Em um contexto de crise financeira, corte de verbas e de contratos terceirizados de segurança e limpeza, além de escassez de materiais para universidades públicas brasileiras, a maior instituição de ensino superior do estado pode ter tido insumos desviados de dentro de laboratórios para abastecer o tráfico de drogas. A Polícia Civil apura se produtos que deveriam ser usado para o aprendizado dos estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estaria servindo de base para a produção de drogas sintéticas. Anteontem, a corporação deflagrou uma operação dentro do câmpus Pampulha e prendeu cinco pessoas acusadas de movimentar a venda e uso de entorpecentes dentro da instituição, usando inclusive o espaço de diretório acadêmico. Nenhuma delas faz parte do corpo docente ou estudantil.
Foram apreendidas porções de cocaína, 144 buchas e um tablete de aproximadamente 600 gramas de maconha, um quilo de haxixe e R$ 103 em dinheiro, a maior parte em notas pequenas. “A UFMG se tornou espaço de traficantes e bandidos para vender drogas, se transformando, efetivamente, numa boca de fumo”, afirmou o chefe do Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico (Denarc), Júlio Wilke, em entrevista coletiva ontem.
Na operação foram presos Felipe Augusto da Silva, de 27 anos, Vinícius Figueira, de 31, Victor Júnior Ventura Neves dos Santos, de 21, Alvacy Pereira Silva e Thiago Tadeu Santos Oliveira, ambos de 25 – nenhum deles aluno da federal. Felipe já havia sido autuado em maio por tráfico. Vinícius tem passagens na polícia por crime de assalto a mão armada em 2011 e 2012. Vinícius e Victor também já tinham registros policiais por crimes de tráfico de drogas e ainda roubo à mão armada.
Além do possível desvio de insumos, o delegado investiga a participação de estudantes no tráfico. A polícia não adiantou detalhes, para não atrapalhar a investigação. Policiais apuram a origem do entorpecente comercializado e buscam ainda outros pontos de produção e venda de drogas na federal. O delegado afirmou que os traficantes agiam livremente no ambiente estudantil, por acreditar que a polícia não poderia atuar dentro do câmpus. “Havia a falsa sensação de que a polícia não poderia entrar na área e o comércio era feito dia e noite, fomentado pelos próprios alunos”, afirmou.
HAXIXE Foram feitas duas operações paralelas. Uma delas foi conduzida pelo delegado Rodolpho Tadeu Machado, da 2ª delegacia da Denarc. Ele cumpriu três mandados de busca e apreensão e, com autorização judiciária, vasculhou os diretórios acadêmicos dos cursos de psicologia, filosofia e história, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). A direção da faculdade prestou apoio à polícia. A droga foi encontrada dentro de uma bolsa, escondida numa mala em um canto escuro em uma das dependências da representação estudantil do curso de filosofia.
“No D.A de filosofia estava ocorrendo compra e venda de entorpecentes. Um alvo, que já havia sido identificado, foi preso. Dois comparsas pendentes de identificação foram presos em flagrante delito na posse de papelotes de cocaína”, disse Rodolpho Machado. Ele ressaltou que o local se tornou “zona livre” de comércio de entorpecentes. “A droga estava guardada num cantinho, sob chave. Um quarto da sala era reservado para o D.A e o resto era realmente boca de fumo. Tudo sujo. Poltronas antigas, muito lixo, muita bolsa”, completou.
Na outra operação, conduzida pelo delegado Windsor de Mattos Pereira, houve a prisão em flagrante de Alvacy Pereira e Thiago Tadeu Santos Oliveira, na entrada do prédio da Faculdade de Belas Artes. Com eles foi encontrado o haxixe. Segundo o delegado, os dois foram presos quando repassavam a droga que estava dentro de uma mochila. Ele explicou ainda que o entorpecente apreendido tem elevado valor de mercado, em razão de ser potente.
