segundo o tenente-coronel Flávio Godinho, coordenador-adjunto da Defesa Civil, mesmo com a baixa adesão, o evento foi positivo. “O número é baixo sim. Mas a movimentação na cidade foi alta. Isso traz para a gente uma satisfação de que atingimos o objetivo. Muitas pessoas foram perguntadas sobre o tema e as respostas eram únicas: elas conheciam seu deslocamento e sua rota de fuga”, afirmou.
Helena Reis, de 55 anos, não via necessidade de uma nova simulação, mas sim de mais clareza das informações. “Tivemos uma reunião e as perguntas feitas não foram respondidas. A gente quer saber do talude. Na hora que ele cair, o que vai acontecer? Esta semana todinha (dentro do prazo dado para rompimento da encosta entre hoje e sábado) não vou dormir”, reclamou.
Se de um lado o anseio por mais informações marcou a avaliação, houve quem preferiu o lazer ao simulado. O aposentado Oliveira Jorge de Souza, de 65, disse estar saturado do assunto. “Todo mundo já sabe que estamos numa área de risco. Todos já sabem como é essa simulação. A gente estava brincando aqui, mas Deus abençoe que nunca acontecerá o pior”, afirmou, entre gritos de “truco”, em referência ao popular jogo de cartas.
Um grupo chegou ao principal ponto de encontro fantasiado com narizes de palhaço. “Está todo mundo angustiado. O sentimento da população é daquele idoso que foi abandonado pela família. A população não pode ficar calada. Se a gente se calar, quem vai falar por nós?”, disse Mayara Álvares Cabral, de 21, que segurava cartazes contra a mineradora.
O simulado de ontem foi o segundo treinamento da população de Barão de Cocais. Em 25 de março, dias depois de a Barragem Sul Superior subir para o nível 3 (rompimento iminente), cerca de 60% do público-alvo compareceu. As duas inciativas da Defesa Civil se voltaram à zona de segurança secundária (ZSS), que seria atingida em uma hora em caso de desastre. A zona de autossalvamento (ZAS), aquela imediatamente após a represa em estado crítico, já está evacuada desde 8 de fevereiro, quando a Vale elevou o barramento para a segunda escala de alerta.
De agora em diante, a força-tarefa montada pelos órgãos públicos, formada pela Polícia Militar (PM), Corpo de Bombeiros e defesas civis estadual e municipal não pretende executar outro simulado. Ainda assim, segundo o tenente-coronel Flávio Godinho, a Vale precisará enviar relatórios diários sobre as condições da barragem e o monitoramento será 24 horas. “Parte da equipe volta para Belo Horizonte e parte permanece. As ações continuam as mesmas. Todo o trabalho, caindo ou não o talude, é mantido normalmente”, disse.
PROTEÇÃO Um mês depois de apresentar um projeto de construção de um muro a seis quilômetros da Barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, na Região Central de Minas Gerais como alternativa para conter os rejeitos em caso de rompimento da estrutura, a Vale iniciou ontem os primeiros trabalhos para sua implantação. Segundo a mineradora, o muro, de 35 metros de altura, 307 de comprimento e 10 de largura na parte superior, será feito para reter grande parte dos materiais que podem vazar do reservatório.
A medida já havia sido apresentada à população em abril, pouco depois de barragem passar para o nível 3 da escala de alerta, o que representa uma “situação iminente de rompimento”, agravada agora pelo risco de desabamento de talude da Mina de Gongo Soco. O impacto pode ser um gatilho para o rompimento da barragem.
Iniciados na quinta-feira, os serviços para a construção do muro foram anunciados ontem pela Vale. “Como parte de ações preventivas de engenharia, a Vale iniciou, na última quinta-feira, a terraplenagem para construção da contenção em concreto localizada a seis quilômetros a jusante da Barragem Sul Superior, em Barão de Cocais”, informou, por meio de nota. Segundo a mineradora, a estrutura “fará a retenção de grande parte do volume de rejeitos da barragem Sul Superior em caso de rompimento”.
Foram iniciados os trabalhos de terraplenagem, contenções com telas metálicas e posicionamento de blocos de granito. “Essa obra atuará como barreira física no sentido de reduzir a velocidade de avanço de uma possível mancha, contendo o espalhamento do material a uma área mais restrita”, completou. A empresa informou, ainda, que o tráfego de veículos pesados deve ser constante nos próximos dias, o que poderá provocar lentidão no trânsito. Disse ainda que está monitorando a situação da barragem. (Com João Henrique do Vale)
Juíza cobra estudo e aumenta multa
Guilherme Paranaiba
A Vale tem 72 horas, a partir do momento em que for notificada, para apresentar o dam break referente à Barragem Sul Superior, da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, na Região Central de Minas Gerais. O dam break é o estudo que mostra os impactos do vazamento de 100% das estruturas líquidas e rejeitos existentes no reservatório em caso de rompimento. Em decisão de sexta-feira, a juíza Fernanda Chaves Carreira Machado também elevou a multa da mineradora de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões em caso de descumprimento da decisão. A magistrada observou que já havia uma decisão anterior determinando a mesma coisa, mas o Ministério Público pontuou que esse item não foi cumprido.
Segundo o promotor Leonardo Castro Maia, em 25 de março a Justiça deu prazo de 72 horas para a Vale apresentar o dam break, levando em consideração o vazamento de 100% dos rejeitos e água dispostos na barragem. Porém, a mineradora apresentou um estudo considerando a mobilização de 35% dos rejeitos. “A estimativa de apenas 35% de mobilização pode ser modesta e conservadora, incompatível com os postulados da precaução e da prevenção. Razão pela qual o MPMG comunicou o descumprimento da ordem ao Juízo”, disse o promotor.
Como a juíza observou que a situação piorou na região, a partir da divulgação de risco iminente de ruptura de talude dentro da Mina Gongo Soco, ela entendeu que isso poderia levar material até a barragem e, por isso, obrigou a Vale a apresentar o dam break de 100% das estruturas. Em trecho da decisão de sexta-feira, a juíza pontua que o cenário é muito complicado em Barão, haja vista que um rompimento poderia causar muitos problemas ao município. Ela, então, se manifestou dizendo que “o descumprimento da liminar e este cenário calamitoso autorizam a majoração da multa, antes mesmo da oitiva da ré, como forma de lhe impulsionar a iniciativa de resguardar a dignidade do povo cocaiense e contribuir com a segurança da sociedade que vive no local ”, conforme a sentença.
A juíza ainda destacou que a multa pode ser novamente majorada se o estudo não for apresentado e determinou que o oficial de Justiça informe os nomes de todos os membros da mineradora que tomaram conhecimento da decisão. A Vale informou que, no prazo fixado pela determinação judicial, apresentou o relatório mais atualizado de dam break da Barragem Sul Superior, explicando naquela oportunidade a adequação dos critérios técnicos. A empresa não foi intimada de qualquer decisão quanto a eventual descumprimento da decisão liminar.