Barão de Cocais – De um lado, um muro de concreto e aço para reter o avanço de uma onda de rejeitos de minério de ferro que pode chegar a 6 milhões de metros cúbicos no caminho de Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo, cerca de metade do que vazou em Brumadinho, a pior tragédia humana brasileira, com 244 mortes já confirmadas. Vinte seis pessoas ainda não foram localizadas. Do outro lado, a mineradora Vale escava outro reservatório entre matas e pastagens no leito do Córrego do Vieira, com mais de sete hectares de área, a cerca de dois quilômetros da Barragem Sul Superior, a estrutura que mais desperta cuidados atualmente em Minas Gerais. Essa barragem foi considerada sob risco iminente de ruptura e está no centro das atenções dos órgãos de defesa civil e militar estaduais. O principal motivo é que, além de não ter estabilidade garantida, desde o dia 13 essa estrutura está sob risco de ser destruída pela onda de choque de um paredão da mina que ameaça desabar.
O talude da Mina Gongo Soco, que é um dos paredões em forma de degraus de onde o minério de ferro foi extraído, apresenta grande movimentação, o que indica que deve desabar ou escorregar, podendo gerar vibrações suficientes para romper a barragem, no entendimento inicial da Vale e da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). Contudo, o paredão se comporta de forma a escorregar para o fundo da cava da mina, o que não provocaria vibração suficiente para um rompimento, segundo análises da empresa e da Cedec.
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Barão de Cocais: deslocamento em pontos isolados do talude já atinge 25,9cm/dia Vale diz que talude deve deslizar para a cava de mina em Barão de CocaisBarão de Cocais: como acessos de emergência devem evitar que 2 mil fiquem ilhadosVeja imagens de trincas no talude que ameaça ceder na Mina Gongo Soco, em Barão de CocaisDeslocamento de talude em Barão de Cocais chega a 26,5 centímetros por diaMesmo que o talude da mina de minério de ferro não caia, as ações de prevenção e de monitoramento da Barragem Sul Superior prosseguirão até que a estrutura volte a atingir um nível seguro de estabilidade. “Caindo o maciço ou não, a situação da barragem segue delicada e sob risco. Há várias ações em curso. A população passou por dois simulados de evacuação.
A reportagem do Estado de Minas esteve na área de sete hectares e cerca de 40 metros de profundidade onde a Vale abre a barragem de retenção de rejeitos, a dois quilômetros da Barragem Sul Superior, no sentido oposto a Barão de Cocais. Maquinário pesado, com grandes caminhões, escavadeiras e tratores, passa o dia destocando a mata e pastos para criar o remanso, capaz de receber e reter o grande volume de rejeitos que descer do barramento.
TEMORES Se por um lado isso pode poupar Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo de inundações, por outro, é um pesadelo para os sitiantes e habitantes dos povoados de Cruz dos Peixotos e outros que se encontram no vale do Córrego dos Vieiras. “A gente, aqui, está igual a gato ensacado. Não sabemos para onde é que vamos. Estão abrindo essa barragem no fundo do vale para tirar a lama de Barão de Cocais, mas será que vão levá-la até a gente?”, questiona o agricultor Raimundo Fonseca, de 67 anos, que vive num sítio no caminho que está sendo aberto para reter o rejeito de minério de ferro. “Não sabemos ainda se vamos ficar sem acesso à estrada, se ficaremos isolados. Pelo ritmo acelerado de trabalhos, o que podemos ver é que estão correndo contra o tempo, disse.
Para a mulher dele, a dona de casa Lucimar Aparecida da Silva, de 41, o pior é ficar sem energia elétrica e comunicações. “A gente fica a mais de 20 quilômetros de Barão de Cocais. Se não tiver eletricidade, estaremos isolados. Para nós, que produzimos no campo e precisamos de máquinas de descascar e de torrar café elétricas, isso pode ser o nosso fim”, reclama.
MULTA Na onda da crise das barragens, a Vale foi multada em cerca de R$ 330 mil pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A mineradora é acusada de não ter levado em consideração as recomendações das consultorias Potamos e Tüv-Süd, contratadas pela empresa para atestar a segurança da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. A informação foi divulgada pelo secretário da pasta, Germano Gomes Pereira, durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa que investiga o rompimento da estrutura.
Ao Estado de Minas, o órgão informou que a multa de R$ 329.204,25 está relacionada à elaboração ou apresentação de um estudo ambiental falso, “seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento na outorga ou outros.” Para aplicar a multa, a Semad levou em consideração a declaração do delegado da Polícia Federal Luiz Augusto Pessoa Nogueira em uma audiência da CPI da ALMG. Em 25 de março, o responsável pela investigação informou já haver comprovação de que a Vale apresentou documentação falsa aos órgãos reguladores. Apesar da declaração, o inquérito policial sobre o rompimento da barragem corre em segredo de Justiça. A Semad ainda cancelou licenças concedidas à empresa em dezembro de 2018 para o reaproveitamento de bens minerais dispostos na barragem.
Na ocasião, a classificação de risco do licenciamento concedido à mineradora foi 4, o que gerou contestação de especialistas após a tragédia.
Dispensa de ir à CPI
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que o presidente afastado da Vale, Fabio Schvartsman, não é obrigado a prestar depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho instalada na Câmara dos Deputados. Em 4 de junho, Schvartsman foi convocado para falar sobre o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, na cidade mineira. A decisão atende a pedido de habeas corpus protocolado pela defesa. Houve empate na votação e prevaleceu o voto proferido pelo relator, ministro Gilmar Mendes, favorável a Schvartsman. Segundo o ministro, o comparecimento compulsório de um investigado à CPI é um instrumento ilegal e de intimidação. Em março, Fabio Schvartsman e três diretores da mineradora foram afastados temporariamente por decisão do Conselho de Administração da empresa a pedido dos próprios executivos.
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