Em nota, a UFMG informou que “a direção da universidade vem cooperando com as autoridades competentes com relação a um problema que atinge toda a sociedade”. Destacou ainda que “não compactua com práticas ilegais e que ferem a dignidade humana e reafirma a permanente disposição em cooperar com as autoridades”. Procurada para informar quais laboratórios podem ter sido alvo dos suspeitos, a universidade não se pronunciou.
QUADRO DELICADO O tráfico de drogas e a operação policial nas dependências da UFMG cai como uma bomba em um momento sensível para as universidades brasileiras, quando o governo federal demonstra uma vigilância maior sobre o que ocorre dentro dos câmpus país afora. No início do mês, as instituições federais foram surpreendidas pelo anúncio de corte de 30% nas verbas de custeio (relativas às despesas correntes, que vão do pagamento de contas de consumo ao gasto com pessoal terceirizado) e de capital (referentes às despesas com obras, equipamentos e investimentos).
Em um primeiro momento, três universidades sofreram cortes: as federais Fluminense (UFF), da Bahia (UFBA) e de Brasília (UnB). O ministro da Educação, Abraham Weintraub, argumentou que todas as instituições que promovessem “balbúrdia” sofreriam punição. Na época, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UJFJ), na Zona da Mata mineira, também ficou na mira da União. Logo depois, o corte foi estendido a todas as instituições da rede federal de ensino, sob alegação de contenção orçamentária.
Na UFMG, o orçamento aprovado para este ano pela Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso no fim do ano passado, é de R$ 215 milhões. A expectativa do rombo em caixa era de R$ 64,5 milhões, embora o governo federal tenha sinalizado anteontem com a revisão dos bloqueios, depois de manifestações de repúdio à contenção de verbas para instituições federais de ensino.
Porém, além do arrocho deste ano, o ensino público superior vem enfrentando crise desde 2015, com sucessivos cortes de recursos. A situação se reflete na própria capacidade de as instituições garantirem a segurança dentro dos câmpus, já que um dos alvos da tesoura são contratos de vigilância terceirizada, suspensos para economizar verbas.
EM denunciou avanço das drogas no câmpus
Em março de 2016, série de reportagens do Estado de Minas mostrou como o tráfico havia invadido e transformado vários espaços do câmpus da UFMG em ambiente de venda de drogas. Enquanto alunos assistiam atentos às aulas em salas, a poucos metros, nos corredores, jovens consumiam e vendiam substâncias como maconha, cocaína e LSD em pleno Diretório Acadêmico, que deveria dar suporte aos estudantes. As reportagens mostraram ainda como o tráfico havia se instalado de forma acintosa e aberta dentro da representação estudantil da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). Na época, o local, degradado, com pichações alusivas a entorpecentes e a gangues disputando espaços nas paredes e móveis (foto), havia fila de alunos, com cadernos debaixo do braço e mochilas nas costas, contando dinheiro para consumir drogas entregues a eles sem qualquer constrangimento.
Enquanto isso
Ação apreende 250 kg de maconha
Dois dias depois de a Polícia Civil ter feito a maior apreensão de maconha do ano em Minas, com 3 toneladas recolhidas em Juiz de Fora, na Zona da Mata, cinco homens foram presos transportando 250 quilos da droga em três veículos, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro. Segundo a Polícia Federal (PF), além de atuar no tráfico, a quadrilha tem envolvimento com furtos e falsificação de documentos. A operação foi conduzida pela Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), força-tarefa coordenada pela PF e integrada pelas polícias Civil e Rodoviária Federal e pela Secretaria de Administração Prisional de Minas Gerais, com o apoio da Polícia Militar (PM). Segundo a polícia, os tabletes da droga estavam acondicionados em um dos veículos e os outros dois eram usados como batedores, seguindo à frente para identificar ações policiais. Dois criminosos conseguiram fugir por um matagal às margens da rodovia, mas foram capturados pela PM com a ajuda de cães farejadores.